16 DE JUNHO DE 1988 547
houve. Não julguem que não meditámos sobre esta questão. Tivemos tempo para meditar e meditámos. Se apesar disso não propusemos alterações, já aqui têm alguma orientação, embora a discussão exista para nos esclarecermos.
Uma coisa é certa: até hoje, a co-gestão, ou seja, a participação nos órgãos da administração das empresas públicas, embora consagrada na lei, não passou à realidade. E julgo que temos de tomar uma atitude clara sobre isso. Ou assumimos a responsabilidade de concretizar aquilo que está consagrado na Constituição e na lei, ou retiramos da Constituição e da lei o que está estabelecido sem a vontade política de o passar à realidade. Hipocrisia é que não! Uma destas opções tem de ser tomada.
Temos também de nos pôr de acordo sobre qual é o caminho. Se o de controle de gestão que actualmente se consagra na Constituição, se o de co-gestão que se estabelece na lei ordinária e noutros aspectos da Constituição, como por exemplo, na alínea e) - "participar nos órgãos de gestão" -, se o de simples participação nos órgãos de fiscalização. São opções que temos de tomar muito seriamente. São as da revisão constitucional, não a verruga. Temos de optar.
Talvez não valha muito a pena dizermos como é que vai ser, na medida em que, muito provavelmente, queremos discutir no seio dos nossos partidos todas estas propostas. Trata-se de matéria bastante delicada e, por agora, ficaríamos por aqui.
Quanto à proposta do PRD, também aqui [a alínea b)] surge um novo conceito. Já não se trata de "intervir", "participar" ou "pronunciar-se", mas sim de "acompanhar". Temos igualmente de ter em consideração este acompanhamento, que e porventura o mais "português-suave" de todos! ...
Risos.
Quanto ao "pronunciar-se sobre a organização das empresas", o "intervir" nunca foi encarado de outra maneira que não fosse como pronunciar-se a título não decisório. Nunca ninguém concebeu que a intervenção significasse outra coisa que não a faculdade de ser ouvido e poder emitir opiniões e não de decidir. No fundo, "intervir" e "pronunciar-se" são expressões que, na prática, podem equivaler-se. Sendo assim, para que se mexe no "intervir"? . Em segundo lugar, diz-se "pronunciar-se", nos lermos da lei, sobre as iniciativas legislativas e "participar". O que é que tem feito até hoje senão pronunciar-se? Trata-se mesmo de "pronunciar-se", não obstante a Constituição refira "participam.
Entre participar nos órgãos de gestão ou somente nos órgãos de fiscalização medeia já uma significativa diferença. Temos de esclarecer se pretendemos pôr a Constituição e a lei de acordo com a realidade que não fomos capazes de modificar, ou seja, com a realidade que subsistiu contra o que está estabelecido na lei e na Constituição, acabando assim com a inerente hipocrisia, ou se inversamente pretendemos honrar a Constituição e a lei pondo a realidade de acordo com ela.
Quanto ao artigo 55.º, o PRD defende que se deva dizer "acompanhar a gestão das empresas e pronunciar-se livremente sobre ela". Ainda mais "português-suave". Além disso, propõe a substituição do termo "intervir" por "participar". O PRD sugere também a eliminação da alínea d), que diz respeito à participação na gestão das obras sociais da empresa. Deve existir uma boa razão para a apresentação desta última proposta. Só que não sei qual seja, e parece-me que de algum modo se justifica, mais do que em qualquer outro sector, a participação dos trabalhadores.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Não é essa alínea d), Sr. Presidente, é a que se refere à participação na elaboração de legislação do trabalho e de planos económico-sociais.
O Sr. Presidente: - Tem razão.
Nesse caso, já compreendo melhor a proposta do PRD. A alínea actual consagra uma audição um pouco teórica, mas, de qualquer modo, depois de estabelecida, para quê tirá-la?
Se o Sr. Deputado pretender justificar a sua proposta, faça o favor de usar da palavra.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, concordo consigo quando diz que estas são questões importantes. E, em função das propostas de alteração apresentadas pelos outros partidos políticos, teremos de repensar e reflectir acerca das alterações que propusemos, relacionando-as com aquelas. A nossa posição definitiva relativamente a esta questão será tomada, pois, em melhor oportunidade.
O objectivo das propostas que apresentámos é, no fundo, o de tentar coadunar um pouco aquilo que é uma realidade objectiva, ou seja, constatar um facto e dar-lhe forma. Tal facto diz respeito ao exercício do controle de gestão nas empresas. A lei prevê a eleição de representantes dos trabalhadores nos órgãos de gestão, mas na maioria dos casos esses representantes foram eleitos e nunca se permitiu que tomassem posse. No fundo, gostaríamos de saber se será correcto manter na Constituição estas disposições, quando constatamos que não são cumpridas na prática. Não sei de que ano é a legislação citada pelo Sr. Deputado José Magalhães, mas já tem muitos anos. Inclusivamente, já vários partidos políticos, várias coligações e diversas formas de exercício governativo passaram pelo poder e nunca se concretizou esse preceito. Certamente que alguma razão objectiva haverá para que isso tenha acontecido.
Gostaríamos de saber, portanto, se essa alínea b) é suficientemente importante e relevante para ser aprovada no âmbito desta revisão da Constituição. Caso seja, haveria que levá-la à prática e todos teriam de assumir a responsabilidade de concretizar essa disposição constitucional. Ou, então, leremos de chegar à conclusão de que, por alguma razão, não foi possível, durante dez anos, que os representantes dos trabalhadores eleitos nas empresas tomassem posse e assim tal norma se concretizasse. Há que adaptar a realidade à referida disposição, porque, como disse o Sr. Presidente - e eu concordo com ele -, o facto de constar da Constituição e não ser aplicada revela um sentido de hipocrisia muito grande. Os trabalhadores reivindicam a sua concretização, mas, pura e simplesmente, fingimos que não os ouvimos.
Relativamente à alínea d), referente à participação na elaboração da legislação do trabalho, devo dizer que vai exactamente no mesmo sentido da anterior. Essa participação está prevista no direito das associações sindicais e, portanto, trata-se aqui de uma adaptação a essa realidade objectiva.
A nossa proposta vai no sentido de tornar estas disposições num todo coerente e, no fundo, de procurar fazer com que a Constituição possa objectivamente ser cumprida e não se encontrar elementos que evitem o seu cumprimento. Esse é o sentido positivo da nossa proposta de alteração, embora não possamos ser alheios às propostas ou omissões dos outros partidos políticos em relação a problemas desta importância. E, no que respeita ao problema em causa, aproveitaremos naturalmente lodo o tempo disponível para o debater.