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28 DE SETEMBRO DE 1988 1137

Sr. Presidente, Srs. Deputados, podemos agora passar ao segundo bloco de dificuldades, porventura de maior gravidade ainda, originadas pelas perversões na aplicação do enquadramento constitucional do Orçamento resultante da primeira revisão constitucional.

Em primeiro lugar, a orientação ano a ano adoptada, designadamente pelos governos do PSD, tem conduzido a que o Orçamento do Estado deixe, verdadeiramente, de cumprir a obrigação de articulação ou de subordinação constitucional à lei contendo as Grandes Opções do Plano anual. Esse nexo ou esse elemento de articulação está reduzido hoje à ínfima expressão. A aposta constitucional no papel do Plano, designadamente o que decorre do conteúdo do artigo 91.° da Constituição, em articulação, de resto, com a elencagem das incumbências do Estado constantes do artigo 81.°, tem vindo a ser posta em cheque e em crise por uma orientação que, no fundo, bebe numa concepção financista extrema da própria política económica e que desvaloriza por completo o papel das Grandes Opções do Plano (e do próprio Plano que, como se sabe, de resto não existe), para tornar o Orçamento uma realidade, aparentemente, total, determinante, com subversão dos nexos e das prioridades, das relações de subordinação que devem, constitucionalmente, existir entre uma realidade e outra. Este fenómeno de desvalorização do Plano chegou a pontos do absurdo, a partir do momento em que a Assembleia da República, sob o anterior Governo, acabou por aceitar a discussão e votação do Orçamento sem qualquer enquadramento económico global efectuado por Grandes Opções do Plano, que não lhe foram submetidas anualmente, como era obrigação governamental.

Em segundo lugar, e um tanto contraditoriamente com o que poderia julgar-se ser este financismo vigente, verifica-se outro fenómeno de perversão que se reveste da maior perigosidade em termos de futuro. Refiro-me à total divergência de caminhos (não são sequer caminhos paralelos, porque esses ainda se encontrariam no infinito, mas absolutamente divergentes) entre o planeamento constitucionalmente instituído e as estruturas e instrumentos do planeamento realmente existentes. Enquanto a Assembleia aprova umas GOPs cujo incumprimento é manifesto, enquanto não há Plano a título nenhum, o Governo em funções enveredou pela opção de preparar - diz-se que até ao fim do ano - aquilo a que chama um PRO.DES.RE.DI, um "programa de desenvolvimento económico e social regionalmente diferenciado", que não é sequer para um período limitado, é para o período 88/92. Nem mais nem menos! No âmbito desse PRÓ.DÊS.RE.D, devem ser elaborados - completamente à revelia da Assembleia da República e completamente em desarticulação com o Orçamento do Estado e as respectivas elaborações (a não ser aquelas que resulta, ano a ano, do que calhar e do que o Governo entender, presume-se) - um relatório de estratégia e grandes opções de médio prazo que deve incluir perspectivas de evolução macroeconómica, cenários de evolução até 1992 dos níveis de desenvolvimento português e comunitário, com vista a perspectivar as possibilidades de convergência, previsões de financiamento (sic), incluindo a orientação sectorial do investimento público e as contrapartidas nacionais a financiamentos comunitários, definições das orientações estratégias do PDR (Plano de Desenvolvimento Regional) e até dos programas operacionais sectoriais, etc.... O grupo encarregado de elaborar este documento deve concluir tudo isto daqui a uns tempos, como anunciou o Governo, mas nada é suposto passar pela Assembleia. De facto, o PRO.DES.RE.DI. será enviado para apreciação de dois distintos professores norte-americanos, um dos quais Prémio Nobel (o outro nem tanto), e a colaboradores do Governo português, mas à Assembleia da República não. O PRD será apresentado em Bruxelas, segundo o Governo revela, até ao final do ano (sic), para que, "logo em 1989", possa ser negociado o quadro comunitário de apoio a Portugal susceptível de contemplar 1300 a 1500 milhões de contos no período de 1988-1992. Tudo isto à revelia da Assembleia da República e a latere dos mecanismos de planeamento democrático previstos na Constituição, os quais, nesta óptica, existirão para enfeitar uma arquitectura constitucional inteiramente desvitalizada. Eis a perspectiva governamental!

Há propostas pendentes nesta Comissão para, de certo modo, dar resposta a este divórcio absoluto e brutal entre "o sítio onde o Governo põe o ramo" e "o sítio onde põe o vinho" (em matéria de planeamento naturalmente). No entanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio que a situação que descrevi representa não só uma perversão radical do nexo constitucional entre o Orçamento e o Plano, como uma forma já não de desplaneamento mas de "planeamento paralelo" em condições que contrariam abertamente a Constituição e visam criar uma situação de facto consumado, susceptível, designadamente, de pressionar, de forma brutal, o processo de revisão constitucional, no sentido de o tornar apenas o instrumento que carimbe este estado de coisas.

Gostaria, também, de sublinhar que um dos arautos que no congresso do PSD se pronunciou sobre a matéria geral da revisão constitucional omitiu, delicada e asisadamente, este aspecto. Não me refiro ao Sr. Deputado Rui Machete, nem ao Dr. Alberto João Jardim, mas sim ao Prof. Rebelo de Sousa, que, noutra ocasião, alertou, num douto artigo dedicado a esta matéria e publicado no volume sobre as Jornadas sobre Direito Constitucional da Faculdade de Direito de Lisboa, para o facto de a prática seguida nos últimos anos nesta matéria ter vindo a fazer avultar o Orçamento em detrimento da Lei do Plano anual, coisa contrastante com a inserção do Orçamento do Estado na Constituição económica (cito saborosamente) "mesmo com um regime capitalista que não impede a exercitação do papel do Plano com o conteúdo que se encontra previsto na Lei Fundamental". Isto é uma evidência, mas é saboroso que a evidência seja dita por quem acabei de referir. Apenas gostaria de aditar, de minha própria lavra, que esse divórcio é, neste momento, chocante a todos os títulos, uma vez que leva a que o Governo dite à Assembleia opções de planeamento e opções financeiras (o financismo vigente é, pois, aparente: há opções de planeamento, só que tomadas em estruturas paralelas e impostas à Assembleia da República). A revisão constitucional deveria servir também para pôr termo a tal divórcio, no bom sentido e não no mau. Não foi por acaso que quis evidenciar todas as notícias que ultimamente têm sido dadas sobre o famoso PRO.DES.RE.DI: esse divórcio é deliberada,