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26 DE ABRIL DE 1989

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que os Portugueses tinham abandonado no solo do campo de batalha serviram para armar colunas que foram destruir os impérios negros do Níger, impérios extraordinários, porque não tinham fronteiras fixas — os impérios africanos aumentavam ou diminuíam conforme a vontade de tal ou tal tribo ou de tal ou tal povo.

De facto, quando depois a Europa lançou sobre a África toda aquela rede de fronteiras, a régua e esquadro, dificultou a vida da África para o futuro. Eles não tinham essa ideia de fronteiras nem tinham essa ideia de impérios. De qualquer maneira, esses impérios foram destruídos e, como era costume em África — não foi o Português quem inventou a escravatura —, os prisioneiros foram tratados como escravos, levados para a costa e vieram abastecer as plantações do Brasil, tal como mais tarde foram ensinar os Portugueses a minerar o ouro de Minais Gerais ou de Goiás.

Por outro lado, evitou-se talvez que os Turcos tivessem invadido a Europa por Gibraltar, colocando toda a Europa numa situação difícil, porquanto já tinham invadido do lado oeste e estavam batendo os cristãos às portas de Viena.

Então, realmente, o que parece que houve foi a ideia de que talvez fosse já uma emigração necessária, que talvez se tivessem de transportar todos a outro lado, mesmo que fosse a esse reino do sonho, para que em Portugal, um dia, se viesse a reinstaurar e, provavelmente, começar essa reinstauração por perguntar se a terra e o mar de Portugal, devidamente cultivados, devidamente tratados, juridicamente certos, sempre sem a menor violência, sempre respeitando os direitos dos outros...

E agora me recordo da minha amiga analfabeta, que passou uma vida duríssima no Alentejo; até aos 4 ou 5 anos, de vez em quando, tinha de ir à taverna buscar o pai, que se embebedava, porque era talvez a única maneira de esquecer a vida terrível que estava levando; depois, aos 10 anos, começou a servir; tem 60 anos e até agora não tem feito outra coisa senão servir patrões, que podem ser excelentes..., mas essa relação entre servo e quase dono dificilmente pode ser a verdadeira, dificilmente pode ser a solução redentora.

Uma vez veio a Portugal um grande amigo meu para assistir à reeleição do general Eanes, um grande jornalista americano, que, quando ouviu falar dela e da sua aventura, me perguntou se a podia entrevistar, ao que eu disse que sim. Ele falava espanhol e eu disse--lhe que, se ela não entendesse alguma coisa, talvez eu fosse capaz de traduzir. Ele fez-lhe a entrevista e ela contou-lhe a vida com uma franqueza, de uma maneira tão directa, que o jornalista estava tão impressionado, tão comovido, que disse-lhe: «Bom, mas agora todos esses males acabam. Houve a reforma agrária, os proprietários não têm mais as terras, tudo isso vai mudar. A senhora não acha?» E ela disse-lhe: «Não acho, não senhor!, pois se a terra era deles, para quê essa violência de lhes tirar a terra?» Ela o que queria era que qualquer coisa tivesse sido inventada para não se ter ofendido nenhum direito, para que realmente não se tivesse usado de nenhuma violência e para que, de facto, ela ou as outras elas, em que ela se multiplicava pelo Alentejo, pudessem, efectivamente, vir ter uma vida nova.

Até agora, segundo parece, tem sido difícil encontrar isso; até agora apenas se tem notado que o Alentejo se desertifica, desertifica-se no que respeita à cultura da terra e desertifica-se na presença dos jovens da terra. O Alentejo envelhece a cada passo.'...

Também parece que se notou já que, enquanto as ordens religiosas dominavam o Alentejo, que, em grande parte, tinham conquistado, a economia era satisfatória e a população se mantinha. Haveria talvez de procurar, no que respeita ao Alentejo, por exemplo, se haveria agora alguma entidade que, de algum modo, pudesse representar o melhor das ordens religiosas. E lembrei-me eu, talvez por ser ingénuo, que talvez a própria Universidade de Évora pudesse começar a pensar nisso. O que é uma universidade? A meu ver, é uma ordem contemplativa, é aquela que contempla todas as espécies de ciências, mas que, ao mesmo tempo, tem dentro de si os intrumentos jurídicos e as máquinas práticas para passar dessa contemplação à realidade.

Não sei, mas parece que, muitas vezes, as universidades contemplam muita outra coisa diferente disso e, parece, não estão dando pela realidade do Alentejo e de tudo o resto.

Mas pouco me importo, de facto —se resolver agir por mim e tiver os meios para isso—, com o que pensem as universidades ou não pensem, excepto naquilo em que eu as possa interrogar e elas possam, efectivamente, dar resposta às perguntas às quais não sei responder. Mas, é evidente, tratar eu de uma aldeia, mesmo que o conseguisse, não resolveria o problema — perdõem-me ... Era preciso que experimentássemos tudo isso em todas as aldeias de Portugal, e não só no que respeita à propriedade da terra ou à propriedade de qualquer outra coisa que pudesse dar rendimentos à população; era preciso pensar também no que dignifica a cultura ou a educação dos Portugueses.

Aí o que penso é que Portugal será inteiramente culto quando nenhum português fizer mais nenhuma pergunta para satisfazer a sua curiosidade. Logo que cheguemos a esse grau de cultura, é preciso introduzir no Mundo uma quantidade de gente que seja bastante mal educada para fazer perguntas e obrigar toda a gente a ter novos problemas e a fazer novas perguntas, porque o Mundo nunca avançou pelas respostas, nunca chegou ao terraço apenas porque galgou um degrau, mas porque se lhe apresentou outro degrau, que o obrigou a subir, a andar, a cima, até chegar onde pudesse contemplar toda a paisagem.

Então o que eu faria não era nenhuma espécie de escola, o que eu faria era a receita que me deu uma outra analfabeta, vejam só! Nenhuma universidade, nem aqui, nem fora, me ensinou coisa alguma que fosse tão poderosa como aquilo que me ensinaram as analfabetas.

Uma delas deu-me a boa receita de escola: «É ter uma casa aberta», dizia ela, «para eu entrar lá e perguntar o que não sei.» Então o que eu poria em cada terra seria exactamente «uma casa aberta» para que a população pudesse entrar e perguntar o que não sabia. Se a pessoa dentro tivesse o gosto de estudar e estivesse munida de, por exemplo, alguma enciclopédia razoável e de um telefone para perguntar o que não sabia a outro alguém, íamos fazendo a educação do País.

Só isso?! Não, porque para fazer coisas é preciso estar vivo, é preciso estar forte, é preciso estar seguro