1138 II SÉRIE - NÚMERO 37-RC
propositada e premeditadamente procurado pelo Governo. O PSD omitiu-o aqui por razões que se compreendem, mas que não podem ser absolvidas.
Por outro lado ainda, gostaria de sublinhar que a desconformidade do Orçamento em relação à lei contendo as Grandes Opções do Plano e às obrigações legais e contratuais anteriormente assumidas pelo Estado, bem como em relação à lei de enquadramento orçamental, é susceptível de originar vício de inconstitucionalidade, havendo quem sustente que é indirecta, sendo susceptível, no futuro, de vir a ser objecto de accionamento junto da entidade competente. Neste aspecto, a Constituição não está indefesa. A questão é que sejam accionados os mecanismos adequados. O PCP propõe, aliás, o seu aperfeiçoamento. Creio, no entanto, que seria uma visão muito curta da parte do PSD encarar esta questão na óptica que o Sr. Deputado Rui Machete aqui começou por trazer, ou seja, no sentido de que a Constituição "é jovem" nesta matéria, de que o regime constitucional "tem uma experiência ainda não sedimentada", pelo que devemos "deixar levedar a experiência" e "não fazer alterações". Creio que o PSD deve articular, ou melhor, não terá outra solução senão articular, conjuntamente, duas coisas: aquilo que quer perspectivar em relação ao futuro do planeamento (que, na sua óptica, é o desplaneamento, para não dizer o contraplaneamento) e aquilo que se exige em relação ao desejável regime de elaboração do Orçamento. Excluídas certas concepções financistas verdadeiramente extremas, essa elaboração não pode fazer-se a não ser com um determinado enquadramento e deve articular-se com as diversas políticas, designadamente a política económica (elaborada pelos órgãos competentes e não à sua revelia!). E deve ser feita não pelo Governo, mas pelos vários órgãos de poder. De facto, a actual situação representa uma aberração do ponto de vista institucional: as opções fundamentais da política económica, com as respectivas projecções no Orçamento, estão a ser consumadas - e o Governo quer poder para consumá-las mais ainda - a latere dos mecanismos próprios, ladeando a Assembleia da República, ladeando órgãos de consulta e de intervenção como o Conselho Nacional do Plano, ladeando até o Presidente da República (vide o que aconteceu com o PCEDEDE e o que o Governo quer que aconteça em relação ao PRO.DES.RE.DI). O significado institucional de tudo isto é uma ditadura governamental em relação a opções financeiras, designadamente as que decorrem de negociações com instâncias comunitárias. Trata-se da colocação de todo o conjunto dos órgãos de soberania perante um diktat e uma situação de facto consumado operada pelo Governo em articulação com órgãos comunitários e com outros órgãos exteriores. É esta a situação que neste momento estamos a enfrentar: o Orçamento do Estado não só é tributário de um conjunto vastíssimo de opções consumadas, porque resultantes de compromissos ou de negociações obtidas só pelo Governo em Bruxelas, sobre as quais a Assembleia da República e os outros órgãos de soberania não sabem nada, na qual não influem nada, ou só influem em diminuta medida, num quadro em que o Governo se dá ao luxo de não prestar, sequer, qualquer espécie de informação e em que, portanto, tudo o que a Assembleia da República faz, ao abrigo dos artigos 108.° e 164.°, é carimbar opções predeterminadas (de resto com desconhecimento de dados fundamentais, pois o Governo - insisto - não cumpre as obrigações de informação mínimas). Isto subverte, por completo, a repartição normal de competências entre órgãos de soberania e o legado da primeira revisão constitucional no tocante à aprovação do Orçamento do Estado.
Em consequência, o desafio perante o qual estamos hoje colocados não é apenas o de defender o legado da primeira revisão constitucional: é o de garantir que esse legado não seja distorcido e pulverizado pela evolução deslizante nestes três planos que procurei situar: o do planeamento; o do domínio das obrigações ou dos compromissos decorrentes da inserção de Portugal nas organizações internacionais, especialmente as Comunidades, e o do abuso que o Governo faz das prerrogativas que tem em todos estes domínios no sentido da governamentalização de opções que deviam ser assumidas pelo Parlamento. Todos estes vícios se cumulam na nossa prática. A revisão constitucional deveria, quanto a nós, contribuir para sanar este clima, que está verdadeiramente injectado de distorções.
Reparem que em matéria de vícios deixei de lado muito que se relaciona com o descontrole da actividade financeira do Estado: o anquilosamento do regime do Tribunal de Contas e da administração financeira, a chocante vetustez da organização da Conta Geral do Estado (que data de 1936 e careceria de releitura face às aquisições da revisão constitucional de 82), as pechas da nossa irreformada Administração Pública, as deficiências do seu relacionamento com o Tribunal de Contas, as limitações do controle que este pode assegurar (lacunosamente circunscrito aos aspectos de legalidade quanto aos pareceres que emite). Outras questões não menos importantes deverão ser referenciadas quando se avalia a aplicação (e desaplicação!) do quadro constitucional vigente: a proliferação de serviços autónomos e consequente falta de um orçamento consolidado da administração central do Estado impossibilita a percepção rigorosa do conspecto das receitas e despesas do Estado, falseando o défice; há volumes substanciais de despesas realizadas inconstitucional e ilegalmente; há o já referido recurso abusivo a operações de tesouro para cobrir despesas orçamentais; há "adiantamentos" por conta de dotações a inscrever ou reforçar no OE (verdadeiras despesas ocultas) feitas por operações de tesouraria - "Operações a liquidar"; há saldos por regularizar no fim de cada ano económico na rubrica "Operações a liquidar" (área em que se verifica forte crescimento) - o que tudo conduz a uma subavaliação crónica dos défices orçamentais. Isto para não referir a situação da Segurança Social (que o Tribunal de Contas confessa não controlar por inexistência absoluta de mecanismos de acompanhamento)... Leia-se o parecer do Tribunal sobre a Conta de 1982.
Não caberá à revisão constitucional ser panaceia para todo o quadro de vícios que aqui se exautorou, mas, sem dúvida, poderemos e deveremos introduzir alguns aperfeiçoamentos cuja necessidade me parece sair reforçada deste debate.
Creio que a posição do PSD não é tão confortável nesta matéria nem é tão auto-suficiente como indicava a exposição inicial do Sr. Deputado Rui Machete. Em toda esta panóplia de questões e de subquestões há aspectos (visto a revisão constitucional ser um todo, não podendo ser encarada parte a parte) em que o