19 DE OUTUBRO DE 1996
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Que realidades estão aí incluídas: só as organizações económicas que satisfazem as características do conceito de empresa — hoje compendiado no artigo 2.° do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (Decreto-Lei n.° 132/93, de 23 de Abril): «Toda e quaíquer organização de factores de produção destinada ao exercício de qualquer actividade agrícola, comercial ou industrial ou de prestação de serviços»? Só estas organizações, ou também outras como, por exemplo, os entes culturais (v. g., universidades privadas, sociedades científicas, etc.) e as instituições privadas de solidariedade social (v. g., associações de socorros mútuos, irmandades, misericórdias). É que os Deputados também podem participar nestas instituições, como associados, como irmãos ou confrades; e, por outro lado, é vocação de muitas delas celebrar «acordos de cooperação» (artigo 4.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 132/93) com os centros de segurança social, com vista à obtenção de qualquer dos apoios previstos no artigo 1.° do mesmo diploma. Ora, o Deputado solidário, irmão ou associado incorrerá numa situação de impedimento, subsumível na alínea a) do n.° 3 do artigo 21.° do Estatuto dos Deputados, se a sua entidade fizer qualquer contrato com o Estado?
c) Por outro lado, «contrato» vale aqui como todo e qualquer acordo de vontades entre o Deputado (ou entidade em que participa) e o Estado (ou qualquer pessoa colectiva de direito público), independentemente do seu objecto? Ou é só o acordo celebrado «no exercício de actividades de comércio ou indústria» e, portanto, através do qual se prestam actividades de comércio óu indústria entre Deputado e ente de direito público?
A fórmula legal, correspondente à alínea a) do n.° 3 do artigo 21.° do Estatuto dos Deputados, foi tradicionalmente entendida no sentido restritivo acima referido por último. É este o entendimento que aflora nos trabalhos preparatórios da Lei n.° 24/95. Disse um Sr. Deputado:
[...] em actividades de comércio e indústria, impedindo não só que eles [os Deputados] façam negociações com o Estado [...] mas ainda com sociedades de capitais maioritária ou exclusivamente públicos [...] [Acta n.° 7, p. 690.]
O parecer n.° 14/96 deixou de lado toda esta problemática porque interpretou a alínea a) do n.° 3 do artigo 21.° do Estatuto dos Deputados com base na alínea c) do n.° 3 do artigo 26.° Por esta via pôde inferir, sem mais, que no primeiro preceito se compreenderiam todos e quaisquer acordos por meio dos quais o Deputado (ou entidade em que participa) obtivesse da mão pública «apoios ou benefícios financeiros ou materiais recebidos para exercício» das suas actividades, o que é, de todo, estranho ao vector do sistema referente a incompaübilidades.
d) Na linha do parecer da Comissão Parlamentar de Ética teríamos de concluir que contrato, para efeito da alínea c) do n.° 3 do artigo 21° do Estatuto dos Deputados, será sempre, também, qualquer acordo pelo qual o co--contratante recebe do Estado (ou de outra pessoa colectiva de direito público) apoios especificamente destinados à consecução de fins de interesse público como tais definidos pela lei. Além dos contratos no âmbito do PEDIP (Decreto--Lei n.° 177/94 e diplomas complementares) que o Sr. Deputado Henrique Neto vem celebrando, também calham com tal figurino os contratos no domínio do Programa de Apoio à Modernização Agrícola e Florestal (PAMAF), celebrados entre os beneficiários e o Instituto Financeiro de Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas (IFADAP) (artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 150/94, de 25 de
Maio). O mesmo se diga ainda dos já referidos «acordos de cooperação» entre os centros de segurança social e as instituições privadas de solidariedade social.
e) O parecer inclui na categoria dos contratos vedados aos Deputados simples projectos ou intenções de contratar! Lê-se na p. 8:
As empresas de que é administrador ou gerente o Sr. Deputado Henrique Neto têm pendentes pedidos de contrato no âmbito do PEDIP, que aguardam aprovação do IAPMEI, e ... tencionam candidatar-se, no futuro, a novos apoios.
Em virtude de se ter apurado já tal matéria de facto, a Comissão Parlamentar de Ética dispensou-se de entrar no exame da «questão particularmente complexa :.. de delimitar com rigor o âmbito de aplicação temporal da Lei n.° 24/95, no caso de contratos de execução continuada».
Quer dizer: aqueles projectos e intenções de contratar, só por si, bastariam para que o Deputado em causa tivesse incorrido na violação da proibição constante da alínea a) do n.° 3 do artigo 21.°...
11 — O resultado prático da interpretação da alínea a) do n.° 3 do artigo 21.° do Estatuto dos Deputados mostra, por uma espécie de reductio ad absurdum, a insusten-tabilidade da posição adoptada pela Comissão Parlamentar de Ética no parecer n.° 14/96. Referimo-nos à discrepância de tratamento quanto aos apoios concedidos no âmbito do PEDIP e quanto aos apoios dados pelo Fundo Social Europeu (FSE) — os primeiros estariam vedados aos Deputados, os segundos, ao contrário, ser-lhes-iam permitidos sem risco de perda' do mandato ...
Para chegar a conclusão tão surpreendente, o parecer dedica considerável espaço à determinação da natureza da relação entre o IAPMEI e as entidades beneficiárias dos incentivos do PEDIP, as quais podem ser, note-se, «empresas industriais e outras entidades com ou .sem fim lucrativo» (Decreto-Lei n.° 177/94, artigo 4.°, n.° 1). A verdade é que o artigo 14° deste diploma legal é que exige que a concessão dos incentivos seja, neste domínio, formalizada através de um contrato entre o IAPMEI e a entidade promotora.
Mas o parecer esqueceu-se de ponderar a natureza da relação entre a «entidade gestora» [v. g., o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP)] e a «entidade promotora» (v. g., uma empresa) no âmbito dos apoios do FSE. E teria sido importante que este lado das coisas tivesse sido considerado.
É verdade que a qualificação legal de uma relação contratual não nos permite concluir com segurança que essa é a verdadeira natureza da relação. Mas a inversa também é verdadeira: uma relação não expressamente qualificada pela lei como contratual pode ter, afinal, natureza contratual.
O certo é que o artigo 15.°, n.° 1, do Decreto Regulamentar n.° 15/94, de 6 de Julho, reserva à entidade promotora a iniciativa para o apoio a acções de formação. Decidido o pedido pela entidade gestora, a entidade promotora será notificada para dizer, dentro de certo prazo, se aceita a decisão de aprovação do seu pedido. Sem o termo de aceitação, o pedido será arquivado (cf. os artigos 17.° e 18.° do referido decreto regulamentar).
Como se vê, a relação entre.a entidade promotora e a entidade gestora não se configura como uma relação tipicamente unilateral. Ela constitui-se através de duas declarações de vontade, a segunda das quais é denominada pelo próprio preceito regulador de aceitação — a designação que, na teoria geral do direito, corresponde à segunda declaração de vontade integrante dos negócios jurídicos bilaterais. Através àe)a o segundo contratante anui à oferta