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242 II SÉRIE - NÚMERO 10-RC

primeiro interrogatório ou para aplicação de uma medida de coacção ou, então, para assegurar a presença imediata do detido perante o juiz em acto processual. Esqueceram-se, por acaso, de prever a hipótese da comparência imediata do detido perante o Ministério Público em acto processual e, portanto, geraram-se uma série de quiproquós que ainda estão por deslindar.

Sabendo-se que é esta a finalidade da detenção, está, porém, para se saber qual é o juízo a emitir sobre a constitucionalidade deste procedimento, ou seja, será que quando esta detenção não se faz em flagrante delito é constitucional o regime previsto no referido Código. Regime esse que, sob o signo da urgência, permite que qualquer autoridade policial e para qualquer crime imponha privação de liberdade...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Desculpe-me interrompê-lo, Sr. Deputado, mas... (por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador).

Há limiares mínimos de gravidade, pelo que não é qualquer crime.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Costa Andrade, é qualquer dos crimes que admitam prisão preventiva.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - É diferente!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu tinha recomeçado por analisar o artigo 254.° e este delimita o instituto da detenção. De facto, este delimita-o como delimita, não o delimita de outra forma. Portanto, a partir daqui, estamos a deslocar-nos dentro das baias do Código, que são essas que V. Exa. referiu.

Porém, o grande problema que se coloca é como é que as baias do Código se compatibilizam com as baias da Constituição. Neste ponto, a resposta parece-me francamente deficiente. E digo isto porque creio que não podemos entrar em argumentos do género de que o Sr. Presidente da República ou a bancada do PCP coonestaram o Código. Era só o que nos faltava! De facto, ninguém coonestou coisíssima nenhuma!

O Sr. Costa Andrade (PSD): - V. Exa. faça-me, pelo menos, a justiça de dizer que não tenho um amor tão grande ao PCP para estar sempre com ele na boca. De facto, não falei do PCP. Aliás, pode colocar-me mal perante os meus correligionários. Redima-me, pois, desse pecado.

Risos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, corrijo-me prontamente e com gosto, embora admita que se fosse para "morder" o PCP os seus correligionários não lhe punissem a boca.

Porém, em relação à questão da coonestação, creio que ela é infundada. É uma estranha maneira de ver os mecanismos de fiscalização da constitucionalidade. Todos nós sabemos que o Código nos começou por ser apresentado como "impoluto constitucional mente"; debatemo-lo aqui durante horas e não enfermava de qualquer inconstitucionalidade, tendo chegado ao Tribunal Constitucional porque o Sr. Presidente da República entendeu accionar o mecanismo de fiscalização preventiva. Logo lhe toparam uma mão cheia delas, bastante grossas!

Por outro lado, como se sabe, o nosso sistema de fiscalização de constitucionalidade não permite, ultrapassada a barreira da fiscalização preventiva, dar um bill de indemnidade aos elementos de inconstitucionalidade que estejam num diploma. Se as inconstitucionalidades lá estão, lá continuam e não são coonestadas coisíssima nenhuma, podendo como tal originar-se, por via da fiscalização sucessiva abstracta ou por via até da fiscalização concreta, uma nova apreciação de constitucionalidade, a qual pode provocar, até mesmo no caso da fiscalização concreta e em certas circunstâncias, uma declaração com força obrigatória geral. Tudo isto é sabido e tudo se aplica em relação ao Código de Processo Penal, o que constitui, quanto a nós, um dos dramas e um dos problemas daquilo a que poderíamos chamar a instabilidade do nosso quadro processual penal vigente.

De facto, ao contrário daquilo que se inculca, isto é, a suposta existência de uma série de coonestações em rajada e, portanto, de um código estável e consolidado, temos um Código posto em crise e ponível em crise. Ponível em crise através de actos concretos de fiscalização concreta e ponível em crise através da fiscalização abstracta. Nós acreditamos que isto é indesejável, e mais: é indesejável sobretudo em relação a certos aspectos concretos, que vêm bulir com as liberdades. Podemos reflectir se as alterações ao principio da legalidade, e, portanto, os enxertos do princípio de oportunidade que os arquitectos do Código fizeram são tão graves como isso. Podemos questionar-nos sobre este ponto, tal como o Sr. Deputado Vera Jardim há pouco fazia a propósito de um outro caso - quanto a mim pior -, e dizer: "Espere-se e veja-se." Veja-se como é que essas aplicações matizadas do princípio da oportunidade funcionam e a que é que conduzem.

Creio, porém, que é mais problemático fazer-se um juízo desse tipo em matéria de liberdades, nesta esfera concreta, sensível e directa. E devo dizer que é péssimo fazer um raciocínio do tipo "mais vale que se faça à luz do dia do que nos subterrâneos". Essa ideia descatacumbizadora das actividades das polícias -que é um dos pilares do novo Código - é, quanto a nós, um erro trágico, que pode ter consequências dramáticas, na medida em que leva a que se legalize aquilo que mesmo como estado de necessidade é problemático, mas que, como estado de necessidade, tem as respectivas características. Ninguém fornece às polícias um guia do estado de necessidade no sentido de positivar aquilo que não se deve fazer. Isto é, não lembraria ao diabo dizer às polícias: "Podes matar o cidadão sempre que o cidadão te faça uma provocação, use contigo uma arma, etc...." Não passa pela cabeça a ninguém e, no entanto, é isto que o Código de Processo Penal acaba por fazer ao legalizar determinados procedimentos. E é este precisamente o caso, Sr. Presidente e Srs. Deputados. Caminhou-se para um quadro em que se legitimam e em que se dá força de lei a expedientes apócrifos. E então, não temos expedientes apócrifos: a lei e ela própria um expediente apócrifo, legitimado pelo facto de ser emanado dos órgãos de soberania, e não já uma prática furtiva, combatível, denunciável e susceptível de ver oposto o direito de resistência, o tal tão caro ao PSD a certas horas, ou a certo PSD a certas horas. Mas temos uma lei contra a qual erguer a mão é rebelião, a não ser pelos meios próprios. E creio que esta situação é suficientemente grave.

Por último, não se diga que "é preciso não cortar as pemas às autoridades". Embora não sejamos seguramente suspeitos de querer cortar as pernas às autoridades, não queremos, porém, que as autoridades cortem as pernas aos cidadãos por uma solução desequilibrada como é esta que aqui está gerada em termos do nosso direito ordinário.