1 DE JUNHO DE 1988 421
constituinte é a de desconfiança em relação ao legislador ordinário. Se não houvesse essa desconfiança, não haveria Constituição. Ora bem, a desconfiança deve existir em relação à margem de actuação legítima do legislador ordinário e deve também existir em relação à margem de interpretação ilegítima que se possa dar a termos de alcance indeterminado. Isto, quanto à expressão "identidade cultural".
Quanto à expressão "independência nacional", devo dizer que sou a favor da independência nacional e que acho que a Constituição a deve proteger, mas com uma inserção mais genérica do que esta, de modo a que não haja equívoco sobre um eventual dirigismo cultural em matéria de televisão ou outras e que não haja a possibilidade de isto ser interpretado num sentido que não desejo e que V. Exa. tão-pouco deseja. Igualmente não desejamos essa possível interpretação. Eu sou talvez mais desconfiado do que V. Exa. e seguramente menos imaginativo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.
O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, em relação ao n.° 9 da proposta do PEV, e para além da argumentação que a minha colega Assunção Esteves já expendeu, gostaria de dar também a minha opinião.
Penso que com esta proposta se introduz um elemento de subjectividade profunda e não de objectividade, o que seria o desejável para a Constituição da República. De facto, deixa um espaço em branco enorme quanto a saber como se poderá medir e calibrar a intensidade da apologia da violência. É que, se poderá considerar violência, por exemplo, o facto de se visualizar num telejornal um assassínio a frio de uma pessoa, poderá lambem ser lido como violento um anúncio inofensivo e colorido de um brinquedo robot-polícia que faz as delícias das crianças, mas que mata tudo. Poderá, por exemplo, ser uma mensagem de intolerância uma declaração política de Jean Maria Le Pen, mas poderá também ser um anúncio que, em linguagem imperativa, diga "não faças isto, faz aquilo" ou "não uses aquilo, mas isto". Poderá lambem ser violência um John Wayne a disparar balas de justiça e a matar bandidos fora-da-lei que fazem mal à ordem do Oeste, etc. Consequentemente, há muita subjectividade nesta proposta.
O Sr. Presidente: - O que está errado são os tiros dos bandidos, é claro!
Risos.
O Sr. Mário Maciel (PSD): - Penso haver alguma subjectividade nesta proposta, não obstante - e isso é consensual - nós rejeitarmos a violência e a intolerância crua na televisão e, neste caso, na rádio.
Em relação à ideia de independência nacional, gostaria de fazer uma pergunta simples, que certamente merecerá uma resposta simples. Quando se defende a independência nacional, sobretudo no campo linguístico, na televisão, estará o proponente a pensar que, por exemplo, os filmes estrangeiros lerão de ser dobrados na nossa língua? Este é um exemplo que poderá definir uma política de televisão em Portugal.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, há, de facto, muito pouco a dizer e perguntava apenas ao Sr. Deputado José Magalhães, referindo-me à proposta do n.° 10 apresentada pelo PCP, se acha adequada a introdução deste inciso no dispositivo que trata da liberdade de imprensa e dos meios de comunicação social, isto é, se, no contexto deste artigo, acha adequado introduzir o que não poderá deixar de ser entendido como uma limitação e se este inciso, a ser aceite, não deveria constar de um outro ponto do contexto do diploma constitucional, ou seja, se aqui não se revela, porventura, uma atitude de desconfiança em relação à liberdade que se outorgou.
Em segundo lugar, gostava de saber o que é que o PCP pensou, tendo em conta o conjunto de propostas feitas - que, em muitos casos, tem uma natureza, não apenas de definição de princípios ou até de outorga de direitos, mas que constróem os meios orgânicos para a defesa e a salvaguarda desses mesmos direitos - em matéria de concretização desta promoção da defesa da identidade cultural, da língua e da independência nacional no campo áudio-visual. Ou o PCP contenta-se com a simples norma programática, com o voto mais ou menos piedoso que possa constar deste n.º 10, tal como ele aparece redigido?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, se não se importasse, faria agora umas breves considerações e dava-lhe depois a palavra.
Quanto ao n.º 10 da proposta do PCP, devo dizer que, se eu tivesse a certeza da necessidade desta norma, desde já a aplaudia. Não se pode ser contra uma norma que prescreve que o Estado promove e apoia a defesa da identidade cultural, da língua e da independência nacional no campo áudio-visual. Parece-me, em todo o caso, que, em sede mais vasta, quer de princípios da organização do Estado, quer até em forma de deveres ou tarefas fundamentais do Estado, já está salvaguardada a defesa da independência nacional - e em princípio isto seria uma repetição - estando, também, defendida, no artigo 78.°, a identidade cultural comum. Fica apenas de fora a língua, sobre a qual não lenho a certeza de existir na Constituição qualquer norma. Caso não exista, acho bem que passe a existir. Só que lambem tenho dúvidas de que deva ser esta a sede. Alguém referiu aqui: porquê neste domínio e não em todos os outros? Se estiver aqui, e evidente que está no sítio onde a regra pode ser mais útil.
Em relação a dois dos valores em causa a defesa está feita numa sede mais apropriada. Se a Constituição não refere a defesa da língua portuguesa - mas não me lembro, repito, de nenhum artigo onde se encontre a defesa directa da língua- convém que passe a existir uma norma nesse sentido. Não sei se nas normas de carácter genérico e de tarefas fundamentais do Estado se onde a norma é mais útil, ou seja, exactamente na parte que rege os áudio-visuais.
Relativamente à proposta do PEV, devo dizer que, como e óbvio, lenho algumas das preocupações da Sra. Deputada Assunção Esteves. Termos tão vagos como a apologia da violência e da intolerância poderiam, em sede constitucional, não tanto em lei ordinária, chegar a ser perigosos. Devo dizer que sou o responsável pela norma que foi lida pelo deputado José Magalhães e que, entre muitas das minhas "culpas", está essa. Mas é evidente que eu eslava a fazer o estatuto da televisão, ou seja, o estatuto de um órgão que tem muito de pedagógico e é responsável por muito do que tem acontecido neste país nas últimas décadas. Ora, a grande mutação que se fez no mundo, em termos de hábitos, de valores e de praxes, deve-se, em grande parte, às vantagens e desvantagens pedagógicas das Constituições de todos os países mas, se é colocada uma norma destas na Constituição, não sei que coelhos é que