0497 | II Série C - Número 041 | 09 de Maio de 2003
Caros Colegas Presidentes, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Para se tornar eficaz e viável, o alargamento da União pressupõe uma reforma institucional, mas não é a única razão de ser dela. A reforma é necessária para colmatar o défice democrático europeu, para tornar mais eficaz a gestão dos problemas, para evitar o bloqueio do projecto por força do desinteresse e alheamento, quando não mesmo da indignação e da revolta dos cidadãos, face a um poder longínquo, desencarnado e dominador, obnubilado pela burocracia e pela tecnocracia.
Foi já com base neste dilema da legitimidade democrática, que na declaração de Laeken sobre o futuro da União Europeia se equacionou o papel dos parlamentos nacionais sob a perspectiva de estes virem a estar representados numa nova instância comunitária ou se deveriam ter, simplesmente, novas responsabilidades em áreas comuns da competência do Parlamento Europeu.
Esta dúvida deverá encontrar na Convenção sobre o Futuro da Europa uma solução adequada que valorize o papel dos parlamentos nacionais no combate ao deficit democrático.
Nesta matéria, sou particular adepto do princípio da subsidiariedade e frontalmente contra a criação de uma segunda Câmara legislativa, paralela ao Parlamento Europeu. O seu papel afigura-se-me reduzido, limitando-se à duplicação da função do actual Conselho de Ministros em matéria de elaboração da legislação comunitária, cuja iniciativa os tratados incumbem à Comissão.
Representante dos Estados-membros no seio da União Europeia é, por agora, do ponto de vista institucional, o Conselho de Ministros. A criação de um Senado representando todos os Estados-membros por igual, num órgão que permita fazer o balanceamento dos interesses comunitários com os interesses nacionais, parece-me mais problemática que eficaz.
A criação do Senado Europeu viria introduzir maior complexidade ainda num processo decisório considerado pelos cidadãos e pelas cidadãs como sendo algum tanto opaco. No domínio legislativo são cada vez mais demorados os procedimentos, tantas são as entidades com direito a dar parecer. As exigências reforçadas quanto à co-decisão, envolvendo o Parlamento Europeu e o Conselho de Ministros, tornaram há algum tempo tudo mais difícil. Por outro lado, erguem-se, um pouco por toda a parte, vozes de protesto contra o regulamentarismo europeu, acusado de, segregando a tecnocracia dos eurocratas de Bruxelas, funcionar como uma rasoira cerceadora das especificidades nacionais e regionais, invadindo assim a competência dos respectivos órgãos legislativos, que dela se vêem expropriados sem qualquer razão útil. Um Senado Europeu ajudaria a travar essas tendências? Em tal caso, seria bem-vindo; mas é de duvidar que pudesse vir a ter tamanha eficácia.
Para muitos, o debate sobre o futuro da União Europeia abrange sobretudo os aspectos institucionais: os órgãos a estabelecer, a distribuição de competências, os seus modos de funcionamento… É um debate sobre o poder! E não consegue, por isso, esconder, se é que o tenta minimamente, as apreensões, as suspeitas, os receios dos pequenos face aos grandes e, talvez mais ainda, destes face aos primeiros, que tendem a ser em maior número, com o alargamento já decidido e em marcha, e têm interesses convergentes, dados os desníveis de desenvolvimento que padecem em relação às médias da União Europeia.
A reforma institucional é, sem dúvida, muito importante; mas o alargamento e as condições para o seu sucesso são-no ainda muito mais. Nesta nossa reunião faremos certamente interessantes reflexões sobre esta matéria.
Minhas Senhoras e Meus Senhores: A importância dos parlamentos nacionais no futuro quadro institucional da União Europeia deve ser preservada e reforçada.
É evidente o desconforto dos parlamentos nacionais perante o processo de construção europeia. Cumprida a tarefa essencial de aprovar os tratados, abrindo o caminho para a sua ratificação, parece que tudo o resto, subsequente, lhes escapa das mãos e passa a decorrer noutra órbita diferente…
O pior é que nas altitudes europeias a democracia, nos seus procedimentos usuais, captáveis pelos cidadãos e pelas cidadãs, se torna rarefeita. Daí que o fosso de cidadania e de participação tenha vindo a alargar-se um pouco por toda a parte, tornando-se cada vez mais sensível um défice democrático, que enfraquece a adesão cívica à União Europeia e, consequentemente, as instituições dela.
Mercê de várias razões, uma ampla faixa de cidadãos não se encontra motivada para intervir politicamente, através do voto, quanto aos problemas europeus. E no entanto, a própria dinâmica da integração tem vindo a transferir questões cada vez mais importantes para um nível de decisão comunitário. O pior é que vão aumentando as queixas pela correspondente diminuição do controle democrático, da competência dos parlamentos nacionais, enquanto se alarga a influência de uma tecnocracia sem rosto, hábil em preparar soluções tomadas à pressa em reuniões ministeriais e cimeiras, de grande repercussão mediática, onde todos os participantes têm de cantar vitória.
Ora um tal estado de coisas assume particular gravidade na difícil e perigosa fase em curso de fortalecimento da dimensão política da União, que pretende consolidar-se na área da justiça e da segurança interna e assumir mesmo um papel nos domínios da defesa e da política externa.
No funcionamento dos nossos regimes democráticos nacionais o Parlamento tem uma função legitimadora insubstituível. A ele cabe fazer as leis e aprovar os tratados que sejam fonte de direito internacional; é ele também que investe o Governo, lhe aprova o orçamento e fiscaliza a sua actuação.
O Parlamento Europeu foi concebido como o órgão democrático representativo dos povos da União; a eleição dos seus membros por sufrágio directo fortaleceu este conceito. Mas algumas das competências parlamentares fundamentais não lhe estão atribuídas senão desde há pouco tempo e mesmo assim em termos limitados (co-decisão em matéria legislativa, controle democrático do executivo comunitário). E o facto de os governos nacionais manterem no domínio inter-governamental a cooperação em matéria de política externa e de segurança comum, teve por efeito afastar o Parlamento Europeu de algumas das questões de maior visibilidade, esvaziando o espaço público europeu.
Em nome da transparência e da democraticidade do processo de construção europeia, muito mais do que sobrecarregar com novos órgãos a estrutura institucional da União, importa reforçar a participação nele dos parlamentos nacionais - e através dos mesmos, como seus representantes legítimos, dos cidadãos e das cidadãs de cada um dos nossos países.
Pronuncio-me, por isso, claramente, a favor do reforço dos mecanismos existentes e no sentido de se aperfeiçoar o seu funcionamento, não só no seio de cada parlamento