29 DE NOVEMBRO DE 1989
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Estou a tentar ficar-me pelos pontos mais globais, pois a declaração de voto entrará em pormenores mais técnicos, mas quero, uma vez mais, e não me cansarei de o dizer por mais 20 ou 30 anos, até dar algum resultado, pois sou muito paciente, dizer que, enquanto aprovarmos o Orçamento sem uma brevíssima memória descritiva ou memoria explicativa do passado, em que o próprio Ministério nos diga ...
Não sei o que se passa com os outros ministérios em comissões, nem quero saber, mas o nosso Ministério da
Educação é um ministério muito satisfeito, pois nunca vi o Sr. Ministro da Educação ou os Srs. Secretários de Estado discutirem no Parlamento os problemas que o Ministério tem. Não posso acreditar, e ninguém acredita, que os não tenha, pois toda a gente sabe as dores de cabeça que o Sr. Ministro Roberto Carneiro deverá ter (não lhas invejo).
Não se discutem problemas de despesas da ordem dos 400 milhões de contos; não se discutem problemas que toda a gente sabe terem existido este ano, como sejam o do aperto das universidades, o das filas de empreiteiros no Ministério para receberem o dinheiro, as sérias dificuldades entre o Ministério da Educação e o Ministério das Finanças para que a verba final de 1,5 milhões de contos possa ser recebida e para que a verba de 11,5 milhões de contos possa vir no fim do ano; nâo se discute aquela regulação estranha, cujo nome não sei...
O Sr. Ministro da Educação: — Chama-se procura.
O Orador: —... que é um eufemismo para dotação concorrencial e que já era um eufemismo para corte orçamental ou para penalização dos ministérios; não se discute a continuação de um investimento — por exemplo, vejamos as varias escolas superiores e os institutos politécnicos, onde se torna evidente que, em muitos casos, o programado em 1988 e para os anos seguintes tinha uma certa mecânica e ia subindo ou descendo, mas, se virmos as verbas que no ano passado se previam para 1990, são este ano totalmente arbitrárias, pois tanto pode sw o dobro como metade.
Entretanto, descobre-se que tudo isto se passa por razões burocráticas, pois o que é preciso é inscrever uma obra e pôr lá nem que seja 1000 contos para que a mesma fique a constar para o ano seguinte, mas, se depois se retiram as obras acabadas, faz com que esta selva do PIDDAC, em particular, seja totalmente hermética, por isso é necessário uma iniciação técnica de longuíssimos anos para tentar perceber o que ali se passa.
Repito, o Ministério tem a obrigação de explicar melhor cada rubrica, de forma a dar o seu entendimento, isto é, se está a correr bem ou se está a correr mal, se é preciso aumentar, diminuir ou travar.
Se um governo nunca tivesse vergonha de alterar o rítmo de uma obra, de acelerar ou reduzir, de corrigir o seu investimento e de corrigir a sua despesa e se não tivéssemos esta espécie de bairrismo chauvinista entre o Govemo e o Parlamento, que obriga a que tudo o que os outros dizem nüo se discuta nem se pense, estaríamos, certamente, a cumprir melhor o nosso dever.
Essa obrigação de o Governo apresentar essas memórias justificativas e descritivas é uma obrigação inelutável. Pode o Govemo não a cumprir e pode a maioria ajudá--lo para que isso aconteça, mas tem de o fazer.
Lembro-me que há uns anos atrás, até nas maiorias, quando as havia, havia tentativas de alguns deputados para
arranjarem uns dinheirinhos para a freguesia, para o concelho ou para o distrito e vinham aqui fazê-lo, que é a sua obrigação, porque nós somos deputados da Nação, mas também somos deputados de um círculo, mas até isso acabou.
Há uma espécie de normalização (parece a Checoslováquia em 1969) e, de facto, não há nada. Não há nenhum deputado que pense no respectivo círculo e que diga «há aqui um dinheirinho a mais para uma escola que se podia fazer?». Eventualmente, isso passa-se com telefonemas. Não sei, mas é natural que assim seja, pois isso faz-se no mundo inteiro, e não é mau que tal aconteça, mas também devia passar-se aqui e ter alguma tradução na Assembleia da República.
Como julgar? Como ajuizar a bondade do orçamento da Educação? É impossível. É completamente impossível. Nem o Ministério apresenta um orçamento justificado, explicitamente, com as tais memórias e dando a informação sobre se o investimento se está a orientar mais para o ensino básico ou para os primeiros ciclos do ensino básico ou para o secundário, porque há uma alteração demográfica em curso, seja nos professores, seja nos alunos, ou porque há um movimento migratório em curso que se acelerou ou que se estancou nos últimos anos e, portanto, é preciso acorrer mais ao litoral ou ao interior, é preciso ir ao Norte ou ao Sul.
O número de professores doutorados para o ensino politécnico e para a universidade necessário para o crescimento que o Ministério reclama não é matéria trabalhada e prevista em função disso. Qual é o investimento destinado ao trabalho científico necessário e indispensável para o crescimento? Não tem dotação orçamental.
Houve uma hipótese miraculosa há dois anos, quando o Sr. Ministro da Educação inventou aquele palavrão, o PRODEP, e, de facto, em alguns daqueles documentos, autênticos panfletos clandestinos que circulam debaixo da capa e das gabardinas, havia algumas dessas coisas, simplesmente, como aquilo não é válido, como aquilo não é um documento legal, como aquilo não é um documento que tenha o apoio político, o apoio parlamentar ou o apoio comunitário, como aquilo nâo é um só documento mas sim 20 documentos, aquelas metas, aqueles objectivos, aquela programação, que seriam, eventualmente, uma possibilidade de discutirmos políticas educativas, não podem ser sequer utilizados. Porque se eu cito que o Ministro da Educação entende, em 1991, aumentar para 17 % a taxa de frequência da universidade e ele diz que essa taxa já não é 17 % mas sim de 14 % ou de 15 %, ficamos enredados nisto, o que não faz qualquer espécie de sentido.
Considero —já sei que o Sr. Ministro não o considera— que o que se passou com o PRODEP foi uma derrota da educação, tanto perante o Ministério das Finanças, que não lhe deu autonomia nem deixou que se fizesse um programa específico para a educação, como perante o Conselho de Ministros, que não o aprovou, como mesmo perante as comissões europeias.
Sei que o Sr. Ministro não é da mesma opinião... Bom, temos uma opinião diferente sobre o mesmo assunto! No entanto, aquele tipo de programação permitiria discutir políticas educativas e o Sr. Ministro da Educação sabe que, com o Orçamento que temos, com a documentação que temos, não é possível, com seriedade e com responsabilidade, discutir políticas de educação.
Podemos fazer sindicalismo ... Venho aqui e digo que quero dinheirinho para a minha terra, que quero dinheiro