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31 DE OUTUBRO DE 1990

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A intencionalidade da dação deve ser a do altruísmo ou da solidariedade humana.

Só que não se pode levar esta regra a um ponto excessivo.

Estabelece a Lei espanhola 30/1979 (artigo 2.°): Não se poderá receber qualquer compensação

pela dação de órgãos. A.rbitrar-se-ão (no entanto) os meios para que a realização destes actos não seja em caso algum gravosa para o dador vivo nem para a família do falecido. Em nenhum caso existirá qualquer compensação económica para o dador, nem se exigirá ao beneficiário qualquer preço peio órgão transplantado.

E a regulamentação da lei (Decreto n.° 426/1980, de 22 de Fevereiro) reitera e explicita no artigo 5.°:

Não se poderá receber qualquer compensação pela dação de órgãos nem existirá qualquer compensação para o dador, nem se exigirá ao beneficiário qualquer preço pelo órgão transplantado. Não obstante, deverá garantir-se ao dador vivo a assistência necessária para o seu restabelecimento, assim como para cobrir qualquer despesa efectuada por ocasião da dação ou intervenção.

22 — De salientar será, no entanto, que, para alguns autores, sobretudo em França, haverá que distinguir entre a dação de órgãos regeneráveis e não regeneráveis.

Quanto a estes o dogma da não retribuição é absoluto, porque contrário à ordem pública. Apenas o altruísmo poderá justificar uma tão grave agressão ao corpo humano.

No que respeita aos órgãos regeneráveis, se a gratuitidade continua a ser o pressuposto de base, não é de excluir, nalguns casos, uma compensação económica — sobretudo quando se trata da dação de órgãos ou tecidos para fins terapêuticos não imediatos (armazenamento em «bancos») ou para fins científicos (experimentação ou investigação). Não se tratará, no entanto, de um preço, mas de uma indemnização, como advertiu o Comité Nacional da Ética em Outubro de 1984.

IX

Conclusões

1) Quer no ponto de vista de técnica legislativa, quer no da compreensibilidade das soluções que apresenta, carece o Decreto-Lei n.° 553/76 de ser revisto e completado.

2) Pelo que se deixou sumariamente exposto, não contém o regime da colheita de órgãos e tecidos em pessoas vivas, para transplantações ou enxertos.

3) Não estabelece, quer para este caso, quer para o da colheita em cadáveres, o princípio da gratuitidade, embora mitigado com as compensações económicas que acessoriamente podem ser atribuídas ao dador, designadamente pelos prejuízos sofridos ou encargos suportados.

4) Ainda no que respeita à colheita em dadores vivos, não faz, como é óbvio, uma opção sobre se ela deverá apenas ter como protagonistas maiores ou se, também, menores (ou outros incapazes no ponto de vista jurídico).

5) Não toma posição sobre o critério da morte e sobre as regras de semiologia médico-legais aplicáveis.

6) É omisso quanto ao problema nuclear da prestação, em vida, do consentimento ou da oposição do dador para a colheita post mortem e não estabelece meios, dotados de praticabilidade mínima, para o conhecimento da eventual oposição.

7) Se a «filosofia» subjacente ao diploma (viabilização das colheitas em cadáveres) é a preconizável, e não colidente com os princípios ético-jurídicos invocáveis, a sua textualizaçâo não é clara, comportando essenciais dúvidas de interpretação e de aplicação.

8) Por assim ser, e pelo mais que neste parecer se ponderou, o Provedor de Justiça, no uso da competência consignada na alínea è) do n.° 1 do artigo 18.° da Lei n.° 81/77, de 22 de Novembro, assinalando as aduzidas deficiências legislativas, recomenda a reformulação do Decreto-Lei n.° 553/76, de 13 de Julho.

9) É essa reformulação da competência (relativa) da Assembleia da República, por estarem em causa matérias que têm a ver com direitos, liberdades e garantias [alínea fe) do n.° 1 do artigo 168.° da Constituição] e, complementarmente, com a definição de crimes e penas [alínea c) do mesmo n.° 1].

Lisboa, 23 de Outubro de 1990. — O Provedor de Justiça, Mário Raposo.