240 II SÉRIE - NÚMERO 10-RC
que é o seguinte: pode haver razões de urgência que legitimem mecanismos simplificados e desburocratizados para atingir simultaneamente as duas finalidades que devem presidir a este instituto, isto é, a garantia dos direitos dos cidadãos e a sal vaguarda da possibilidade de realização célere das finalidades de tutela penal que estão subjacentes à prisão.
Devo dizer que é óbvio que esta solução procura distanciar-se ou distinguir-se daquela em que se admite que as autoridades de polícia criminal possam em certas hipóteses ordenar também a própria detenção fora de flagrante delito. Pensamos que essas soluções são extremamente perigosas e a sua aplicação pode dar origem a perigos ainda maiores. É que se admite que as autoridades de polícia criminal possam, por iniciativa própria, ordenar a detenção fora de flagrante delito em casos em que haja aquilo a que se chama "fundado receio de fuga". Este conceito carece, naturalmente, das suas especificações. Mas qualquer que seja a especificação - e a lei em vigor não dá nenhuma -, a possibilidade de avaliação subjectiva do receio de fuga é absolutamente tremenda.
É óbvio que é dever dos polícias ter receio de fuga, uma vez que têm a seu cargo determinadas finalidades preventivas e repressivas. Torna-se evidente lambem que a invocação do receio de fuga legitima a adopção ou o accionamento do artigo competente do Código de Processo Penal, pelo que o cidadão é privado de liberdade mesmo em casos onde o tipo de delito e de situação e as características do indivíduo poderiam não o legitimar. Pior ainda quando se acrescentam, como já se fez tragicamente -e o Sr. Deputado Costa Andrade saberá isso intimamente -, uma cláusula do tipo "é possível a detenção por iniciativa das autoridades de polícia criminal quando não for possível, dada a situação de urgente e de perigo na demora, esperar pela intervenção da autoridade judiciária". É esta a situação que está hoje criada em Portugal.
Na verdade, fora de flagrante delito, a privação da liberdade pode ser imposta pela autoridade de polícia criminal, bastando-lhe para tanto invocar a cláusula que referi.
Aliás, como VV. Exas. sabem, essas polícias são muitas e infinitas. Acontece até que a cláusula que o Sr. Deputado Costa Andrade colocou no artigo 1.° do Código de Processo Penal permite ao Govêrno definir por decreto-lei ainda mais autoridades...
O Sr. António Vitorino (PS): - Seu, dele, Código!...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto, Sr. Deputado.
Devo, pois, dizer que uma noção alargada de autoridade de polícia criminal, somada a cláusulas de urgência que permitem deter fora de flagrante delito, tudo acompanhado da possibilidade de ultrapassagem das autoridades judiciais, tanto dos juizes propriamente ditos como do Ministério Público, nos inquieta verdadeiramente.
Creio, portanto, que o Código de Processo Penal não deve ser um hino às polícias. Estas, em si mesmas, têm direitos e finalidades que são fundamentais no quadro jurídico-constitucional. Porém, é preciso encontrar soluções de equilíbrio que não conduzam, neste aspecto fulcral, aos riscos que creio que, objectivamente, toda a gente reconhecerá. É esse o objectivo da nossa proposta em sede de revisão constitucional.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A introdução de um n.° 3-A no artigo 27.° proposta pelo PCP, ao contrário porventura do que se passava ontem com a alteração apresentada pelo CDS para o n.º 1 do artigo 24.° da Constituição, visa directamente repercutir-se sobre a legislação ordinária já publicada.
Na verdade, o Sr. Deputado José Magalhães, com razões que expôs já abundantemente, mas que eu gostaria de ver melhor esclarecidas e discutidas nesta Comissão, vai ao artigo 257.Q do Código de Processo Penal, tira-lhe o n.º 1, espeta-o aqui como n.º 3-A do artigo 27.° da Constituição e manda "às malvas" - passo a expressão - o n.° 2. Perante isto, gostaria de ver esclarecidas as razões que o Sr. Deputado José Magalhães avançou.
Entretanto, verifiquei que o Sr. Deputado Costa Andrade foi invocado pelo Sr. Deputado José Magalhães, tendo-lhe sido, ainda por cima, atribuídas autorias nesta matéria, respeitantes não só ao referido artigo 257.° do Código de Processo Penal como também ao artigo 1 .Q, onde se define a autoridade da polícia criminal. Por isso mesmo, gostaria que o Sr. Deputado Costa Andrade interviesse na discussão, a fim de nos poder dar razões, que antevemos em alguma medida, para esta extensão de poderes às autoridades policiais. De facto, os fundamentos da detenção fora de flagrante delito por autoridades policiais, tal como vêm apontados no n.º 2 do artigo 257.º - e estou de acordo neste aspecto com o Sr. Deputado José Magalhães -, são susceptíveis de um preenchimento subjectivo bastante largo. E, ainda por cima, são razões que normalmente têm para as autoridades policiais e para a cultura das polícias um sentido que pode ser lato ou restrito, conforme o ponto de vista em que nos colocarmos.
Compreendo também que cada vez mais nos defrontemos com tipos de organização criminosa que se não compadecem com a pureza da aplicação do n.° 1 do artigo 257.°, para além de que hoje temos o mecanismo previsto no artigo 31.º da Constituição a funcionar em pleno. Existe, pois, o instituto do habeas corpus, que funciona sem reticências, bem como outras formas de defesa. Porém, gostaria - repito - de ver melhor explicada perante a Comissão a justificação da ausência de dispositivos constitucionais que legitimem claramente a norma correspondente ao n.º 2 do artigo 257.º do Código de Processo Penal.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, quero, em primeiro lugar, dizer-lhe que não sou o autor do Código de Processo Penal, nem a Comissão que elaborou o anteprojecto ou o projecto da referida obra é a autora dele. De facto, ele e da autoria e da responsabilidade do Governo, legitimada por uma autorização legislativa da Assembleia da República na qual, por acaso, o Executivo nem tinha maioria. Sendo certo, aliás, que esta solução já estava em preparação aquando da autorização legislativa, para além de que a Assembleia da República não a coonestou, também é verdade que esta decisão foi aceite pelo Sr. Presidente da República, uma vez que, suscitando a questão da inconstitucionalidade de várias normas do Código de Processo Penal, não o fez em relação a esta.
De resto, a proposta de alteração apresentada pelo PCP é uma certa coonestação da constitucionalidade actual. De facto, se o PCP entende que há necessidade de rever a Constituição, é porque considera que a situação actual do Código de Processo Penal é constitucional. Também