21 DE ABRIL DE 1988 151
tituição e uma revelação da sua capacidade de resposta perante questões que se prendem com a mais delicada das esferas de actividade e de vida dos cidadãos.
Isto conduz-me à questão relevante, que não é a da avalancha, mas sim a dos limites. A questão dos limites pode ser equacionada, precisamente, nos termos em que o fez o Sr. Deputado António Vitorino, ou seja, no sentido de saber quais são as matérias mais desprotegidas. A fórmula que usámos é, obviamente, ambiciosa e, como todas as fórmulas ambiciosas, pode conduzir, naturalmente, a dificuldades. Em Espanha afirma-se, limitadamente, que os direitos a tutelar por esta forma são os previstos no artigo 14.° e na secção I do capítulo II da respectiva Constituição, muito precisamente o direito à vida e à integridade física e moral, os direitos ideológicos, as liberdades religiosas e de culto, o direito à liberdade e à segurança, nas suas diversas expressões, o direito à honra, à intimidade pessoal e familiar e à imagem - e o recurso de amparo invocado para defesa destes direitos originou alguns apaixonadíssimos recursos para o Tribunal Constitucional espanhol -, o direito à liberdade de circulação e o direito ao estabelecimento livre de residência, algumas liberdades de expressão básicas, etc. Este é um elenco limitado, no qual estão, naturalmente, incluídos os direitos de associação e de manifestação e todos aqueles que constam da secção I, que referi, mas não mais.
Isto aponta, naturalmente, para uma possibilidade. Tanto quanto percebi, a ideia ou preocupação do Sr. Deputado António Vitorino e da bancada do Partido Socialista seria a de que se definisse um conjunto de direitos, em especial risco, no qual creio que, a qualquer título, se hão-de incluir sempre, face às características da nossa ordem jurídica, a liberdade de associação, a liberdade de reunião e algumas questões relacionadas com o direito à liberdade e à segurança, havendo aí alguns problemas de colisão. Para ser produtivo, o avanço nesta matéria terá, forçosamente, de ser comum ou ter alguma margem de comunidade. Suponho que a elencagem desse conjunto de "direitos SOS", em que essa providência especial se justifica, deve ser objecto de uma muito cuidadosa e alargada ponderação, de acordo com um fio condutor a um critério geral. Estamos inteiramente disponíveis para fazer esse esforço.
As questões do segundo grupo, que, na enunciação do Sr. Deputado António Vitorino, correspondem à questão "com que eficácia?", são, quanto a mim, questões a remeter para o legislador ordinário. Estou a pensar, uma vez dirimido o âmbito nos termos atrás descritos, na questão da legitimidade, na questão dos prazos, na questão da garantia da subsidiariedade em termos adequados, etc., questões cuja dificuldade está cometida ao legislador ordinário. Não creio que em sede constitucional tenhamos excessiva dificuldade em relação a isso. Estaremos abrindo portas, mas essas portas terão a exacta dimensão e abrirão na exacta medida que o legislador ordinário venha a estabelecer, com todos os provisos e cautelas. Creio que isto, que é talvez constitucionalmente simples, é constitucionalmente adequado.
Por outro lado, gostaria de me referir, casando aqui com as preocupações da Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves e do Sr. Deputado Alberto Martins, às questões da colisão com outros mecanismos, que são um outro aspecto absolutamente fundamental. Devo dizer, francamente, que tenho algumas dúvidas de que a colisão se possa dar nos termos que foram figurados, embora isso requeira, naturalmente, um estudo mais apurado por parte da nossa bancada. Porquê? É que nós estamos a instituir um meio de direito interno, o que tem a ver, naturalmente, com as observações feitas pela Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.
A pergunta que coloco é a seguinte: isso não irá prejudicar o acesso aos meios de defesa previstos, por força do direito internacional e, designadamente, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem? Francamente, creio que não. É evidente que há, nos termos das normas aplicáveis, uma obrigação de esgotamento prévio dos meios de direito interno, o que é óbvio. No entanto, há também uma abissal diferença entre a capacidade e eficácia dos meios de direito interno e a dos meios próprios, designadamente da Convenção. Creio que o valor "não atrasaremos o acesso à Comissão Europeia" não pode sobrepor-se ou legitimar a não criação de um meio de direito interno, que, pela sua proximidade e pela sua inserção nos outros meios, pode ter características de eficácia e de impacte que sobrelevam de forma incomparável os meios próprios da Convenção Europeia ou os do pacto internacional das liberdades civis e políticas.
Creio, pois, que teremos de ponderar um sistema - e mais uma vez o legislador ordinário terá um papel determinante - que seja adequadamente inserido, económico e não sobrepositivo. A preocupação de não delongar o acesso aos meios de direito internacional não nos deve bloquear a reflexão sobre a criação de um novo meio de direito interno. Penso que a questão está mais no ponto equacionado pelo Sr. Deputado Alberto Martins, ou seja, na questão de saber que colisões é que poderemos estabelecer. Um dos meios seria o de suprimir os outros meios extraordinários e converter em acção constitucional de defesa esse meio já hoje existente, o qual seria rebaptizado, por forma a se tornar acção constitucional de defesa de uma liberdade em perigo contra uma forma de privação ilegal de liberdade. Isso implicaria - e suponho que é essa a razão por que não foi feito em sítio nenhum - a destruição, o rebaptismo e a redefinição de uma figura com poderosas e profundíssimas tradições, incluindo-a no nosso próprio direito. Por isso é que isso não é feito. A lei ordinária terá, evidentemente, de acautelar a não sobreposição, a não colisão. Creio que em sede de revisão constitucional isso não nos deverá preocupar, a não ser na exacta medida em que estaremos a balizar uma dificuldade que o legislador ordinário terá de enfrentar, mas não mais do que isso.
Uma última observação a fazer diz respeito à questão de saber se isto não envolverá uma alteração excessivamente profunda em relação aos pressupostos metodológicos do Tribunal Constitucional, devido ao acesso directo dos particulares a essa instância. Creio ser evidente que se cria um meio que envolve uma alteração metodológica no funcionamento do Tribunal. No entanto, já há alguns meios, designadamente por força do contencioso eleitoral que se desenvolveu, tumultuosamente, fora de alguns dos parâmetros que o legislador constituinte, nomeadamente o próprio legislador da revisão constitucional de 1982, tinha pensado, que conduziram a fórmulas de acesso dos cidadãos ao Tribu-