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II SÉRIE-C — NÚMERO 23

como um meio preventivo, relativamente eficaz, de evitar a administração de produtos contaminados.

59 — A este propósito, refira-se que em 31 de Março de 1992 a República Francesa veio a ser condenada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a prestar urna indemnização aos herdeiros de um doente infectado pelo VIH, o qual havia sofrido transfusões várias em estabelecimentos públicos de saúde, baseando-se, para tanto, na omissão normativa de prevenir diligentemente essas situações.

60 — Afirma-se no acórdão:

[...] admitindo mesmo a subsistência de algumas incertezas sobre os hipotéticos efeitos secundários da técnica do pré-aquecimento, nos finais do ano de 1985, a revelação da amplitude da catástrofe sanitária anunciada exigia que autoritariamente fosse posto cobro e sem demora à distribuição de produtos contaminados. [T. N.]

61 — A ideia de responsabilidade do Estado por omissões legislativas ou regulamentares, mesmo fora do âmbito da inconstitucionalidade por omissão, encontra suporte no artigo 22.° da Constituição. Neste sentido, pode afirmar-se, como Rui Medeiros (in Ensaio sobre a Responsabilidade Civil do Estado por Actos Legislativos, Livraria Almedina, Coimbra, 1992, p. 353):

Os danos devem ser imputados à Administração quando o órgão ou agente administrativo goza de liberdade na fixação do conteúdo do acto ou regulamento ou pode, inclusivamente, não o emitir. Assim, havendo discricionariedade da escolha ou da decisão, o lesado pode fundamentar o seu pedido de indemnização não só na Constituição, mas também nos preceitos legais que regem a responsabilidade objectiva da Administração.

C) Discussão e fundamentação: análise da solução proposta pelo Decreto-Lei n.8 237/93, de 3 de Julho

62—Mais de sete anos após o início da administração do factor contido no lote n.° 810 536, o legislador reconheceu «que o normal funcionamento dos mecanismos da ordem jurídica não providenciaria de forma adequada a reparação devida aos doentes que tenham sido, eventualmente em estabelecimentos de saúde pública, contaminados pelo vírus da imunodeficiência humana» (cf. preâmbulo do Decreto-Lei n.° 237/93, de 3 de Julho). Do mesmo passo, optou «pela colocação à disposição dos hemofílicos, ou seus herdeiros legais, de um mecanismo alternativo ao recurso aos tribunais: a celebração de convenções de arbitragem com o Estado» (idem).

63 — Para além de ser lamentável a demora na procura de uma solução mais adequada, b regime definido pelo Decreto-Lei n.° 237/93, de 3 de Julho, revela algumas iniquidades.

64 — Elas resultam, fundamentalmente, de duas das condições que o Estado-legislador impõe ao Estado-administração para poderem ser celebradas convenções de arbitragem.

65 — A primeira está na exigência de autorização aos árbitros para julgarem segundo a equidade [artigo 3.°, n.° U alínea a)\.

66 — Ora, como vimos, o julgamento segundo critérios equitativos permitiria a flexibilização do ónus da demonstração do nexo causal, pressuposto pela responsabilidade civil.

67 — Porém, e como pode ser já observado, a actuação negligente da Administração, ao não registar ou ao não conservar registos dos lotes administrados a cada um dos doentes, faz accionar o mecanismo previsto pelo artigo 344.°, n.° 2, do Código Civil.

68 — Por outro lado, não seria de excluir a aplicação do artigo 494.°, do mesmo Código, o qual garantiria a incisão de juízos de equidade na fixação das indemnizações.

69 — Assim, não se vê como haja necessidade, por parte do Estado, em cingir a celebração de convenções de arbitragem a uma autorização aos árbitros para julgarem segundo a equidade, tanto mais que na falta de indicação em contrário pela convenção de arbitragem, esse meio apenas garantirá «a possibilidade de afastamento, no julgamento do caso concreto, das normas tecidas, não tanto com os fios da estrita justiça, da pura razoabilidade ou da criteriosa igualdade, mas com o cardado da certeza do direito ou da segurança do comércio jurídico» (Prof. Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, n.° 3831, p. 182).

70 —A tudo isto acresce o facto de, nos termos do artigo 29.°, n.° 2, da Lei n.° 31/86, de 29 de Agosto, a autorização dada aos árbitros para julgarem segundo a equidade envolver renúncia aos recursos para os tribunais judiciais comuns.

71 —Em segundo lugar, a condição assinalada pelo artigo 3.°, n.° 1, alínea d), do mencionado diploma de 3 de Julho próximo passado, é flagrantemente injusta e, por desventura, inconstitucional.

72 — Afigura-se inaceitável que o Estado, o qual é uma das partes nos litígios a submeter a um tribunal arbitral, possa socorrer-se da via legislativa, por forma a limitar o montante das indemnizações a atribuir.

73 — Trata-se, com efeito, de uma situação de excesso de poder legislativo, admitindo, como o Prof. Gomes Canotilho que:

[...] o fim imanente à legislação imporia os limites materiais da não contrariedade, razoabilidade e congruência. [Direito Constitucional, Coimbra, 1991, p. 1026.]

74 — E prossegue o mesmo autor, a este propósito:

Uma consideração especial merecerão as leis medida. O problema do excesso do poder legislativo põe-se com grande acuidade neste tipo de actos legislativos. Sendo as leis simultaneamente disciplina e acto, normação e execução, bem pode acontecer que os poderes legislativos sejam expressamente utilizados para furtar o acto ao controlo contencioso normal [...] [Ob. cit., p. 1027.]

75 — Na verdade, ao impor uma limitação máxima às indemnizações fixadas pelo tribunal arbitral e, ao mesmo tempo, ao inviabilizar o recurso das suas decisões, o Estado está a agir irrazoavelmente e em manifesta incongruência com o objectivo de estabelecer «um meio alternativo» (cf. preâmbulo do Decreto-Lei n.° 237/93, de 3 de Julho).

76 — Não está em discussão a legitimidade do Estado para, em abstracto, fixar limites máximos de indemnização por alguns tipos de dano, como o fez nos artigos 508.° e seguintes do Código Civil. Porém, ao invés, nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 3." daquele diploma, assiste-se a uma utilização do poder legislativo como meio de limitar os poderes de um tribunal perante o qual o mesmo Estado será réu.