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420 II SÉRIE - NÚMERO 14-RC

Que o Estado promova e defenda a língua portuguesa no campo áudio-visual acho bem. Corresponde ao interesse, que e tendencialmente inequívoco, de combater a adulteração linguística a que se assiste na sociedade portuguesa através dos meios de comunicação social.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado Sottomayor Cárdia começou por me surpreender e creio que agora o "confortómetro" atingiu uma posição menos preocupante do que a que eu previa, que era aquela para que se encaminhava. Digo-lhe isto porque V. Exa. aludiu, no fim da sua intervenção, a que a questão de se consagrar o dever estadual de apoiar e promover a defesa da língua não lhe provocava nenhum frémito de rejeição, nem o uso da palavra "língua" o remetia para qualquer universo conceptual ou semântico perverso. Enquanto que a palavra "independência" lhe acorda um receio de nacionalismo e a palavra "identidade" um receio de tradicionalismo, o termo "língua" só lhe acorda a ideia de língua, não lhe provocando nenhuma dúvida e parecendo-lhe uma expressão absolutamente unívoca. Como sabes não e assim, há sobre isso uma polémica bastante interessante. Para quem tenha dúvidas - como V. Exa. aqui exprimiu - sobre a polissemia das palavras "identidade" e "independência", devo dizer que a palavra "língua" é também fortemente polissemica.

Creio que V. Exa. - não tem razão - salvo melhor opinião - em algumas das suas dúvidas mais profundas. Creio que tem toda a razão quanto ao termo "língua" e, aplicando o mesmo critério, deveria ler razão, ao contrário, em relação às expressões "independência nacional" e "identidade cultural" porque o espaço semântico e conceptológico em que nos movemos e, evidentemente, o espaço constitucional e só ele. Isto e, se V. Exa. - como a Sra. Deputada Assunção Esteves doutamente fez - folhear a Constituição, começando pelo artigo 1.° e chegando ao artigo 9.°, lá encontrará o conceito de independência nacional, embora o possa encontrar também espelhado noutros artigos, e não passa pela cabeça de ninguém, face aos elementos de interpretação adequados, ler na nossa Constituição, onde se exprime independência nacional, qualquer alusão, recepção, remissão ou acolhimento de concepções de tipo nacionalista (e, menos ainda, nacionalista no sentido de qualquer modalidade do tipo daquelas que exprimiu). O mesmo acontece em relação a noção de identidade cultural. Identificar identidade cultural, tal qual se encontra proposto no nosso texto, com qualquer modalidade de tradicionalismo ou com valores culturais do passado, seguramente não nos será imputável, nem seria imputável à Constituição se isto lhe fosse incrustado, porque todo o seu universo aponta para o sentido contrário. E é até por essa razão que o PSD pretende aplicar-lhe umas amputações, precisamente nas áreas em que não existe nenhuma remissão para o tradicionalismo, para os valores recuados, para os valores culturais do passado, etc.

Assim sendo, qual e o risco, sobretudo pela parte de alguém que pretende introduzir na Constituição uma coisa que nós não pretendemos, ou seja, o conceito de nação? Não vamos regressar à introdução desse conceito na Constituição porque o risco de o fazer é enorme e não percebo como e que V. Exa. - está preocupadíssimo com um conceito constitucionalmente líquido, qual seja o da independência nacional, vê um perigo exame em se introduzir aquilo que propomos que se introduza - que é o mesmíssimo conceito - e, simultaneamente, e capaz de pretender introduzir na Constituição o conceito de nação que é, como sabe, polemicíssimo, originou na Constituinte debates extremamente vivos e origina, por parte das forças tradicionalistas e apegadas aos valores retrógrados, culturais e anticulturais do passado, espasmos de emoção, adesões empáticas e outras.

Não percebo o seu critério e a minha pergunta é precisamente a de saber qual é esse critério, porque quando se diz, como o fez a Sra. Deputada Assunção Esteves. "Façam o favor de não duplicar", eu amanhã abonar-me-ei nestas doutas considerações para extrair da Constituição tudo o que lá está com o aval da Sra. Deputada Assunção Esteves. Agora que o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia diga que isto, não só não duplica - coisa que ainda podia dizer -, como subverteria o texto, e que me parece não ler fundamento nenhum. Como e que V. Exa. sai desta contradição para que possamos sair do preceito?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado, não tenho consciência da minha alegada contradição. Mas, já agora, se me permite, vou dar-lhe resposta completa e depois V. Exa. formaliza a minha contradição, para que eu possa apreciá-la.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, talvez pudesse ser ao contrário. O deputado José Magalhães formaliza primeiro a contradição e o deputado Sottomayor Cárdia responde-lhe depois. De outro modo nunca mais acabamos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - A contradição do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia -se me permite - é quase um caso de heteronimia. Quer dizer, numa das suas vertentes, o Sr. Deputado tem uma preocupação dramática em relação à introdução do conceito de independência nacional e, na outra, quer introduzir o conceito de nação. Numa, tem um problema enorme em relação ao tradicionalismo e, noutra, pretende introduzir um conceito tradicional.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, V. Exa. presta-me uma homenagem que não mereço. Sou um cidadão com muito pouca imaginação, incapaz de heteronimias. Sou pouperrimamente um lógico. Nenhuma propensão tenho para a ficção e nenhuma capacidade para forjar heterónimos. Insisto, todavia, que a contradição não existe. Não defendo um conceito tradicionalista de nação. Defendo um conceito democrático de nação.

Afigura-se-me que a possibilidade de interpretar a expressão "identidade cultural" à luz dos valores tradicionalistas da Nação Portuguesa e em acepção passadista e uma possibilidade real. Sei muito bem que V. Exa. e o PCP não pretendem que assim se entenda, todavia sei também que, se tal ficasse na Constituição, poderia vir a ser interpretado dessa maneira.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Só se a Constituição mudasse toda e as suas referências e elementos estruturantes mudassem também todos, o que me parece não estar em risco, a não ser que o PS tivesse mudado radicalmente de posição.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Não é o PS. Nós estamos a rever a Constituição. A atitude básica de um