6 DE MAIO DE 1988 241
entendo isso e, aliás, creio que toda a gente entende que a solução legislativa do referido Código é constitucional na base da Constituição vigente. Não sei, todavia, se vale a pena discutirmos muito a questão do artigo 257.Q do Código de Processo Penal à luz da Constituição.
Entretanto, devo dizer que a solução proposta pelo PCP não resolve tecnicamente coisíssima nenhuma, pois o que pretende é que a prisão preventiva fora de flagrante delito não possa ser feita pelas polícias criminais. No entanto, faço notar que o Código de Processo Penal não permite que a prisão preventiva seja realizada pelas polícias criminais; admite, antes, que a detenção, que é uma categoria jurídico-processual diferente, tem sempre de ser legitimidada pelo juiz para ser convertida em prisão preventiva. O PCP, em boa verdade, dá um tiro no escuro ou um pontapé no ar, pois não resolve coisa nenhuma. Porém, é evidente que isto é corrigível, pois o PCP pode prever no texto constitucional que a detenção fora de flagrante delito tem de ser ligitimidade pelo juiz.
Abreviando as razões, concluirei que a proposta do PCP nos parece uma má solução. De facto, as soluções do Código de Processo Penal sempre seriam na prática legitimadas à luz dos princípios do direito de necessidade - e não gostaríamos que se invocasse nesta sede um direito de necessidade do Estado nesta matéria, que seria, aliás, extremamente perigoso. Na lógica de uma legislação de verdade que não deixasse isto para os ângulos escuros do direito de necessidade e das causas de justificação da ilicitude um pouco apócrifas e abstractas, entendemos que esta solução, inserida no Código de Processo Penal, é boa, sendo uma solução para certos casos extremos, verificados os pressupostos que a legislação processual penal impõe, ou seja: fundado receio de fuga; tratar-se de criminalidade particularmente grave; não ser possível, dada a situação de urgência e de perigo na demora, recorrer às instâncias judiciárias.
Portanto, admite-se a detenção, que não a prisão preventiva, que será posteriormente legitimada ou não por uma autoridade judiciária e convertida ou não em prisão preventiva, naturalmente com todas as garantias que a própria Constituição consagra, como, por exemplo, a da indemnização em caso de detenção indevida.
Penso, pois, que não vale a pena determo-nos na solução consagrada no Código de Processo Penal, mas sim atermo-nos à Constituição. Perguntar-me-á se a Constituição deve reduzir a complexidade a este ponto. Do nosso ponto de vista, não deve fazê-lo, porque remeteria os poderes públicos para direitos e zonas mais perigosos, como sejam os direitos de necessidade, que sempre seriam invocados à margem da lei. Portanto, preferimos tipificar os pressupostos em que é possível invocar um direito de necessidade em concreto. Além disso, entendemos também que a Constituição não deve reduzir a complexidade de tal maneira que abra a porta a expedientes apócrifos a que uma sociedade pode ter necessidade de recorrer. Daí que seja preferível que se faça isso à luz das instituições do que no mundo subterrâneo das causas de justificação extremamente perigosas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois das várias intervenções produzidas, pouco tenho para acrescentar ao que foi dito. Em todo o caso, quero explanar dois ou três pontos.
O primeiro ponto prende-se com o facto de ser evidente que nós comungamos das reservas colocadas pelo
Sr. Deputado José Magalhães ao avassalador aumento dos poderes das polícias não só em Portugal, mas por toda a Europa. De facto, comungamos desses temores, pois já vemos alguns resultados disso no quotidiano da polícia.
Contudo, também colocamos sérias reservas quanto àquilo a que poderíamos chamar "cortar as pernas" às autoridades perante novas formas de criminalidade organizada, uma vida social e comunitária que não corresponde já em muitos casos a princípios afirmados há uma dezena de anos sem qualquer dificuldade, mas que hoje na prática se podem revelar bastante limitativos da actuação das autoridades policiais e das próprias magistraturas.
Ora, a fórmula encontrada pelo Código de Processo Penal merece-nos críticas pela sua demasiada generalidade, mas isso é uma discussão mais técnica do que outra coisa. Porém, o que nos impressiona sobretudo -e louvo-me nos argumentos do Sr. Deputado Costa Andrade- é a distinção, que tem de ser muito nítida, entre detenção e a sua posterior legitimação pelo poder judicial. E essa supomos que tende a limitar qualquer excesso de poder por parte das polícias.
Portanto, vamos ver o que é que a solução do Código de Processo Penal dá na prática. Creio também que não podemos, através da revisão constitucional, fazer agora, como já em vários outros artigos isso foi visível, a pré-reforma do Código de Processo Penal. Vamos, pois, dar algum tempo às polícias e aos magistrados, ou seja, para que todo o sistema funcione.
Em suma, com esta distinção, que deve ser muito nítida, naturalmente, entre o momento da detenção e a sua imediata legitimação através do poder judicial, pensamos até que boa parte dos perigos de excesso de poder são afastados.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação à questão do passo que se pretendia dar e da experiência anterior, gostaria de dizer que poderemos estar todos cientes de que há uma distinção entre prisão e detenção na lógica, na semântica e na arquitectura conceptual do Código de Processo Penal, tal qual foi ideado. Aliás, aí está um dos problemas, uma vez que se evolui para um conceito deslizante de detenção, ao qual se pretende atribuir um determinado regime que tem, quanto a nós, espinhos constitucionais que podem originar situações de extremo melindre.
Portanto, a questão não é a inciência de uma distinção entre prisão e detenção, pois a crítica a ela e às implicações que dela extraíram os arquitectos do Código foi, e é, um dos pilares da crítica a formular, uma das suas dificuldades principais e um dos traços e componentes da sua policialização, nuns casos consumada, noutros deslizante.
Ora, aquilo que se dizia da prisão (dizia a diz!), aquilo que se referia face aos artigos 293.° e 298.° do falecido Código de Processo Penal era que a Constituição se caracterizava por ser omissa quanto à competência para efectuar ou determinar a prisão preventiva, criticando-se o facto de a lei ordinária conferir o poder não só ao Ministério Público, como também às autoridades de polícia judiciária - pode hoje dizer-se agravadamente. E digo isto porque ao problema criado aditou-se a questão da detenção, tal qual a concebeu o arquitecto do Código.
A detenção hoc sensu, ou seja, tal qual é entendida pelo artigo 254.c do dito cujo Código tem duas componentes, uma explicável teleologia. Visa a apresentação em 48 horas do detido a julgamento sumário ao juiz para