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II SÉRIE -C — NÚMERO 1

Parlamentar de Ética, é útil tomar em conta as três consi-derações preliminares de que tratam as alíneas seguintes:

a) O sistema de transparência e moralização, adoptado pela Lei n.° 94/95, compõe-se de dois vectores materiais — os impedimentos (artigos 21." e 21.°-A) e o registo de interesses (capítulo iv) —, para além do vector organizacional, polarizado na Comissão Parlamentar de Ética.

Os impedimentos e o registo de interesses são estrutural e funcionalmente autónomos entre si — como nos diz a razão e resulta da letra e sistematização do Estatuto dos Deputados e dos trabalhos preparatórios na respectiva Comissão Eventual. O facto de as actividades economicamente relevantes e os interesses susceptíveis de influenciarem as tomadas de decisão de cada Deputado serem conhecidos, ou cognoscíveis para os seus pares e o público em geral, através da. criação de uma espécie de «arquivo aberto pessoal» acessível a todos, é, só por si, um poderoso factor de transparência e moralização parlamentar. Por isso, na Comissão Eventual, disseram, com razão, dois Deputados: «Não devemos confundir incompatibilidades com registo de interesses» (acta n.° 6, p. 274); «[...] a transparência pode obviar a bastantes desses perigos e transparência é, sobretudo, permitir que se veja o que se faz, mais do que estar a bloquear ou impedir» (id., p. 277).

Em virtude desta autonomia entre registo de interesses e incompatibilidades, não é consistente interpretar a alínea a) do n.° 3 do artigo 21.°. do Estatuto dos Deputados, pertencente às incompatibilidades, a partir da alínea c) do n." 3 do artigo 26.° do Estatuto dos Deputados, integrada no registo de interesses. Se nesta alínea do artigo 26." se mandam inscrever no registo de interesses os «apoios ou benefícios financeiros ou materiais recebidos para o exercício das actividades» (públicas ou privadas, comerciais, empresariais ou de profissão liberal) do Deputado, não pode .validamente concluir-se que os contratos vedados aos Deputados pela alínea a) do n.° 3 do artigo 21.° do Estatuto dos. Deputados são, exactamente, os que «se traduzem no recebimento de apoios ou benefícios financeiros ou materiais para o exercício das respectivas actividades».

E, no entanto, é o que confessadamente se faz nos primeiros três parágrafos do capítulo h («Enquadramento jurídico») do parecer n.° 14/96 (p. 3). Tal incumbência, como se verá, vai i.iquinar o essencial das conclusões do parecer [ver infra, especialmente alínea c) do n.° 10];

b) As inelegibilidades, as incompatibilidades e ós impedimentos afectam o direito fundamental de acesso aos,

. e de exercício dos, cargos electivos consagrado no artigo 50." da CRP (integrado nó capítulo dos direitos, liberdades e garantias de participação política).

A limitação deste direito fundamental consentida pela Constituição está, em geral, explicitada no n.° 3 deste artigo:

A lei só pode estabelecer as inelegibilidades necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respectivos cargos.

O artigo 153.° da CRP, relativamente à capacidade eleitoral passiva para a Assembleia da República, admite restrições «por virtude de incompatibilidades locais ou de exercício de certos cargos» e devolve à lei a competência para as determinar em particular (artigo 157.° da CRP).

Quer isto dizer que as restrições ao direito de ser eleito para a Assembleia da República, e de exercer o respectivo mandato, se hão-de destinar ou a garantir a liberdade de escolha dos eleitores, ou a assegurar a isenção e inde-

pendência no exercício do mandato ou. a isenção e independência no exercício de outro cargo público. Fora disso, vale como regra a liberdade de acumulação do mandato com quaisquer actividades privadas. É o que se infere dos textos constitucionais citados e ainda do confronto entre o n.° 4 e o n.° 5 do artigo 269.° da CRP.

Aliás, apesar dos argumentos produzidos durante o seu processo de elaboração no sentido de se consagrar o princípio da exclusividade do mandato (v. não só os projectos de lei então apresentados como as actas das reuniões da Comissão Eventual, especialmente a acta n.° 6), a Lei n.° 24/95 manteve o princípio constitucional da liberdade do Deputado para exercer quaisquer actividades não declaradas incompatíveis pela lei (cf. n.° 1 do artigo 21.° do Estatuto dos Deputados);

c) Por conseguinte, o quadro constitucional em que se há-de mover o legislador ao estabelecer as inelegibilidades, incompatibilidades e impedimentos no espaço da Assembleia da República assenta na liberdade de exercício de quaisquer actividades privadas e na possibilidade de restrições baseadas na liberdade de escolha dos eleitores ou na isenção e independência do mandato de Deputado ou de outro cargo que o Deputado pretenda exercer. Estes são os valores, princípios e critérios que devem estruturar a pré-compreensão (Vorverstandnis) do legislador ao fazer a lei e daquele que a interpreta e' aplica depois.

Neste contexto, o que está escrito no parecer n.° 14/96 sobre «os fins e valores que a Lei n.° 24/95 pretendeu acautelar» (pp. 9 seguintes) é, em boa parte, dissonante da ortodoxia constitucional. Por exemplo: não será hermeneuticamente correcto interpretar a Lei n.° 24/95 como se os legisladores inscrevessem os Deputados num tipo moral e cívico tão frágil e indigno que seria mister «evitar que ele, no exercício de qualquer actividade, se cruze com dinheiros públicos». É isto o que se lê na alínea c) da p. 10 do parecer ...

Uma suposição destas, em conclusão, se condiz com a cultura antiparlamentarista, dominante no continente europeu na década de 30, é, de todo em todo, inadequada, senão intolerável, à luz da cultura democrática de qualquer tempo e lugar.

IV

10 — E eis, finalmente, o pomo da discórdia: de acordo com a Comissão Parlamentar de Ética, o Deputado Henrique Neto acha-se numa situação contrária à proibição nos termos da qual «é vedado aos Deputados, no exercício de actividades de comércio ou indústria, por si ou entidade em que detenham participação, celebrar contratos com o Estado e outras pessoas colectivas de direito público» [n.° 3, alínea a), primeira parte do artigo 21.° do Estatuto dos Deputados].

a) A fórmula legal de 1995. é, em larga medida, coincidente com a da Lei n.° 7/93, de 1 de Março. Também aí se estabelecia que «é vedado aos Deputados, no exercício de actividades de comércio ou indústria, participar em contrato com o Estado e outras pessoas colectivas de direito público». A única diferença está em que agora a incompatibilidade em causa (tenha ela o alcance que tiver) já não resulta só da actividade de comércio ou indústria directamente exercida pelo Deputado; resulta também da actividade realizada através de entidade em que aquele tenha participação.

b) O Parecer omite qualquer tentativa de dilucidação do conceito «entidade», introduzido pela lei de 1995. E isso era necessário para a determinação do alcance normativo (Normsbereich) do preceito em causa.