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68 II SÉRIE - NÚMERO 5-RC

sabemos que assim é e sempre foi unanimemente interpretado; sabemos que outra não 6 a razão da norma; sabemos que essa é não só a vontade do legislador constituinte, mas a vontade da própria lei constitucional.

Todavia, esta pode não ser a única interpretação literal. Não é seguro que um dia algum hermeneuta, quer actualista quer formalista, não produza exegese restritiva do preceito. E não podemos sequer garantir que em tal exegese se não invoque, contrariamente ao que sabemos ser a vontade da lei, o artigo 41.° para sustentar que o interesse protegido é apenas o que materializa em "convicções e práticas religiosas", sem idêntica salvaguarda de convicções e práticas não religiosas ou anti-religiosas. De facto, não ser religioso ou ser anti-religioso é direito tão fundamental das pessoas como ser religioso.

A questão pode hoje parecer bizarra, pretensiosa, quiçá filosófica. Pode até ofender o senso jurídico da nossa contemporaneidade. Pode afigurar-se irrelevante ou até impossível, pressupostas que sejam singelas exigências de lisura intelectual. E, todavia..., todos lemos notícia da frequente tentação de, com fundamento em mera correlação de forças, incorrer no que o Sr. Deputado Adriano Moreira gosta de chamar "normas semânticas". Até porque não é certo que o senso jurídico dos nossos descendentes seja idêntico ao nosso, nem que os nossos critérios de lisura intelectual se tornem definitivos e irreversíveis.

Pode, por exemplo, ocorrer que o conceito de liberdade religiosa volte a ser entendido apenas como ausência de coacção e não como ausência de discriminação, como ainda o era na letra da declaração Dignitatis Ilumanae, do Concílio Vaticano II (1965). Pode, por exemplo, acontecer que um germe de mudança hermenêutica flua do Decreto-Lei n.º 323/83, de 5 de Julho, e da Portaria n.º 831/87, de 16 de Outubro, do actual Ministro da Educação.

Aliás, em rigoroso ensaio de exegese constitucional, um especialista tão autorizado e conhecedor da matéria como o padre Amónio Leite declara explicitamente que "o estado [...] deve ser respeitador e até favorecedor da vida religiosa dos cidadãos". Respeitar a vida religiosa dos cidadãos é obviamente dever do Estado. Não se entende, todavia, como possa favorecê-la sem necessariamente desfavorecer análogo valor da vida de outros cidadãos. O tema merece reflexão, mesmo que se não atribua qualquer alcance jurídico, mas unicamente ideológico, à afirmação subsequente de que "o Estado deve ser vitalmente cristão, ainda que não oficialmente confessional" (Estudos sobre a Constituição, vol. II, pp. 302-303, Lisboa, 1978).

Pode, em suma, voltar a pensar-se, e independentemente de qualquer adesão a uma precisa religião positiva ou sequer a uma precisa religião natural, que, na ordem axiológica da nação portuguesa, ser religioso é mais do que não ser religioso ou ser anti-religioso. Porque não queremos que tal seja algum dia o pensamento interpretativo de um tribunal ou a vontade de um legislador, temos agora oportunidade de deixar consignado no texto constitucional que ninguém será privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever por motivo de religião ou atitude perante a religião. Pormenorizada como é, a Constituição acolherá, sem incoerência de estilo, tão concisa precisão. Diversa não é a razão de ser da proposta de aditamento que apresentei ao artigo 13.º da Constituição.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, o meu pedido de esclarecimento vai no sentido de saber, não colocando em causa o bem fundado da intervenção que o Sr. Deputado acaba de fazer, o que é que, no entendimento de V. Exas., esta nova formulação acrescenta no campo pragmático dos direitos fundamentais que a Constituição ainda não garanta. Convinha, pois, antes de outras considerações que eventualmente se façam, que ficasse claro o que é que de útil pode trazer esta nova formulação.

De facto, em relação à expressão "estado civil", e independentemente das posições que venhamos a tomar, verificamos que ela tem um conteúdo útil, pois desse modo a norma acrescenta algo, traz novidade e o ordenamento jurídico fica mais rico.

Entretanto, com essa outra formulação, permito-me perguntar-lhe de novo em que é que a ordem jurídica, independentemente das questões de estilo e de palavras, no aspecto da espessura dos direitos das pessoas em razão da religião, resulta enriquecida.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado Costa Andrade, a pergunta é, de facto, muito pertinente.

O que procurei dizer na minha intervenção foi que esta proposta nada acrescenta do ponto de vista normativo, apenas clarifica o que está já adquirido. Esta é hoje a interpretação unânime.

Na verdade, o que a nova formulação desautoriza é a eventualidade de, em futuras interpretações, ser dado entendimento restritivo. Foi por isso que tomei a liberdade de citar, a título de exemplo, alguns factos que poderão indiciar a adopção futura e eventual de uma interpretação restritiva.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, nas conversas que efectuamos neste momento não estamos ainda a tomar, obviamente, uma posição definitiva. De facto, procuramos o esclarecimento mútuo sobre o significado e o alcance das propostas de alteração que são apresentadas.

Entretanto, já perguntei - e mantenho esta dúvida, por ser um ponto importante- se em matéria de direitos fundamentais vamos ou não esclarecer ou redigir os textos de maneira a resolver um problema importante, que formulei há pouco, em termos de efeitos nas relações entre os particulares entre si, tal como usei a expressão conhecida na dogmática alemã por Dritwirkungen. No entanto, isso tem uma outra formulação e uma outra importância.

Daí perguntar o seguinte: o vosso entendimento vai também no sentido de que, para alem do rigoroso cumprimento do princípio da não discriminação em termos amplos, como, aliás, tem vindo a ser comummente interpretado o artigo 13.° da Constituição, nas relações de facto, isto é, nas que não estão ao nível da formulação das normas jurídicas, o Estado deve ter uma atitude fiscalizadora e interveniente? Em caso afirmativo, interessaria igualmente ver como é que isso se pode realizar, ou seja, através de que instrumentos e meios é que se poderia verificar esse papel interveniente ou fiscalizador do Estado. Estou a referir-me às relações em que o Estado não intervém, pois passam-se na sociedade civil, ou seja, para alem da Administração Pública - aqui isso está naturalmente fora de causa, uma vez que o princípio dos efeitos, em relação a terceiros, dos direitos fundamentais não se coloca neste âmbito.

Devo dizer a VV. Exas. que não pretendo que isso se discuta agora, mas que é certamente um ponto importante para determinarmos o alcance e as consequências das