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17 DE OUTUBRO DE 1988 1389

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não vejo que seja possível sustentar que, respeitadas as adequadas cautelas, a proposta do PCP bula no que quer que seja com o papel dos partidos.

O Sr. Presidente: - Cautelas quer dizer riscos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Para que serve o direito se não para isso! Não se diga é que o PCP reforça o caciquismo ou que a proposta promove interesses de grupo.

O Sr. Presidente: - Ai não, não reforça o caciquismo! Transforma o cacique em legislador. E depois diga que não reforça!

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado Almeida Santos está agarrado ao famoso missing link dos estudiosos da origem das espécies. O Sr. Deputado Almeida Santos dá um salto entre o elo n.° 1 e o elo n.° 10! Ou seja: está agarrado a um elo inexistente, dá um salto no vazio.

O Sr. Presidente: - Não dou, não! O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá!

O Sr. Presidente: - Não dou! Considere isto: um cacique com iniciativa legislativa é um cacique reforçadíssimo, que põe a sua proposta de lei a recolher a assinatura de todos os seus trabalhadores, todas as pessoas a quem emprestou dinheiro, todas as pessoas sobre quem tem influência, e toma uma iniciativa para defender um interesse próprio, quando muito um interesse de um pequeno grupo, que não tem nada a ver com o interesse nacional. Isto é uma evidência potencial, e a prova disso é que a iniciativa legislativa difusa é rara nas democracias. Quando se consagra, ou se exigem, 500 000 mil assinaturas, ou se lhe põem tais travões, no fundo, é querer consagrar uma coisa e, ao mesmo tempo, evitá-la. Então tenhamos a coragem de a evitar.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, essa é uma argumentação deveras grandíloqua e nobre. Só que, por azar, o PS propõe no artigo 52.° uma coisa que conduz ao mesmo.

O Sr. Presidente: - Oh, tão diferente, tão diferente! É um substitutivo razoável do valor que está aqui em causa! Democracia participativa - excelente! Mas sem destruir o princípio da representação. £ a regra das democracias: o povo escolhe os seus representantes e exerce a sua vontade através deles. Com a vossa proposta os partidos ficariam reduzidos a bem pouco e seriam confrontados com problemas gravíssimos, porque, às tantas, toda uma região defendia um ponto de vista e era depois difícil a Assembleia recusar-lhe aprovação, porque vinha com milhares de assinaturas. É claro, se queremos instituir a "bagunça", é um excelente sistema para a instituirmos; se queremos continuar a dignificar os partidos, as instituições, o princípio da representação proporcional, a querer desestimular cada vez mais o caciquismo no que tem de mau, prenso que é uma proposta arriscada. Mas, enfim, o Sr. Deputado tem opinião contrária, eu respeito-a. Não duvido da boa intenção que está na base da vossa proposta.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É óbvio! Mas não só isso. Creio que é francamente exagerado, embora possa ser frontal, investir com tanta intensidade e lhaneza contra uma proposta do tipo da do PCP com argumentos aplicáveis, pelo mesmo critério, à proposta do PS,...

O Sr. Presidente: - Normalmente não se é tão franco. Eu tenho este raro defeito!...

O Sr. José Magalhães (PCP): - ... com argumentos que são susceptíveis de ser recanalizados provavelmente para o terreno próprio. Saberá o Sr. Deputado Almeida Santos perfeitamente que, se vamos encarar as coisas na óptica de grupos de pressão, de lobbies, de caciques, é evidente que todos os argumentos que o Sr. Deputado Almeida Santos usou em relação a esse meio prolífico que envolve actividades organizai i vás de cidadãos podem ser usados junto de deputados e através de deputados. Mais facilmente, até: um deputado é um, as assinaturas têm de ser mil!

O Sr. Presidente: - Os males inevitáveis; nós adaptamo-nos e reagimos contra eles da forma possível. Criar outros é que...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas o que eu não percebo é por que é que havemos de transformar a iniciativa legislativa popular em pára-raios condensador de todos os malefícios das sociedades plurais, de toda a espécie de conflitos e de toda a espécie de elementos, patológicos ou não, que gravitam na sociedade, incluindo os grupos de pressão, os caciques dos mais diversos tipos.

O Sr. Presidente: - Porque a democracia moderna é fundamentalmente representativa e não directa. Por alguma razão passou a ser assim. Deixou de ser "assado" e passou a ser assim.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas não foi esse o argumento que o Sr. Deputado utilizou. Usou, sim, o argumento da "perturbação" do papel dos partidos no sistema político e a sua eventual ultrapassagem.

O Sr. Presidente: - Isso seriam as consequências da alteração da qualificação da democracia. Passaria a ser directa, com todas as consequências que as democracias modernas rejeitam. Podemos regressar ao adro, sentarmo-nos de novo no chão e dizermos o que é que queremos para a freguesia ou para o concelho. Podemos voltar a isso!...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, permita-me que conclua. É que não é nada disso que propomos, a título nenhum...

O Sr. Presidente: - Eu sei. Mas as caricaturas são esclarecedoras.