29 DE JUNHO DE 1996
131
35 — No que se reporta ao serviço público de televisão nos Açores e na Madeira, o contrato de concessão limita-se a estabelecer, no n.° 3 da referida cláusula, que, nos termos da Lei n.° 21/92, de 14 de Agosto, um dos canais abrangerá as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. É, assim, à concessionária que cabe determinar qual deles será difundido nos arquipélagos.
E— 36 — Importa agora apreciar se a solução legal é conforme e suficiente em face da norma constitucional contida no artigo 38.°, n.° 5.
37 — Introduzida esta disposição na revisão constitucional de 1989, veio a consagrar um sistema misto, ao incumbir o Estado de garantir a existência e o funcionamento de um serviço público de televisão e ao prever a existência de operadores privados de radiotelevisão.
38 — Nos termos do n.° 6 do mesmo preceito, o sector público de rádio e televisão está sujeito a um regime especial relativamente aos órgãos de comunicação social privados, no tocante à respectiva estrutura e ao funcionamento, o qual deve salvaguardar a respectiva independência perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos, bem como assegurar a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião.
39 — A previsão constitucional de um serviço público de televisão e rádio constitui uma garantia institucional da liberdade e pluralismo da comunicação social (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3." ed., Coimbra, p. 233; Jorge Miranda Manual de Direito Constitucional, t. iv, 2.° ed., Coimbra, 1993, pp. 402 e 403; «Serviço público de televisão e Regiões Autónomas», in O Direito, ano 125.°, 1993, i-n, pp. 129 e segs.).
40 — Esta norma vincula o Estado em termos objectivos enquanto fundamenta um dever que, embora não estando em relação com qualquer titular concreto, obriga a pessoa colectiva pública em questão ao desempenho de uma específica actividade administrativa para satisfação de uma necessidade de interesse geral (Jean Rivero, Direito Administrativo, 1981, p. 494). Neste sentido, alude Gomes Canotilho (Direito Constitucional, Coimbra, 1991, pp. 544 e 546), as «normas de direitos fundamentais objectivas», as quais se fundamentam no especial significado para «a colectividade, para o interesse público, para a vida comunitária».
41 — Atenta a manifesta importância da rádio e da televisão como veículos privilegiados de informação, estão estas actividades subordinadas à possibilidade de realização dos direitos fundamentais de «se informar» e a «ser informado» (artigo 37.°, n.° 1), bem como do direito de participação na vida pública (artigo 48.°, n.° 2). O exercício destes direitos constitui, por sua vez, condição indispensável para a formação de uma opinião pública livre e, mais genericamente, do funcionamento dos próprios mecanismos democráticos.
42 — Foi exactamente com base nas considerações relativas à acepção funcional ou objectiva da liberdade de comunicação social e à existência de uma função estatal de criação de uma opinião pública livre que se desenvolveram as discussões parlamentares relativas à formação do texto do artigo 38.°, n.08 5 e 6. Foi considerado que, atenta a lógica empresarial privada a que, necessariamente, não deixariam de estar sujeitas as televisões privadas, ao Estado incumbiria garantir o acesso genérico pela comunidade à rádio e à televisão e, por essa via, garantir o pluralismo em matéria de direito à informação, educação e cultura (Diário da Assembleia da República, 1." série, n.° 70, pp. 3341, 3347, 3348, 3352, 3353 e 3360 e segs., e n.° 71, pp. 3423 e segs.).
43 — Vistas, em geral, as possibilidades reais de exercício do poder pelos órgãos de comunicação social, por imperativo do princípio do Estado de direito e do regime democrático, a garantia do pluralismo impõe um regime de carácter intervencionista (neste sentido, cf. Jorge Miranda, Manual, cit., pp. 400, 402 e 408), traduzido nas obrigações do Estado em assegurar a divulgação da titularidade e dos meios de financiamento dos órgãos de comunicação social, garantir a liberdade e a independência dos órgãos de comunicação perante os poderes político e económico, impor o princípio da especialidade das empresas titulares de órgãos de comunicação social, impedir a concentração das empresas titulares de órgãos de comunicação social, designadamente através de participações múltiplas ou cruzadas, e a obrigação de assegurar os direitos de antena, de resposta e de réplica política (cf., respectivamente, artigos 38.°, n.os3 e 4, primeira, segunda, terceira e quarta partes, e 40." da Constituição).
44 — Resulta ainda da Constituição uma estreita conexão entre a comunicação social em geral e os órgãos de comunicação do sector público em especial, com as obrigações que incumbem ao Estado em sede de promoção dos direitos culturais. Com efeito, ao Estado cabe incrementar a democratização da cultura, incentivando o acesso de todos à fruição e criação culturais, em colaboração com os órgãos de comunicação social (artigos 73.°, n.° 3, e 78.°, n.° 2, da Constituição).
45 — A garantia constitucional dà existência e funcionamento de um serviço público de televisão e rádio aparece, assim, como um instrumento da possibilidade de realização dos direitos fundamentais à informação e à participação na vida política (artigos 37." e 4.°, n.° 2, da Constituição), bem como surge vinculada à obrigação estadual de generalização do acesso à educação, à cultura e à fruição cultural, exigindo ao Estado uma acção conformadora positiva que possibilite o exercício destes direitos.
46 — Neste sentido, duvidoso parece que se compadeça o texto constitucional com uma restrição à garantia institucional do serviço público de televisão, que se traduza numa prestação diferenciada, em termos geográficos, de um serviço que a Constituição consagra como meio de expressão de outros direitos.fundamentais e, em última análise, como garantia do funcionamento dos mecanismos próprios do Estado de direito democrático.
47 — Estando as garantias institucionais sujeitas ao regime dos direitos fundamentais (neste senüdo, Jorge Miranda, Manual, cit., t. iv, p. 70), qualquer restrição só será admissível nos termos do artigo 18.° (para além, naturalmente, do regime do artigo 19.°, embora sem aplicação no caso presente). Demonstrado que o legislador ordinário entendeu que a garantia do serviço público de televisão se reconduz à difusão de dois programas ou canais (com o conteúdo previsto na cláusula 4." do contrato de concessão), não se vislumbram quais os valores constitucionais que possam justificar o acesso diferenciado a esse serviço por parte dos cidadãos residentes nos arquipélagos dos Açores e da Madeira.
48 — Mesmo reconhecendo, como expressamente assinala Jorge Miranda (Manual, cit., t. iv, pp. 70 e 71), que a garantia constitucional se reconduz à existência do serviço público e não ao modo concreto como o legislador ordinário a venha a concretizar, certo é que, na actividade de produção normativa a tanto destinada, está o legislador vinculado à observância dos princípios e normas constitucionais, no caso em presença ao princípio da igualdade, ao princípio da unidade do Estado e ao princípio da solidariedade para