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II SÉRIE-C — NÚMERO 2

Tudo aponta para que tal deverá acontecer: uma excessiva liberalização envolveria o risco de permissividade. Não se ignora que a essa liberalização se apegam alguns médicos de inquestionável reputação e idoneidade.

Só que o controlo, neste caso, nem será burocratizante, já que a autorização constará de um diploma normativo simplificado e expeditamente susceptível de ser publicado.

Aliás, a Resolução (78) 29 — à qual não pode ser imputado o «pecado» de um intervencionismo demasiado pesado — exige que, quer as extracções, quer os enxertos e transplantações, se processem, respectivamente, «em locais e condições apropriados» (n.° 1 do artigo 12.°) e «em estabelecimentos públicos ou privados que possuam equipamentos e pessoal apropriados» (n.° 2 desse artigo 12.°).

20.2 — Problemática diversa terá a ver com a colheita de homo-enxertos em cadáveres (com o coração a não bater), não contemplada no actual diploma.

Ora é hoje prática corrente a colheita de produtos em cadáveres em depósito nos laboratórios de anato-mopatologia ou nos institutos de medicina legal.

Recordo, por exemplo, que em 1985, ao que creio ainda no IX Governo Constitucional, foi posta ao Ministro da Justiça essa questão, no sentido da criação de um banco de homo-enxertos tímpano-ossiculares na Faculdade de Medicina de Coimbra — HUC.

É que se dava o caso de, estando formalmente contra-indicada a colheita em indivíduos que houvessem falecido por doenças infecto-contagiosas, cancro, etc, seria naqueles cuja morte tivesse resultado de causa violenta (em que o traumatismo não afectasse o osso temporal) que deveria ser efectuada a exerese do osso temporal e consequente colheita do homo-enxerto tímpano-ossicular.

Só que como a morte teria sido violenta (normalmente em consequência de acidentes), os cadáveres teriam dado entrada nos institutos de medicina legal, para autópsia médico-legal.

Mas tais institutos não são estabelecimentos hospitalares, não se enquadrando, pois, na previsão do artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 553/76.

Sugeriu-se então a hipótese de, em portaria conjunta dos Ministérios da Justiça e da Saúde, se equipararem os institutos de medicina legal, para o efeito, a estabelecimentos hospitalares.

Colidia, no entanto, tal solução com a expressa injunção daquele artigo 2.° Foi ainda aduzido que ela implicaria também a atribuição de novas competências aos institutos de medicina legal, não legalmente previstas.

Outra razão acrescia, porém: é que estava então em estudo a reformulação dos institutos de medicina legal, sendo hipotizado que as autópsias clínicas, pelo menos quando não houvesse suspeita de que a morte tivesse resultado de acção criminosa, se realizassem em estabelecimentos hospitalares públicos, até para se evitar a saturação da capacidade de resposta dos serviços de tanatologia dos institutos. Claro está que as autópsias, assim realizadas nos hospitais, seriam efectuadas por peritos médico-legais: a interligação entre os serviços médico-legais e os estabelecimentos hospitalares está a ser, de resto, adoptada nas grandes cidades inglesas, norte-americanas, canadianas e de outros países.

Outra ideia foi então encarada no âmbito da reforma dos serviços médico-legais: a da criação de gabinetes médico-legais a funcionar em permanência nos gran-

des hospitais públicos. Tratava-se de aproximar os serviços médico-legais (descentralizando-os) dos hospitais.

A questão ficou, todavia, em aberto e só depois de resolvida, no plano da reformulação do sistema médico--legal, poderá ter incidência na matéria agora especificamente em análise.

VIII

A gratuitidade das dações

21.1 — Princípio que se pode considerar dominante é o da gratuitidade — quer no caso de colheitas em vida, quer post mortem.

Quanto a estas últimas nada dispõe o Decreto-Lei n.° 553/76.

Mais detalhado, o Decreto-Lei n.° 45 683 regulava a questão (artigo 8.°):

É ilícito e nulo o acto pelo qual alguém receba ou pretenda adquirir para si ou para outrem direito de receber alguma remuneração pelo facto de autorizar ou de não se opor a que se façam colheitas de órgãos ou tecidos no cadáver próprio ou no de outra pessoa.

Era válida, no entanto, «a disposição pela qual o falecido tenha imposto ao serviço que, por ele autorizado, determine a colheita de tecidos ou órgãos do seu corpo, o encargo de custear o seu funeral, até ao limite que for fixado em despacho ministerial» (§ único desse artigo 8.°).

21.2 — Na resolução (78) 29 o critério da gratuitidade (no caso de extracção de órgãos ou tecidos em pessoas vivas) é expressamente acolhido (artigo 9.°). Ressalva, porém, o preceito ser admitido o reembolso das perdas de capacidade de ganho e os encargos dimanados da extracção e dos exames prévios. E acrescenta:

O dador ou o dador potencial, para além do direito a indemnização por eventual responsabilidade médica, deve receber uma indemnização na hipótese de dano consequente a uma extracção ou aos exames prévios, por via do sistema de segurança social ou de outro sistema de seguro.

Será, pois, de excluir o propósito de lucro. A Lei italiana n.° 644, de 2 de Dezembro de 1975 (na linha da anterior Lei n.° 458, de 26 de Junho de 1967), exclui mesmo, categoricamente, qualquer forma de compensação económica (artigos 19.° e 20.°).

Uma solução intermédia, próxima da acolhida na Resolução do Conselho da Europa, será, ao que se crê, a mais certa.

«Não é de afastar por princípio qualquer compensação económica. É certo que podem surgir graves abusos se for exigível uma retribuição-, mas seria exagerado considerar ilícita [...] qualquer retribuição [..•!» (Javier Hervada, «Los trasplantes de órganos y el de-recho a disponer dei propio cuerpo», em Persona y De-recho. Revista de Fundamentación de ias instituciones jurídicas, n, 1975, p. 251).

Quer isto dizer que é de repudiar por completo a comercialidade, o relevo patrimonial do próprio órgào ou tecido.