O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

31 DE OUTUBRO DE 1990

11

Em Outubro de 1987 o Governo submeteu ao Parlamento um projecto de lei sobre transplantes que prevê que a autorização da família seja uma condição para que eles se efectivem, se o falecido não tiver dado o

seu consentimento em vida (cf. Bulletin d'information sur les activités juridiques, publicação do Conselho da Europa, n.° 29, Fevereiro de 1989, p. 56).

V

A prestação do consentimento em vida

16.1 — Bem apuradas as coisas, não creio que a solução de fazer impender sobre os médicos um intensificado dever de diligência, no sentido de reconstituir — designadamente através de contactos com familiares ou amigos íntimos do falecido— a vontade do falecido, resultasse producente.

Como já referi, e como é óbvio, a omissão desse dever de diligência seria alvo previsivelmente fácil de possíveis responsabilizações, distorcendo por completo a limpidez dos objectivos do legislador.

16.2 — Não será de arredar a criação de um registo central de dados respeitante a colheitas, enxertos e transplantações, até porque, centralizando os dados a nível nacional, propiciará um fácil acesso. Ponto é que ele exista — o que em Portugal não se tem como fácil, pelo menos em prazo avistável.

Solução alternativa será a de inscrever no bilhete de identidade a opção feita pelo potencial dador, em vida.

Propenderei, no entanto, com todas as reservas que ela possa suscitar (e que suscitou, efectivamente, nas declarações de voto do aludido acórdão do Tribunal Constitucional), para a criação de um cartão sanitário, padronizado, «onde, para além de outras menções (como, por exemplo, a do grupo sanguíneo), se incluiria) a opção sobre a colheita post mortem» (assim, meu Despacho n.° 60/86, de 9 de Junho, como Ministro da Justiça).

Redarguir-se-á que será um sistema falível, já que, designadamente em caso de acidente, o cartão sanitário tendencialmente será destruído ou extraviado.

Só que o óptimo é inimigo do bom e, por certo necessariamente inimigo do possível.

17 — A ideia de que os médicos deverão diligenciar pelo apuramento ou reconstituição, através de contactos com os familiares do falecido, da vontade deste induzirá nos já justificados riscos de insegurança para os médicos. E dificilmente propiciará uma correcta indagação. É conhecida a veemência, quase que tabelar, com que os familiares, em transe emocional, se opõem à autópsia, investindo todos os esforços para que ela seja dispensada.

Como figurar que, com objectividade, viessem a transmitir a vontade (expressa) do falecido ou a reconstituir a sua vontade tácita?

VI

A certificação da morte

18.1 —Preceitua o artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 553/76:

1 — A colheita pode fazer-se imediatamente após a morte, a qual terá de ser certificada por dois médicos, não pertencentes à equipa que a ela

proceda, devendo, pelo menos, um deles ter mais de cinco anos de exercício profissional.

2 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, o cirurgião e a respectiva equipa médica que procederam à colheita dos tecidos ou órgãos devem, igualmente, certificar a ocorrência do óbito.

18.2 — Não se estabelece qualquer critério para o preenchimento do conceito de «morte» nem quaisquer regras de semiologia médico-legal a adoptar.

Entretanto, o diploma de 1976 revogou expressamente a Portaria n.° 156/71, de 24 de Março, que, no âmbito da vigência do Decreto-Lei n.° 45 683, regulava tal matéria.

Daí o ter sido solicitado parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (n.° 74/85, in Diário da República, 2.a série, n.° 272, de 26 de Novembro de 1985).

18.3 — Não está hoje em dúvida que o critério da «morte» é o da morte cerebral (por exemplo, Gerber, «Brain Death, Murder and the Law», em Medicai Journal of Australia, n.° 140/9, p. 536).

«Constitui hoje um dado adquirido que a inequívoca verificação da paragem irreversível da função do tronco cerebral basta para demonstrar o facto — morte da pessoa.» (Despacho n.° 60/86, de 9 de Junho, do Ministro da Justiça.)

Já a referida Resolução (78) 29 do Conselho da Europa apontava para que, se a morte (cerebral) tivesse ocorrido, «a extracção poderia ser efectuada, mesmo que as funções de certos órgãos, que não o cérebro, estivessem artificialmente mantidas» (n.° 1 do artigo 11.°).

Caberá à Ordem dos Médicos fixar o conjunto de regras de semiologia médico-legal a observar. Trata-se, com efeito, fundamentalmente, de um problema de deontologia médica, a analisar à luz da evolução da ciência. De qualquer modo, tais regras deverão ser como que «oficializadas» por portaria para que resultem vinculantes.

19 — Supõe-se que ao sistema vasado no artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 553/76 não haverá que fazer substancial reparo. Dá-se mesmo a circunstância de ele ser mais rigoroso que o previsto no n.° 3 do artigo 12.° da Resolução (78) 29.

Quando muito poderá figurar-se que da equipa que verifica o óbito faça parte um neurocirurgião ou um neurologista. Não é de esquecer, na verdade, que o diagnóstico da morte cerebral é um processo clínico extremamente complexo.

VII

Onde se poderá efectuar a extracção ou colheita de órgãos ou tecidos para transplantações ou enxertos?

20.1 —Dispõe o artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 553/76 que a colheita se deve efectuar em «estabelecimentos hospitalares».

Tais estabelecimentos hospitalares poderão, pois, ser públicos ou privados, nada se dizendo sobre se deverão estar ou não especificamente autorizados para o efeito, como se preceituava no artigo 3.° do Decreto--Lei n.° 45 683.