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II SÉRIE-C — NÚMERO 20
com as Regiões Autónomas (artigos 13.°, 6.°, 227.°, n.° 2. e 23." da Constituição).
49 — Competindo ao Estado, por si ou através de uma entidade pública constituída para o efeito, assegurar uma prestação específica destinada a promover o pluralismo político e social, bem como o bem-estar económico, social e cultural, o princípio fundamental a observar quanto à possibilidade de fruição destas utilidades consistirá não só na liberdade de acesso, estando a utilização dependente de um mero acto de vontade do utente (Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Coimbra, 1991, 10." ed., pp. 1079 e 1080), como também no tratamento igualitário de todos os residentes no território nacional no que ao acesso e à utilização do serviço se refere.
50 — Assim, como salienta Jorge Miranda («Serviço público», cit., p. 241), a prestação do serviço público de televisão não deverá revestir apenas natureza universal, no sentido de uma oferta generalizada, disponível para todos, independentemente da sua localização geográfica, mas também natureza não discriminatória, o que obriga à existência de «emissões de âmbito nacional, simultâneas, idênticas para todo o território».
51 — Radica o citado autor esta exigência tanto no princípio constitucional de reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses (artigo 227.°, n.° 2, segunda parte, da Constituição), como também no princípio da igualdade (artigo 13.°), especialmente na sua vertente positiva ligada à efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais [artigo 9.°, alínea d), da Constituição].
52 — A mesma exigência resulta do carácter unitário do Estado (artigo 6.° da Constituição), assim como também dos princípios da solidariedade e da cooperação com as Regiões Autónomas (artigos 227.°, n.° 2, e 231.° da Constituição). No que ao conteúdo do princípio da solidariedade concerne, reveste particular acuidade a exigência de igualdade material entre os cidadãos residentes no continente e nos arquipélagos, atento o desiderato constitucional de correcção das
desigualdades derivadas da insularidade (artigo 231.°, n.° 1, da Constituição).
53 — Em face deste objectivo específico do regime de autonomia política e legislativa das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira e observado o carácter instrumental da garantia institucional em análise relativamente ao princípio da democracia económica, social e cultural constante do artigo 9.°, alínea d), da Constituição, mais injusto se manifesta o regime legal instituído, ao permitir à concessionária escolher qual o canal que irá ser difundido nas Regiões Autónomas. Com efeito, o carácter generalista do 1.° canal condicionará tal opção, com prejuízo significativo no que respeita à educação, à fruição e ao desenvolvimento cultural e ao reforço do pluralismo, objectivos para que se encontra vocacionado o 2.° canal.
54 — É justamente na relação intrínseca que entendo existir entre a garantia constitucional em análise e a possibilidade de realização dos direitos fundamentais de informação, participação na vida pública, educação e cultura que considero que a presente questão excede o âmbito da função política, enquadrando-se na atribuição de promoção dos direitos, liberdades, garantias e interesses legítimos dos cidadãos cuja salvaguarda se me encontra estatutariamente atribuída.
55 — Das considerações expostas resulta que, encontrando-se o Estado vinculado a assegurar a existência e o funcionamento de um serviço público de televisão e compreendendo o serviço público a gestão de duas redes de cobertura
de âmbito geral, que correspondem às frequências atribuídas aos 1." e 2.° canais, a garantia constitucional apenas se encontra satisfeita se e na medida em que o cumprimento de tal obrigação assuma carácter universal e homogéneo em relação a todos os residentes no território português, designadamente porque qualquer restrição violaria directamente o disposto no artigo 13.°, n.° 2, da Constituição, que não admite diferenças de tratamento normativo em função do território.
56 — E esta violação do princípio da igualdade mais se evidencia por estar em causa uma norma constitucional que beneficia do regime dos direitos, liberdades e garantias, pois, como sustenta Gomes Canotilho, «se o legislador actua voluntariamente criando uma certa disciplina legal, então ele fica obrigado a não deixar inconsiderados os casos essencialmente iguais aos previstos no Tatbestand legal» (Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador — Contributo para a Compreensão das Normas Constitucionais Programáticas, Coimbra, 1982, p. 335).
57 — Assim, o que resulta como necessário e conforme à Constituição é assegurar que o serviço público de televisão revista, nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, no mínimo, a mesma configuração que no território continental, consubstanciando-se, actualmente, nas distribuição simultânea e integral dos 1.° e 2.° canais.
58 — Neste sentido, e com fundamento no princípio da solidariedade para com as Regiões Autónomas e no princípio do reforço da unidade nacional, foram formuladas pelas Assembleias Legislativas Regionais as Resoluções n.08 3/92/M, 12/94/Mv 2/92/A e 2/94/A, respectivamente publicadas no Diário da República, 1.° série-B, de 2 de Março de 1992, 10 de Setembro de 1994, 6 de Fevereiro de 1992 e 22 de Abril de 1994.
Em todas as resoluções se refere a necessidade de emissão nas Regiões Autónomas de, pelo menos, um dos canais de serviço público de televisão, bem cçmo a manutenção
do canal regional como serviço público regional.
59 — Quanto à manutenção de um canal regional, a consideração acima exposta quanto à violação do princípio da igualdade não obsta, como considera Jorge Miranda («Serviço público», cit., p. 242), à existência de programas produzidos e emitidos pelos centros regionais. Tal facto resultará de um «diferencialismo natural», expressão do princípio da promoção e da defesa dos interesses regionais, fundamento da própria autonomia regional (Carlos Blanco de Morais, A Autonomia Legislativa Regional, Lisboa, 1993, p. 407).
II — Conclusões
Em face do quanto fica exposto, entende o Provedor de Justiça exercer o poder que lhe é conferido pelo artigo 20°, n.° 1, aKnea b), da Lei n." 9/91, de 9 de Abril, e como tal recomendar:
Que seja devidamente ponderado pelos Ex."105 Deputados vir a ser desencadeado procedimento legislativo com vista à alteração da norma contida no artigo 3.°, n.° 3, alínea i), da Lei n.° 21/92, de 14 de Agosto, no sentido de garantir que a emissão através das redes de cobertura de âmbito geral que integram as frequências atribuídas aos 1.° e 2." canais compreenda todo o território nacional, por forma a suprir uma situação de inconstitucionalidade.
Lisboa, 11 de Junho de 19%. — Ò Provedor de Justiça, José Menéres Pimentel.
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