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28 DE SETEMBRO DE 1988 1143

O Sr. João Cravinho (PS): - Nessa matéria é. Mas o facto de a proposta ser acompanhada de relatórios sobre a situação dos fundos e serviços autónomos resulta do facto de termos de aprovar os orçamentos respectivos.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Mas isso é uma coisa que aqui não está contida.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sim, não está contida. Por isso mesmo, na minha primeira intervenção, especifiquei que o PS está aberto a alterar o seu n.° 1, tornando-o mais preciso. E até propus que se dissesse: "O Orçamento do Estado abrange todos os fundos e serviços autónomos e contém..." Em relação à nossa própria proposta, tendo em atenção a altura em que foi elaborada e tendo em conta os desenvolvimentos que constam de outras propostas, pensamos que há vantagem em torná-la ainda mais clara. Estamos abertos a isso e não consideramos desdouro nenhum aperfeiçoar a nossa proposta com os contributos que outros projectos trazem.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, só uma pequena achega, com um exemplo muito prático e muito concreto. Nós aprovámos, neste momento, em termos de Assembleia da República, a transferência de uma verba do chamado Orçamento do Estado para o Serviço Nacional de Saúde, que é um serviço autónomo. No entanto, o orçamento do Serviço Nacional de Saúde, as contas deste serviço estão completamente à margem da Assembleia da República. Dou este exemplo porque em termos quantitativos é um "bolo" muito pesado no próprio Orçamento do Estado strictu sensu. Faço-o só para chamar a atenção, porque é um caso caricato, do meu ponto de vista.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Na sequência deste fio de achegas suscitadas pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação, parece-me que a questão fundamental que suscita (e é curiosíssimo que o faça!) significa que está a fazer uma certa leitura do preceito constitucional e uma leitura face aos critérios hermenêuticos normais que conhece. O seu espanto pelo facto de alguém poder aventar que não se compreenda no preceito aquilo que pela sua leitura lhe atribui parece-me significativo, porque, se há um ponto sensível para se apurar se as competências estão a ser respeitadas ou defraudadas, é precisamente o de saber o que escapa à Assembleia, por esta ou aquela razão. Fazendo-se as contas (não tenho aqui a indicação especificada do que isso significa em termos orçamentais e menos ainda o rastreio disso nos orçamentos posteriores à revisão de 82), indo só ao que decorre do orçamento em vigor, imagine-se, por exemplo, o que significa em termos de grau de desvio, e a acrescer ao exemplo dado pelo meu camarada Octávio Teixeira, o facto de o Governo aprovar por mero despacho interno, e portanto à revelia da decisão parlamentar, orçamentos tão volumosos como por exemplo o do Fundo de Turismo ou do liquidado Fundo de Habitação e dos seus herdeiros e sucessores.

Ora bem, a Constituição adequadamente interpretada deveria conduzir, e a primeira lei de enquadramento apontava para isso, à extinção obrigatória de todos os fundos autónomos, num período que não estava especificado, mas constituía clara linha de tendência.

O não se cumprir esse caminho de garantia de plenitude, de verdade de totalidade orçamental, e o facto de se insistir em práticas traduzidas na aprovação de orçamentos dos fundos e serviços autónomos por mero despacho, por membros do Governo (já nem é pelo Governo qua tale mas por membros de Governo singularmente tomados!) implicam um desvio e até uma desnaturação de competências que não são delegáveis, uma vez que a Assembleia não pode conceder autorizações legislativas em matéria de decisão orçamental. É matéria absolutamente insusceptível de qualquer forma de transferência, situada, portanto, num domínio inteira e absolutamente reservado. Por consequência, os desvios introduzidos por interpretações verdadeiramente sem a mínima cobertura, mas instituídas, sedimentadas e objecto de grande insistência, são um mal a excluir.

Creio que o facto de se procurar precisar todo este quadro em sede de revisão constitucional poderia ser da maior utilidade e a interrogação do Sr. Deputado Carlos Encarnação nesse sentido é uma reacção de leitura imediata (e de resto genuína) daquilo que decorre do princípio da separação de poderes nesta matéria e que não é compatível com as actuais formas de miscigenação entre a intervenção parlamentar e governamental (e dentro desta a intervenção singular de membros do Governo avulsamente tomados). É um absurdo que opções destas passem da assembleia representativa de todos os portugueses para um membro do Governo, que singularmente exerce competências aprovatórias no mais típico dos domínios reservados tradicionalmente aos parlamentos.

O Sr. Presidente: - Há também uma questão a ser-lhe colocada pelo Sr. Deputado João Cravinho e depois respondia conjuntamente às duas.

O Sr. João Cravinho (PS): - Era no sentido de chamar a atenção, precisamente no âmbito do processo orçamental de 1988, para uma das questões que mais tarde se veio a colocar, e teve posterior desenvolvimento, relativa a estes processos de aprovação de orçamentos, que num caso são da ordem dos 40 milhões de contos. Esses despachos nem sequer são publicitados; não são publicados, pura e simplesmente. Há aqui, de facto, qualquer coisa de profundamente omisso, para não dizer errado, que leva um membro do Governo a pensar que actua no pleno uso das suas competências ao aprovar orçamentos da ordem dos 40 milhões de contos (se fosse l milhão de contos, a questão era a mesma, do ponto de vista das competências) sem sequer se proceder à publicação do despacho de aprovação.

Isto só é possível porque a Constituição permite, com certeza, leituras extremamentes diferentes das que alguém com bastante experiência constitucional sugeriria, sendo nesse caso aconselhável que a Constituição seja conformada com aquilo que é o senso comum, o entendimento normal destas matérias. Julgo que a Constituição não deve ser feita para ser interpretada por um grupo de peritos. Deve sim, como lei fundamental do País, ser acessível, no seu entendimento, a qualquer de nós, sobretudo a um membro do Governo. Se não o é, temos de a corrigir.