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21 DE ABRIL DE 1988 161

mente que acho certa a responsabilidade civil do Estado por acções jurisdicionais, mas já a responsabilidade civil dos juizes me parece errada. Deveria, pois, haver uma disposição clara no sentido de exceptuar os juizes das entidades públicas responsáveis. Penso, porém, que isso poderá ficar para ulterior discussão ou apreciação.

O Sr. Presidente: - Mas essa disposição existe. Se o Sr. Deputado verificar, o texto do n.° 2 do artigo 221.° diz que "os juizes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvo as excepções consignadas na lei". Essa irresponsabilidade existe, mas é evidente que pode haver casos em que o grau de culpabilidade seja de tal modo nítido e grave que, mesmo de jure condendo, não me parece sustentável essa não responsabilização. Aliás, o Sr. Deputado José Magalhães fez há pouco referência à discussão havida em Itália sobre esta matéria, que foi uma discussão candente e extremamente viva, durante a qual - é óbvio - os sindicatos dos magistrados se opuseram veementemente a que certo tipo de responsabilidades fosse consignado.

Esta é, porém, uma matéria que vamos deixar em aberto, para a retomarmos na altura oportuna, já que iremos ter ocasião de nos defrontarmos com ela em várias partes da Constituição. Neste momento não podemos fazer mais do que dizer que os problemas foram suscitados e que não é possível resolvê-los já, mas que vale a pena fazermos uma reflexão sobre eles, quer no interior de cada grupo parlamentar, quer por parte de cada um de nós isoladamente, para que na altura em que este problema voltar a ser suscitado possamos, em função dessa reflexão, avançar algo mais.

Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, o que pretendi foi apenas suscitar a dúvida nesse sentido, ou seja no de saber se se deve ou não precisar a excepção dos juizes relativamente à responsabilidade civil. Eu entendo que isso se deveria precisar.

O Sr. Presidente: - Mas neste momento isso está precisado de uma maneira claríssima no n.° 2 do artigo 221.°

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Está, mas de um modo muito restrito.

O Sr. Presidente: - E é ao legislador ordinário que compete consignar as excepções.

Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, esta observação do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia parece-me ter uma razão de grande sensibilidade. E gostaria de explicar aqui o que me parece resultar claro do artigo 22.°, que tornará eventualmente esta formulação menos chocante para o Sr. Deputado do que à partida lhe poderá ocorrer. É que, na medida em que se regulam, no artigo 22.°, acções ou omissões praticadas no exercício das funções legislativa e jurisdicional e por causa dela a responsabilização é sempre uma responsabilização por virtude daquilo a que, segundo creio, a doutrina francesa chama "culpa de serviço". Consequentemente, nunca será a chamada "culpa pessoal" que estará aqui a ser criticada pelo direito e à qual é imputada essa responsabilidade, ideia esta que dilui um pouco o nosso temor por esse atingir claro da pessoa do juiz.

Não sei se era isso o que o Sr. Deputado pretendia dizer, mas parece-me haver aqui desnecessidade de grande preocupação, na medida em que só pode ser a culpa de serviço o que aqui está em causa.

O Sr. Presidente: - Sim, mas o problema é o de saber se há ou não direito de regresso e responsabilidade solidária ou não.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Não, os mecanismos de responsabilidade são exactamente os mesmos, como se se tratasse de uma culpa pessoal. A razão filosófica por que se há-de imputar às pessoas a responsabilidade é que acaba por se diluir um pouco na culpa de serviço.

O Sr. Presidente: - De acordo, mas a questão que se coloca em matéria de responsabilidade dos juizes é a de saber se, para além da responsabilidade do Estado, que é a tal faute de service, que há pouco referiu, da doutrina administrativista francesa, também existe uma responsabilidade do magistrado em concreto, como do funcionário, que pode, portanto, justificar, inclusivamente, o direito de regresso do Estado sobre o magistrado ou o accionamento directo - porque há várias modalidades possíveis - do prejudicado em relação ao magistrado, tendo este a possibilidade de chamar à demanda o Estado.

Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, a necessidade de recorrer à doutrina, designadamente estrangeira, seja ela a francesa ou outra, adensa no meu espírito a ideia do perigo desta norma. Se é necessário recorrer a pressupostos que são certamente contestáveis do ponto de vista da interpretação - porque, sendo doutrina, não são, portanto, legais, dado que são de ciência jurídica -, afigura-se-me que isso nos deve aconselhar a pensar rigorosamente sobre se queremos ou não permitir, estabelecer ou proibir a responsabilidade dos juizes. Que se possa não proibir, admito; que se possa estabelecer, acho mal.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, vamos tentar ser claros para aqueles que não têm formação jurídica, mas que têm todo o direito de exprimir as suas dúvidas.

A situação é esta: no caso dos tribunais, como no caso do exercício de uma qualquer função em que há um órgão ou uma entidade que exerce um determinado cargo, o problema que se coloca é o de haver uma responsabilidade da entidade a favor de quem o serviço é prestado e em seu nome. Neste caso, a função judicial é exercida pelo Estado. Trata-se de um certo tipo de responsabilidade, sendo nesse âmbito que se colocam os problemas de faute de service, etc., que, aliás, estão nacionalizados na doutrina portuguesa, não sendo, portanto, necessário recorrer directamente à doutrina francesa.

Há, porém, uma outra questão a colocar, que é a seguinte: como o Estado é uma pessoa colectiva, ele não tem existência física, pelo que é necessário saber