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II SÉRIE-C — NÚMERO 2

versidade de Coimbra a procederem à colheita de tecidos ou órgãos), deu causa a uma certa indefinição quanto aos «estabelecimentos hospitalares» autorizados a proceder às colheitas (artigo 2.°).

É, por outro lado, ambíguo quanto à gratuitidade ou não da colheita, se bem que o parecer n.° 35/52 da Procuradoria-Geral da República, de 27 de Novembro, referenciado no preâmbulo, se tivesse pronunciado no sentido da gratuitidade.

9.1 — O Decreto-Lei n.° 45 683 previa que a colheita se efectuasse para «fins terapêuticos ou científicos» (artigo 1.°).

Já o Decreto-Lei n.° 553/76 fala apenas em colheitas «para transplantação ou outros fins terapêuticos».

Será esta última formulação redutora em relação à primeira, significando a primeira a efectivação de colheitas para «experimentação científica»?

No respeitante às colheitas em pessoas vivas, tudo aponta para que elas se destinem exclusivamente a fins curativos imediatos e personalizados.

Já no tocante às colheitas em cadáveres, poderão elas ter fins terapêuticos imediatos ou diferidos, através da sua armazenagem em bancos de órgãos ou tecidos.

Mas quanto às colheitas para fins puramente experimentais, quer de investigação, quer didácticos?

Não serão elas de arredar, em bem contados e prudentes casos, e sempre, claro está, no corpo de pessoas falecidas.

A resolução (78) 29 do Comité de Ministros do Conselho da Europa (11 de Maio de 1978) sobre a harmonização das legislações dos Estados membros relativamente às extracções, enxertos e transplantações de substâncias de origem humana, nas regras que aprova, prevê expressamente a extracção ou colheita para fins terapêuticos e de diagnóstico em benefício de outras pessoas que não o dador e para fins de investigação (n.° 1 do artigo 1.°).

9.2 — Curioso é assinalar que a Lei espanhola 30/1979, de 27 de Outubro, sobre extracção e transplantes, dispõe no artigo 1.° que se aplicará «à cessão, extracção, conservação, intercâmbio e transplante de órgãos humanos, para serem utilizados para fins terapêuticos».

Mas, sendo certo que abrange a colheita em pessoas vivas e em cadáveres, vem no n.° 2 do artigo 5.° preceituar que «a extracção de órgãos e outras peças anatómicas de falecidos se poderá realizar com fins terapêuticos ou científicos [...]». Trata-se de uma aparente contradição com a moldura do artigo 1.°, como refere Ramón Martín Mateo (Bioética y Derecho, 1987, p. 110), que, aliás, considera a lei um texto jurídico «de excepcional qualidade» (ob. cit., p. 109).

Está-se em crer que a finalidade científica nominalmente referenciada não vai além da finalidade terapêutica ou curativa, embora com utilização diferida, mediante o seu armazenamento em bancos.

E daí que neste aspecto a formulação do Decreto--Lei n.° 553/76 ganhe vantagem, por não consentir dúvidas, em relação ao diploma de 1964.

Os transplantes são uma excepção como solução terapêutica, mas quando determinados por essa finalidade será forçado afirmar-se que se inserem, necessariamente, no campo da «investigação terapêutica», como argumenta Romeo Casabona em «Por una ética de transplantes» (em El País, de 25 de Novembro de 1984).

As modulações das finalidades prosseguidas melhor serão analisadas a propósito do tipo de consentimento prévio à extracção ou à colheita.

III

O consentimento do dador

10.1 — Dispõe o artigo 5.° do Código Civil italiano que os actos de disposição do próprio corpo são proibidos quando conduzirem a uma diminuição permanente da integridade física (ou quando forem contrários à lei, à ordem pública ou aos bons costumes).

Só que o preceito não tardou em ser ultrapassado pelas realidades. Pensado, realmente, para situações como os transplantes de córneas, cartilagens, etc, dificultava ou poderia mesmo impedir transplantes depois usualmente praticados, como os do rim. E daí a sua intepretação correctiva, logo intuída, por exemplo, por Calógero Gangi (Persone Fisiche e Persone Giuri-diche, 1948, p. 175) e Adriano de Cupis (I Diritti delia Personalità, 1950, pp. 61-69) e, depois, a sua derrogação, por força da Lei n.° 458, de 16 de Junho de 1967 (a que se seguiram as Leis n.os 644, de 2 de Dezembro de 1975, e 409, de 16 de Julho de 1977). Neste sentido, Santossousso, vox «Trapianti» (em Novíssimo Digesto Italiano, vol. xix, 1973, reimpressão de 1980, p. 508) e Fernando Montovani, / Trapianti e la Sperimen-tazione Umana nel Diritto Italiano e Straniero, 1974, p. 143.

10.2 — Que a pessoa não é dona do seu corpo é evidenciado pela condenação, de inspiração cristã e prevalentemente ética, do suicídio e da automutilação. Nesta linha de posicionamento sublinhou J. Diez Diaz que a pessoa não é plenamente proprietária do seu corpo, mas apenas como que sua usufrutuária («El de-recho a la disposición dei cuerpo», na Aev. Gen. de Leg. y Jurisp., 1967, i, p. 714).

Os corolários deste pressuposto são óbvios: a colheita terá de ter uma finalidade terapêutica imediata, com probabilidades de êxito, não podendo pôr em risco sério e objectivo a vida do dador, nem prejudicar de modo irremissível a sua integridade física global. A doação de um rim, por exemplo, não afectará essa totalidade física e humana.

Não é de pôr de lado que a aludida Resolução (78) 29 do Conselho da Europa dá uma certa abertura.

Assim, no artigo 4.° prevê que a extracção de substâncias não susceptíveis de regeneração, embora em regra limitada às transplantações entre pessoas geneticamente aparentadas, possa ser feita quando existam hipóteses sérias de êxito.

E o artigo 5.° estabelece que a extracção de substâncias de que desponte um risco previsivelmente grave para a vida ou a saúde do dador possa ser excepcionalmente admitida quando justificada por motivações do dador, pelas relações familiares que o ligam ao beneficiário e pelas exigências médicas do caso. O Estado poderá, no entanto, proibir uma tal extracção.

10.3 — Em síntese, poder-se-á dizer que o princípio da inviolabilidade do corpo humano se opõe por regra à extracção de um órgão ou tecido não regenerável. Qualquer excepção fundar-se-á como que num estado de necessidade (Grenouilleau, «Commentaire de la Loi 76-1181, du 22 décembre 1976», Recueil Dalloz, 1977, p. 214).