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II SÉRIE -C — NÚMERO 1
ou proposta, tornando-se perfeito o contrato (M. D. Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Coimbra, 1960, vol. n, p. 39).
Seria, por isso, inteiramente pertinente que o parecer, na lógica que seguiu, perguntasse: estaremos no âmbito do FSE perante um «acto administrativo carecido de colaboração» (como se dizia) ou «acto administrativo de múltiplos graus» (como se diz hoje) ou, antes, perante um contrato (administrativo)?
A resposta talvez tivesse evitado a discrepância de tratamento, absolutamente incompreensível, a que a Comissão Parlamentar de Ética chegou: o Deputado A recebe apoios do FSE e com isto não viola a proibição constante da alínea a) do n.° 3 do artigo 21.° do Estatuto dos Deputados; o Deputado B recebe subvenções do IAPMEI e só por isto incorre numa situação de impedimento proibida pelo mesmo preceito e susceptível de levar à perda do mandato!
12 — O sistema de transparência e de moralização da vida parlamentar, reformulado pela Lei n.° 24/95, de 18 de Agosto, talvez precise de ser reapreciado em sede legislativa, com vista à sua clarificação, ao seu melhor ordenamento e ao expurgo de certas incongruências e anomalias de que sofre. Por exemplo: permite aos Deputados, sem mais, servir como peritos ou árbitros em qualquer processo, se nada receberem por isso [alínea b), in fine, do n.° 2 do artigo 21.° do Estatuto dos Deputados], ao passo que o n.° 1 do artigo 161.° da CRP lhes proíbe exercer tais ofícios, mesmo a titulo gratuito, sem autorização da Assembleia da República. Eis uma inconstitucionalidade do Estatuto dos Deputados, entre outras, que importa corrigir.
Por outro lado, a Comissão Parlamentar de Ética deve merecer mais atenção por parte da própria Assembleia da República, quer no que respeita à regulamentação do respectivo funcionamento e actividade, quer no que toca aos meios humanos e materiais de que precisa. Para realizar este objectivo talvez seja bastante que a Comissão Parlamentar de Ética elabore um projecto de deliberação do Plenário com todas as regras necessárias ou, então, um projecto de alteração ao Regimento, para aí se incluir um capítulo sobre a Comissão Parlamentar de Ética.
Trata-se de criar ou garantir condições que, ao fim e ao cabo, assegurem à Comissão Parlamentar de Ética e ao sistema de transparência e moralização, que a ela incumbe dinamizar, a possibilidade de cumprir efectivamente a esperança que neles depositaram os legisladores em 1995. Termino citando palavras de dois destes legisladores:
Perante a dificuldade de estabelecer balizas, aponta-se a ideia e o princípio [...] e deixa-se a uma comissão ética, portanto, ao próprio Parlamento, a capacidade de apreciar-a situação e de decidir [...] Esta norma tem suficiente flexibilidade para, apontando o caminho correcto, não levar ao extremo de impor incompatibilidades que, de todo em todo, não se justifica [...] [Acta n." 6, p. 279.]
Que a Comissão de Ética seja [...] uma Comissão de verdadeira magistratura de opinião e influência [...], cujas deliberações e decisões sejam respeitadas no País [...] [Diário da Assembleia da República, 1.' série, VI Legislatura, p. 2750.]
Conclusão
Perante os factos averiguados pela Comissão Parlamentar de Ética e apresentados na comunicação a S. Ex." o Sr. Presidente da Assembleia da República, e face à interpretação, apoiada nos elementos histórico, racional e sistemático, da alínea a) do n.° 3 do artigo 21.° do Estatuto dos Deputados, a Comissão de Assuntos Constitucionais,
Direitos, Liberdades e Garantias é de parecer que não está verificada a situação de impedimento prevista no preceito em referência, relativamente ao Sr. Deputado Henrique José de Sousa Neto. Por isso, a Mesa não poderá declarar, com base nos factos comunicados, a perda do mandato em que o mesmo 'Sr. Deputado está investido.
Assembleia da República, 9 de Outubro de 1996. — O Deputado Relator, Barbosa de Melo. — O Deputado Presidente, Alberto Martins.
Nota. — O parecer foi aprovado com votos a favor do PS e do PSD e votos contra do PP, do PCP e dos Deputados Mário Videira Lopes (PS) e Correia de Jesus (PSD).
A conclusão foi aprovada com votos a favor do PS e do. PSD e votos contra do PP, do PCP e dos Deputados Mário Videira Lopes e Strecht Ribeiro (PS) e Correia de Jesus (PSD).
ANEXO
Declaração de voto do Deputado do PS Mário Videira Lopes
0 parecer- elaborado pelo Sr.* Deputado Barbosa de Melo, no âmbito da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre a proposta de perda do mandato do Sr. Deputado Henrique Neto, formulada anteriormente pela Comissão de Ética, em meu entender molda toda a argumentação fundamentadora a uma conclusão que, logo à partida, se terá definido como desejada.
Pese embora a eloquência que perpassa a abordagem de todos os problemas equacionados neste parecer, ainda em meu entender a consistência dos respectivos argumentos é pura ilusão.
Senão, vejamos:
1 — Antes de surgir a famigerada Lei n.° 24/95, de 18 de Agosto, já o Estatuto dos Deputados, aprovado pela Lei n.° 7/93, de 1 de Março, previa expressamente, no seu artigo 21.°, diversas situações aí configuradas como «impedimentos», ou seja, diversos casos em que os Srs. Deputados poderiam ver-se envolvidos ou ter interesse nas suas actividades privadas e que lhes interditavam o exercício do mandato nesta Assembleia da República.
Mas, para além desses «impedimentos», muitas outras situações eram já igualmente previstas no mesmo Estatuto dos Deputados sob a designação genérica de «incompatibilidades» (artigo 20.°), que tinham a ver com a proibição do exercício simultâneo do mandato de Deputado e dos cargos públicos aí enunciados, e outras ainda sob a designação de «incapacidades» resultantes da lei ordinária (artigo 8.°).
Para todas elas (impedimentos, incompatibilidades e incapacidades) o Estatuto dos Deputados cominava uma sanção específica: Deputado em relação ao qual fosse, verificada, pela Assembleia da República, qualquer dessas situações perdia o mandato (artigo 8.°, n." 1 e 5).
Sobre estas matérias estava expressamente atribuída à Comissão Parlamentar de Regimento e Mandatos a competência para instruir os processos de perda de mandato e emitir parecer sobre a perda do mandato [artigo 38.°, alíneas d) e c), do Regimento da Assembleia da República, que foi aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.° 4/93, publicada no Diário da República, de 21 de Março de 1993].
Este Regimento surgiu, pois, na mesma época que o Estatuto dos Deputados, sendo evidente que ambos se completavam reciprocamente em múltiplos aspectos.