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19 DE OUTUBRO DE 1996

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Parlamento como para os direitos, a honra e a dignidade cívica do Deputado atingido. Por isso, a lei não pode deixar de rodear o acontecimento de garantías suficientes para a salvaguarda do interesse público na rectitude, correcção e justiça da decisão e para a protecção devida ao direito fundamental do Deputado de exercer, de facto e pelo prazo legal, o mandato para que foi eleito pelos seus concidadãos [artigo 150.°, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP)].

A necessidade de tais garantias é tanto maior neste domínio quanto é certo que o legislador veda expressamente à Assembleia da República o poder de reapreciar os factos geradores de perda do mandato por ela mesma apreciados em deliberação anterior [artigo 8.°, n.° 1, alínea a), do Estatuto dos Deputados]. Desta maneira, a lei associa à declaração definitiva de perda do mandato o efeito de «caso decidido». Ora isto implica que, por antecipação ou por retroacção, o processo decisório seja cuidadosamente moldado. E o que determina o princípio do structural due process, hoje inerente à ideia de Estado de direito.

5 — O parecer previsto no n.° 3 do artigo 4.° do Regimento da Assembleia da República é obrigatório e prévio à declaração da Mesa. Por isso, assegura a presença, no momento da decisão, de outros pontos de vista eventualmente diferentes dos de quem desencadeou o processo e presuntivamente menos envolvidos que estes nas particularidades do caso. Mesmo que não seja vinculante, o parecer desempenha, assim, uma relevantíssima função de objectivação ou dèssubjectivação da declaração de perda do mandato, constituindo uma garantia institucional da rectitude da decisão.

Neste contexto, a 1.* Comissão só poderia considerar-se incompetente se a parte final do n.° 3 do artigo 4." do Regimento da Assembleia da República tivesse sido, expressa e inequivocamente, derrogada pela Lei n.° 24/95. Mas não aconteceu. Pelo contrário: a lei — que modificou significativamente o artigo 21.° do Estatuto dos Deputados e instituiu a Comissão Parlamentar de Ética— manteve sem alteração o artigo 8.°, n.° 5. E aqui lê-se que «a violação do disposto no artigo 21.° determina a perda do mandato nos termos do artigo 163.°, alínea a), da Constituição, a qual será declarada após verificação pela Assembleia da República, nos termos do Regimento». • A parte final, como todo o n.° 3 do artigo 4.° do Regimento da Assembleia da República, continua, pois, em vigor.

A 1 .* Comissão é, assim, competente para se pronunciar sobre a declaração de perda do mandato do Sr. Deputado Henrique Neto, como pretende S. Ex.* o Presidente da Assembleia da República.

6 — Em todo o caso, o objecto ou âmbito do parecer a emitir pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantías sobre as perdas de mandato deve considerar-se delimitado pela alínea a) do n.° 3 do artigo 28." do Estatuto dos Deputados.

Na alínea a) em referência comete-se expressamente à Comissão Parlamentar de Ética a verificação dos casos de impedimento e a instrução do respectivo processo. O que se compreende por si: a mesma Comissão é que dispõe das informações, conhecimentos e factos relevantes para o efeito, pelo seu total acesso às declarações de interesses, por lhe caber, apreciar a eventual existência de conflitos, levantar os impedimentos referidos na alínea c) do n.° 2 do artigo 21.°, questionar e inquirir os Deputados a respeito de. qualquer anomalia notada e deles exigir as informações complementares que julgar necessárias. A Comissão Parlamentar de Ética reúne, pois, as condições — e só ela as reúne — para ser o juiz — talvez seja expressivo dizer

desta maneira — da matéria de facto relevante para a declaração de perda de mandato pelas causas referidas no artigo 21.° do E%tatuto dos Deputados.

Nestes termos, o círculo de acção demarcado pela verificação e instrução do processo [alínea a) do n.° 3 do artigo 28.°] deve ser entendido como reserva própria da competência da Comissão Parlamentar de Ética. Além de ser esta a interpretação natural dos dizeres da lei («compete à CPE verificar os casos [...]»), o admitir-se aqui uma competência paralela ou concorrente da 1." Comissão conduziria inevitavelmente disfunções: nem a 1." Comissão dispõe de informações bastantes nem o concurso de competências no apuramento dos factos favoreceria a transparência e moralização na vida parlamentar.

7 — A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias tomará, na consideração da situação do Sr. Deputado Henrique Neto, como dados inquestionáveis os factos que constam do capítulo i do parecer n.° 14/96 da Comissão Parlamentar de Etica —justamente intitulado «Situação de facto» — designadamente:

Em primeiro lugar, as sociedades de que Henrique Neto é accionista, a percentagem das respectivas participações, os cargos sociais que ocupa, etc;

Em segundo lugar, as várias sociedades em que tem participação e se acham ligadas por contratos ao Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento (IAPMEI), no âmbito do Estatuto dos Deputados — uns em execução, outros em vias de aprovação (Decreto-Lei n.°. 177/94, de 27 de Junho);

Em terceiro lugar, as sociedades participadas pelo Sr. Deputado Henrique Neto que, como entidades promotoras, recebem, ou pretendem receber, do Fundo Social Europeu apoios ao emprego e à formação profissional.

Eis matéria da competência'própria.e exclusiva, da Comissão Parlamentar de Ética que a 1." Comissão não pode invadir e cujos resultados há-de adiante escrupulosamente respeitar.

8 — Por último, no tratamento da questão prévia, resta acentuar um aspecto já afirmado ou implícito em alguns passos anteriores, mas que há toda a vantagem em deixar, desde já, meridianamente claro.

A decisão constante do despacho de S. Ex.° o Presidente da Assembleia da República de 18 de Agosto de 1996 de colher o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias antes de proceder à eventual declaração da perda do mandato do Sr. Deputado Henrique Neto não é uma decisão facultativa ou discricionária; é, antes, uma decisão devida ou vinculada. Ela resulta de um imperativo não só expresso no n.° 5 do artigo 8." do Estatuto dos Deputados e no n.° 3 do artigo 4.° do Regimento da Assembleia da República como decorrente de exigências inerentes aos princípios da justiça e da imparcialidade nas decisões susceptíveis de contenderem com direitos fundamentais do destinatário. O Presidente da Assembleia da República apenas cumpriu, em suma, normas de direito estrito que integram a ordem democrática e parlamentar vigente.

III

9 — A fim de se ganhar a perspectiva de.conjunto indispensável à apreciação jurídica da situação de impedimento que é' objecto do parecer n.° 14/96 da Comissão