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15 DE NOVEMBRO DE 2024

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No entanto, da lista de documentação solicitada pelos grupos parlamentares não constam notas pessoais,

esboços, apontamentos, comunicações eletrónicas pessoais e outros registos de natureza semelhante,

de modo a convocar-se a exclusão prevista na Lei n.º º 26/2016, de 22 de agosto, uma vez que a sua

solicitação vem enquadrada no âmbito estritamente institucional.

No entanto, poderá efetivamente defender-se que o correio eletrónico e as mensagens trocadas por

telemóvel ou através de equipamentos afins se encontram excluídos do acesso a documentos administrativos

[alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto], por se encontrarem sob uma proteção

qualificada dos dados (artigo 35.º, n.º 4, da Constituição) e da reserva da intimidade da vida privada e familiar

(artigo 26.º, n.º 1) – especialmente se considerarmos que o conceito de correspondência eletrónica, por via da

uniformização jurisprudencial levada a cabo pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 10/2023, de 11

de outubro, deixou de se encontrar limitado pelo valor informativo ao destinatário (correspondência in itinere,

alinhada com o artigo 194.º do Código Penal).

Nessa medida, parece-nos relevante convocar as conclusões do Parecer n.º 23/2004, do Conselho

Consultivo2, por nós homologado, onde se concluiu que, com vista a obter o acesso a este tipo de

documentos eletrónicos ou digitais em sistemas informáticos, não pode o inquérito parlamentar adotar a

injunção prevista no n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro (Lei do Cibercrime) – sob

punição por desobediência – e obrigar quem tiver disponibilidade sobre esses dados a facultar-lhos.

Não obstante as comissões parlamentares de inquérito disporem dos poderes de autoridade judicial não

constitucionalmente reservados ao juiz (n.º 1 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares)

e de o juiz, uma vez aberta a instrução, poder praticar tal injunção, este meio processual penal mostra-se

incompatível com o inquérito parlamentar. Incompatibilidade que assoma no n.º 5 do artigo 14.º da Lei do

Cibercrime, ao impedir que a injunção vise o arguido ou o simples suspeito, pois o inquérito parlamentar ignora

tais estatutos e nem sequer identifica os visados, de modo a reconhecer-lhes a garantia «nemo tenetur se ipsu

accusare» que o legislador processual penal tem em vista no referido preceito.

Ao que acresce tratar-se de matéria sob reserva de processo criminal, como decorre do n.º 4 do artigo 34.º

da Constituição e do n.º 1 do artigo 11.º da Lei do Cibercrime, que o reflete, ao determinar que as disposições

processuais penais do artigo 14.º e seguintes têm como pressuposto a investigação de um crime.

E, não prevendo o Código de Processo Penal a injunção para entrega de informações ou documentos,

cumpre ao inquérito parlamentar recorrer aos poderes inquisitórios do juiz cível, consignados pelo artigo

417.º do Código de Processo Civil.

O dever geral de cooperação para a descoberta da verdade, consignado pelo Código de Processo Civil,

faculta ao destinatário a possibilidade de recusar legitimamente o cumprimento se este implicar

intromissão na sua vida privada ou familiar, na correspondência ou nas telecomunicações, mas

também lhe faculta a possibilidade de cooperar, consentindo de forma livre e esclarecida.

Ao contrário do Código de Processo Penal, focado na proteção de várias categorias de segredo, o Código

de Processo Civil ressalva, de imediato, a vida privada ou familiar, cuja lesão possa resultar do acesso ao

conteúdo de documentos, administrativos ou não, revelando-se muito mais próximo das ingerências restritivas

compatíveis com o inquérito parlamentar e a descoberta da verdade para fins de responsabilidade política, em

face dos direitos, liberdades e garantias pessoais.

A recusa legítima de colaboração, prevista na alínea b) do n.º 3 do artigo 417.º do Código de Processo

Civil, permite ao destinatário da requisição de informações ou documentos pessoais não a satisfazer se

tal implicar uma intromissão na sua vida privada ou familiar, no seu domicílio, na correspondência ou

nas telecomunicações, o que deve levar a comissão parlamentar de inquérito, nos termos e para os

efeitos previstos no n.º 7 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, a cancelar a

diligência.

Como tal, a intimação, em inquérito parlamentar, para prestar informações ou o acesso a

documentos nominativos, nomeadamente quando incluam dados de saúde ou outros dados sensíveis,

notas pessoais, esboços, apontamentos, comunicações eletrónicas pessoais e outros registos de

natureza semelhante, qualquer que seja o seu suporte, deve fazer expressa menção à legitimidade da

recusa, fundada no artigo 417.º, n.º 3, alínea b), do CPC, sem o que tal intimação não pode considerar-

se uma ordem legítima, para efeitos do disposto no artigo 348.º do Código Penal.

2 Disponível em https://www.ministeriopublico.pt/pareceres-pgr/9466.