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22 DE OUTUBRO DE 1988 1525

caudal de uma sociedade que evoluiu mas à qual resta ainda algo que é preciso extirpar. É sabido que este é um sentimento presente na generalidade das forças políticas com assento parlamentar, uma vez que há vários projectos que apontam, para já, nesta fase, para a restrição do âmbito das competências dos tribunais militares. Por outro lado, tal como referiu o Sr. Deputado Jorge Lacão, a Constituição de 1976 proporcionou a inversão da orientação seguida há cerca de 100 anos, ou seja, a jurisdição militar exercia-se sobre o foro pessoal e não sobre o foro material, como começou a ser feito depois da entrada em vigor do texto constitucional de 1976.

Pela nossa parte, pensamos ser chegada a altura de dar neste caso três passos - e não apenas um, conforme é proposto pela maioria dos grupos parlamentares. Entendemos que nesta fase, passados já alguns anos de consolidação democrática, até mesmo com a possibilidade de seguir o exemplo de outros países democráticos da Europa que já o fizeram, perderemos, se não o fizermos já, a oportunidade de eliminar este corpo estranho à nossa democracia, este esquema paralelo de administração da justiça, onde com frequência a justiça se confunde com a disciplina militar, onde resultam situações, na maior parte dos casos, de perfeita injustiça. Imaginemos a situação de um indivíduo que entra em litígio com a estrutura militar: jamais conseguirá que lhe dêem razão, uma vez que a própria estrutura militar é juiz em causa própria. Do nosso ponto de vista, tal não é admissível, de forma nenhuma! Aliás, este não é só o nosso ponto de vista: vários sectores da sociedade portuguesa têm manifestado o seu interesse em ver eliminados, ainda que progressivamente, os tribunais militares; fizeram-no já, designadamente, alguns sectores das Forças Armadas. Em contrapartida, deve dizer-se que há outros sectores que trabalham afanosamente no sentido do regresso à situação anterior à Constituição de 1976, ou seja, no sentido de que a jurisdição se exerça novamente sobre o foro pessoal. Mas deve dizer-se também que entidades como o sindicato dos magistrados se pronunciaram, em documento enviado a esta Comissão, inequivocamente a favor da extinção ou, pelo menos, da redução do âmbito das competências dos tribunais militares.

Esta discussão deve ser feita, no mínimo, à luz do objectivo (que, penso, começa a ficar claro para todos) de, nesta ou na próxima revisão, o mais tardar, este corpo estranho ou apêndice ser extirpado definitivamente, para que a nossa sociedade seja uma sociedade democrática, com a separação de poderes que a Constituição impõe, mas em que um dos órgãos de soberania não tenha uma estrutura paralela que, em nosso entender, ainda por cima, colide frontalmente com o disposto nos artigos 205.° e 208.° da Constituição. Colide com o artigo 205.°, que refere que os tribunais agem em nome do povo, porque este tribunal militar age em nome de uma parcela do povo. Colide com o artigo 208.°, que consagra a independência dos tribunais, porque, para nós, em caso nenhum se poderá invocar a independência de um tribunal militar, porquanto a nomeação dos juizes é feita pelas estruturas militares, com a excepção honrosa do território de Macau, onde os magistrados nomeados pelo Conselho Superior da Magistratura podem cumulativamente exercer funções nos tribunais militares - mas isto é apenas a excepção que confirma a regra.

Por todas estas razões, por causar mal-estar, muitas vezes, o facto de a justiça ser administrada por cidadãos que não têm qualquer tipo de preparação jurídica, aos quais apenas a sua qualidade de patentes militares lhes dá o direito de administrar justiça, esta situação é, quanto a nós, uma autêntica aberração, pelo que deve desaparecer do nosso texto constitucional e, como tal, desaparecer da sociedade.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Secretário Carlos Encarnação.

O Sr. Presidente (Carlos Encarnação): - Não propriamente a tratar do assunto "tribunais militares", enquanto existência de tribunais militares, mas mais precisamente da sua competência, já fizemos (ou já ouvi fazer) algumas referências, alguns artigos atrás, quando se tratou da alínea é) do artigo 212.° De modo que, nesta altura, o que estamos a ver é fundamentalmente a questão da competência.

O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Porque não pude participar na discussão do artigo 212.°, aproveitei esta ocasião para referir o assunto.

O Sr. Presidente: - Penso que estamos a seguir a ordem de apresentação das várias propostas, portanto, nestes termos, a proposta a ser apresentada a seguir seria a do PRD.

Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - A propósito do artigo 212.°, já tive oportunidade de tentar justificar a proposta do PRD a este respeito, em termos que não são substancialmente diversos daqueles que foram agora formulados pelos Srs. Deputados Jorge Lacão e Raul Castro. Portanto, vou simplesmente aderir, no essencial, às justificações já apresentadas.

Queria apenas salientar, em relação ao comentário do Sr. Deputado Herculano Pombo, que o problema dos tribunais militares e da sua subsistência é um problema que existe, mas diria que não há condições políticas, a meu ver - embora ache muito bem que um partido como o PEV o proponha -, para suprimir os tribunais militares. Alguns passos se deram no sentido de cingir os tribunais militares a certo domínio, seja o que resultou da interpretação do Tribunal Constitucional, no sentido de que tinha, na revisão de 1982, sido impedido que os tribunais militares funcionassem como tribunais de contencioso administrativo, seja agora a exclusão do n.° 2, que, aliás, não alterará substancialmente o que está na prática, mas impedirá tentações que podem ser perigosas.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Secretário José Magalhães.

O Sr. Presidente (José Magalhães): - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Fiquei um pouco perplexo com a chamada de atenção para a ordem de trabalhos. A minha intervenção é apenas uma pequena nota, mas estou tentado a faze-la, sem prejuízo de, eventualmente, repetir uma outra questão que terá sido referida. Mas serei breve, de qualquer forma. Queria fazer uma chamada de atenção para a composição do tribunal militar: já que a discussão incidiu no domínio