O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1860 II SÉRIE - NÚMERO 58 - RC

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - ... de que eu tenha de pensar duas vezes em votar essa proposta. Depois votarei com toda a coragem, esteja descansado!...

Vozes.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, compreendo que tenha algumas dificuldades ou alguns engulhos se ficar amarrado a uma determinada interpretação. Mas não é isso que acontece: as normas valem objectivamente por si. E reparará o meu Exmo. Amigo o seguinte: a democracia participativa pode ser uma via para várias coisas muito deferentes, para aquilo que depende da participação, e pode ser constituída através dela - é mais um aspecto de processo do que de resultados materiais concretos a obter.

Já é diferente no que diz respeito à democracia económica, social e cultural, mas compreendo que possamos ter ideias um pouco diversas sobre o que é a democracia económica, social e cultural na perspectiva de cada um dos programas partidários, ou na perspectiva de cada uma das pessoas. Simplesmente, alguns dos valores fundamentais da democracia económica, social e cultural serão certamente partilhados por todos os democratas, o que é suficiente para dizer que esta norma constitucional não é uma norma apropriada por nenhum dos partidos políticos. Foi nesse sentido e com essa intenção - de resto, devo dizer que creio ter sido o autor material da proposta do PSD neste capítulo - que a redigimos e é com essa intenção que a mantemos e que a votaremos; depois, por hipótese, alguém fará uma interpretação diversa. Resta saber se, do ponto de vista da hermenêutica, essa interpretação é consentânea com aquilo que está escrito na Constituição. Mas que cabem lá também as concepções do PS, cabem certamente. É essa a nossa intenção: que possam caber intenções de todos aqueles que respeitem os princípios básicos da democracia.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que o debate que procurei suscitar com a pergunta ao Sr. Deputado Nogueira de Brito...

O Sr. Presidente: - Com êxito, pelos vistos!...

O Sr. José Magalhães (PCP): - ... foi produtivo. Apenas se arrisca a ser um pouco repetidor de evidências. Até agora, nunca vi alguém suscitar que a Constituição da República Portuguesa, na sua matriz de 1976 e, seguramente, no texto posterior a 1982, instaurasse em Portugal um governo operário e camponês, ou um Estado socialista de todo o povo, ou uma ditadura do proletariado, ou uma democracia popular na sua conformação hitoricamente conhecida ... Se alguém há-de buscar um conceito para a Constituição Portuguesa de uma sociedade em transformação, é aquela que a própria Constituição estabelece, designadamente nos artigos que aqui foram referidos (nos artigos 1.°, 80.°, 81.°, 86.° e por aí adiante), desembocando numa sociedade sem classes, a que se pode chamar justamente sociedade mais justa, mais livre e mais fraterna, que será precisamente aquela onde não haja opressão de classe.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, recordo que desembocava numa sociedade sem classes "através do exercício do poder político pelas classes trabalhadoras...". Se isto não é a vulgata marxista...

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Presidente está a falar da Constituição de 1976 na redacção originária. No seu excurso, o Sr. Presidente estudou profundamente a Constituição, mas não estuda há muitos anos o programa partidário do PSD. A teoria que o Sr. Presidente expôs para a Constituição da República aplicar-se-á porventura com proveito e razão ao programa partidário do PSD, que está inçado dessas "abomináveis" manifestações colectivistas e marxistas, inçado de referências ao capitalismo como coisa ominosa, horribile dictu, e inçado de referências ao socialismo como futuro de todos nós...

O Sr. Presidente: - Parou no Bernstein, mas não tem nem Lenine, nem Estaline, nem Krutchev, nem Gorbachev...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Seguramente que não sigo o exemplo do Sr. Primeiro-Ministro, que dorme com Bernstein à cabeceira.

Em todo o caso - e era esta a minha observação - não tem nenhuma razão, Sr. Presidente, para entender que está na proposta do PS aquilo que não está. Aquilo que o Sr. Deputado Alberto Martins aqui veio sustentar, para explicitar o alcance basilar da proposta do PS, distingue-se, quase ponto a ponto, da concepção expendida e fundamentada no início desta reunião plenária em nome da bancada do PSD. Distingue-se no sentido finalista, distingue-se na dinâmica transformadora, distingue-se na ideia de que o Estado na sua conformação actual não é uma realidade imutável, mas sim uma realidade que deve sofrer um aproveitamento, distingue-se quando procura estabelecer um nexo identificativo entre ò que está e o que o PS propõe que se mantenha. O PSD rejeita isso abertamente e o mistério é apenas o de saber como é que vota: se vota novamente "enganadinho", se vota outra vez com reserva mental, como aconteceu em 1976 e em 1982. Mas que se diga que as propostas são a mesma coisa, não são: o debate de agora provou-o cabalissimamente. Se os senhores se entendem para redigir uma terceira proposta, se o compromisso decorrente do acordo, na parte em que não haja caducado, é válido também para conduzir a um outro texto referente à definição de Estado de direito democrático, não sabemos.

Em todo o caso, o que este debate prova clarissimamente é a dimensão e a natureza da proposta do PS. E se nós lamentamos que, relativamente à transição para o socialismo, a proposta aponte para aquilo para que aponta, de forma distinta da sua conformação actual, não seremos suficientemente estultos para a confundirmos com propostas que implicariam uma desfiguração visceral e total do mandato constitucional, da opção basilar constitucional em relação a este ponto. Era essa não confusão e não identificação que gostaria de aqui sublinhar. O Sr. Deputado Nogueira de Brito confirmou, de forma claríssima, a contrario, aquilo mesmo que eu vinha afirmando.