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1388 II SÉRIE - NÚMERO 44-RC

prejuízo em termos de trabalho legislativo, garantindo até medidas de harmonização que impeçam, por exemplo, o monopólio dos debates na Assembleia por iniciativas puramente governamentais, como hoje se verifica (as mais das vezes sob forma de autorização legislativa). Se o legislador souber fazer tudo isto, nenhum risco de colisão se verificará e acontecerá uma conjugação correcta, harmoniosa, entre a intervenção directa dos cidadãos e o funcionamento normal das instituições representativas.

Eis o que tem sido possível noutras ordens jurídicas! O Sr. Deputado Carlos Encarnação tem o dever ético de não ser um cultor apenas da dogmática jurídica e interessar-se, pelo menos vagamente, pela sociologia jurídica. Pois peça três ou quatro dados sobre a aplicação do artigo 87.° da Constituição espanhola, e verificará quais têm sido os casos em que ele tem sido aplicado, apreciará o debate, extremamente interessante, dos aspectos procedimentais nas Cortes, suscitados pela tramitação destas iniciativas, os recursos de amparo originados. É um apaixonante tema, que revela que, embora o número que citou seja um número polémico, e foi-o historicamente na experiência espanhola, a realidade espanhola não foi a de uma sepulcral não utilização do instituto. E há outros afloramentos do problema (que, pura e simplesmente, não me caberia transmitir-lhe nesta sede, porque, como bem sublinhou, não seria essa a minha função) que, com as adaptações adequadas, poderiam ser igualmente fecundos entre nós.

Em relação às questões suscitadas pela Sra. Deputada Assunção Esteves e pelo Sr. Deputado Almeida Santos, creio que fizeram ambos as interrogações clássicas nesta matéria, A primeira é a interrogação em torno da "suficiência" ou "plenitude" das iniciativas legislativas constitucionalmente consagradas. Cifra-se normalmente na interrogação: "Mas então não há já iniciativas que cheguem?" E segue assim: "Nem a Câmara tem verdadeiramente a vis necessária para dar vazão às iniciativas que há." "Os deputados vêem aglomeradas nas gavetas parlamentares as suas meritórias iniciativas legislativas". E digo eu: "As assembleias regionais, por último, até já as vêem, pura e simplesmente, não admitidas pelo Presidente da Assembleia da República, e a maioria recusa-se a fazer outra coisa que não seja confirmar esse tipo de rejeições - há, neste momento, um bloqueamento da iniciativa legislativa das regiões autónomas com indeferimentos liminares depois corroborados pela maioria parlamentar!" Srs. Deputados: a "suficiência" das iniciativas legislativas, neste momento, deve ser lida sempre com um pouco de proviso e de pimenta, uma vez que há práticas perversas em proliferação acelerada. Creio que essa interrogação é um sofisma, porque à chacun sa place: é evidente que há um lugar para a iniciativa dos deputados e há um lugar para a iniciativa do Governo - que, como se sabe, é gordo .e acentuadamente prolífico -, e deveria haver também lugar para a iniciativa legislativa popular. É essa a nossa ideia, que nos parece tanto mais fundada quanto nem sequer dizemos a dimensão da gaveta, do lugar onde a iniciativa legislativa popular deveria alojar-se. É deixada essa opção ao legislador ordinário com a sua sageza, tão incensada pelo PSD.

Coloca-se aí a segunda questão da Sra. Deputada Assunção Esteves: "Os anseios ou pretensões dos cidadãos não encontram já adequada vazão?" Srs. Deputados, esta é uma interrogação que oculta a necessidade de fazermos o teste da realidade nesta matéria. Só há verdadeiramente uma forma de se saber isso: é consagrar a norma e ver os resultados. Não me refiro às questões de produtividade do Parlamento, que motivaram ontem mais um descontrole do Sr. Primeiro-Ministro à saída de Belém, com críticas à suposta "falta de produtividade" da Assembleia e outras diatribes críticas ao funcionamento do Parlamento. Não entro sequer na reflexão sobre a medida em que a Assembleia, na sua produção legislativa, satisfaz os anseios e pretensões dos cidadãos - desconfio que os cidadãos, em particular os trabalhadores, não estão muito satisfeitos com o facto de o PSD satisfazer a pretensão patronal de liberalizar os despedimentos. Mas, mesmo entrando em linha de conta só com o facto de haver, seguramente, petições que sejam apenas iniciativas legislativas frustradas (há aí petições - até nesta Comissão de Revisão Constitucional - que são uma forma de veicular verdadeiras iniciativas legislativas - refiro-me concretamente à petição apresentada pelo MDP/CDE em matéria de revisão constitucional), porquê não fazer o teste da realidade?

Isto me conduz à última das questões da Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves: "Mas, se a lei não definisse condições adequadas para a iniciativa, estaríamos perante uma inconstitucionalidade por omissão?" Depende. Isto é, nuns casos poderia haver inconstitucionalidade por omissão, noutros casos poderia ser inconstitucionalidade material, pura e simplesmente. Podem situar-se dois tipos de hipóteses: nuns casos a abstenção total de legislar, noutros casos não haveria abstenção de legislar, mas uma legislação que não daria satisfação mínima ou desarticularia ou inviabilizaria a própria efectivação do mecanismo. Creio que se nós consagrássemos uma medida destas, um tipo de iniciativa com este cunho, então haveria que se retirar disso todas as ilações, incluindo as situadas no plano da inconstitucionalidade.

Não seria, em todo o caso, possível sustentar, como aqui foi sustentado, que estão repletas e satisfeitas as possibilidades de dar resposta aos anseios e pretensões dos cidadãos pelas iniciativas legislativas "clássicas", e sustentar ao mesmo tempo que é melhor não consagrar este instituto, porque a lei poderia defraudar ou, pura e simplesmente, não acautelar, na prática, a sua efectivação, o que teria consequências. Bizarro argumento!

Em suma: Entendo que deve ser consagrado o instituto, com todos os efeitos jurídico-constitucionais.

Também as interrogações do Sr. Deputado Almeida Santos são as interrogações clássicas.

O Sr. Presidente: - Eu sou um pouco clássico!...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Lamento dizer que também receberá a resposta clássica nessa matéria.

O Sr. Presidente: - Qual é?