21 DE JULHO DE 1988 827
ção é exactamente a contrária e é por isso que tomámos a iniciativa de propor a abolição do princípio da irreversibilidade das nacionalizações.
Quanto à segunda questão, isto é, o sector público tem sida? Não, embora eu seja um leigo em matéria de sida. O vírus HIV, tanto quanto sei não se dá bem em estruturas institucionais; penso que só se desenvolve no corpo humano. Mas é obvio que o PS sempre tem dito que o papel do sector público na nossa economia depende da lógica da sua própria reestruturação. E essa é a primeira grande diferença que se pode assinalar entre as posições do PS e as posições do PSD. É que a proposta que o PS faz em matéria de abolição do princípio da irreversibilidade das nacionalizações propugna a própria restruturação do sector público empresarial do Estado. E o PS, através de sucessivos documentos públicos e de declarações do seu secretário-geral, tem explicitado qual o sentido dessa reestruturação do sector público empresarial. Consequentemente, não se trata de uma lógica liquidacionista, mas sim de uma lógica de reestruturação do próprio sector empresarial do Estado.
Por sua vez, a terceira questão era "a fúria privatizadora do PSD é uma moda?". Talvez. Aliás, o problema não é nosso. Aparentemente é uma nuvem passageira, porque, a não ser uma nuvem passageira, o Governo não teria dado provas de tanta incoerência em matéria de privatizações, incoerência que está bem plasmada não só na lógica política que presidiu à anteposição à revisão constitucional das privatizações a 49% mas também na ausência de condições de confiança aos investidores para tornarem, até apenas ao limiar de 49%, essa política de privatizações como uma política de sucesso. A incoerência do Governo e as debilidades estruturais da sua política privatizadora dão, de facto, a aparência de que se trata de uma moda e não de uma posição séria.
Quanto à quarta questão: "até onde é que vai a demolição?". Depende. Vai exactamente até onde permitir e consentir, na nossa lógica, essa mesma lei quadro das privatizações. E são os limites dessa reprivatização que nós defendemos que devem constar de uma lei quadro. Esses limites têm a ver com o interesse nacional e não com bandeiras de luta, querelas ideológicas ou interesses de grupos, de sectores ávidos de se apropriarem de empresas rentáveis, deixando para o Estado a posta restante, isto é, as empresas não rentáveis, as empresas que dão prejuízo, as empresas que, naturalmente, não são atractivas para quem se mova única e exclusivamente segundo a lógica do lucro.
Quinta questão: "O PS sabe o que quer?". Sim, sabe muito bem. Não é necessário acrescentar mais nada.
À sexta questão, "A privatização é a recomposição dos monopólios?", a resposta é não forçosamente, porquanto o que está aqui em causa é compreender que certas regras de concorrência económica decorrem da participação de pleno direito de Portugal nas Comunidades Europeias. São regras que podem e devem ser asseguradas no Estado Português, no tecido económico interno e, dentro dessas regras, justifica-se proceder à privatização de empresas públicas e nacionalizadas após o 25 de Abril de 1974. É por isso que, na nossa óptica, o processo de privatizações deve estar sujeito a uma lei quadro que defina exactamente as condições de concorrência decorrentes do processo de privatizações. Ou seja, um processo de privatizações tendente a reconstituir grupos monopolistas constituiria a negação da própria lógica e filosofia política e económica da integração de Portugal nas Comunidades Europeias.
Toda e qualquer lógica de favorecimento de situações de monopólio no rescaldo de um processo de privatizações é, em princípio, contrária às normas comunitárias, é inclusivamente susceptível de ser sancionada pelas instâncias comunitárias, designadamente pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Quanto à questão "a paz alcança-se por via canibal?", a resposta aí é, de facto: "credo!" O que está aqui em causa é, essencialmente, a reformulação das bases do funcionamento do sistema económico e, naturalmente, o canibalismo não é o desfecho inevitável de um processo de privatizações. Tanto não é um desfecho inevitável que pensamos que este debate, que está aqui a ser travado, deve ser levado mais longe, para que se especifique com clareza quais são, na opinião de cada uma das forças políticas, as grandes balizas desse processo das privatizações. Estou certo que o PCP, sendo contrário ao processo das privatizações, não deixará também de ter as suas concepções próprias - mau grado a oposição de princípio - sobre os limites em concreto que um processo de privatizações deve revestir em Portugal.
Uma última observação: o Sr. Deputado Costa Andrade colocou o problema da subjectivação do interesse público dizendo: então não será de deixar à maioria circunstancial a definição do que é o interesse geral, do que é o interesse público que deve presidir a definição do processo das privatizações? É evidente! A nossa proposta não é uma forma de defraudar o processo normal em democracia, de subjectivar o interesse público - é uma proposta que só entendemos dentro dos limites dos princípios da separação de poderes e do respeito pela competência executiva. Mas, como o Sr. Deputado Costa Andrade sabe melhor do que eu, o processo de privatizações é um processo que pressupõe uma fase prévia de natureza legislativa - se quiser, de natureza político-legislativa - onde se entrecruzam o exercício da função legislativa, que é função co-natural do Parlamento, e o exercício da função de direcção política do Estado, que é uma função, em certa medida, difusa, dado que é partilhada, em diversos níveis e a diversas instâncias, por vários órgãos de soberania; mas essa função de direcção política do Estado é, também, uma função do Parlamento. Creio - para mim, pelo menos, é relativamente evidente - distinguir, dentro de um processo de privatizações, por exemplo, aquilo que é o plano político-legislativo, de definição de opções no plano legislativo e da direcção política do Estado, e aquilo que é o plano meramente executivo ou de exercício de competências características do Governo.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Quero só prestar o seguinte esclarecimento: quando falei na subjectivação da interpretação e da realização do interesse colectivo, não estava, naturalmente, a pôr o problema da especificação entre executivo e não executivo. Estava apenas a colocar o problema da legitimidade do poder político do momento, entendendo nesse conjunto o Executivo e o Parlamento. Não coloquei o problema da delimitação de competências entre Executivo e Parlamento. O problema era: "Parlamento sim, mas que Parlamento?"