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1526 II SÉRIE - NÚMERO 49 -RC

do tribunal militar, eu faria uma chamada de atenção para a sua composição, levantando uma questão que hoje, na doutrina, começa a ser levantada e que é a da constitucionalidade da composição dos membros do tribunal militar, uma vez que este é um tribunal, de acordo com a disposição constitucional, e não há garantias, em função da natureza da designação dos juizes e da sua vinculação hierárquica, de que eles sejam independentes nos termos exigidos pela Constituição. Isto tem mais a ver não tanto com o que está dito na Constituição, mas com aquilo que é proclamado hoje em lei ordinária; contudo, esta chamada de atenção pode ser útil, se não foi já feita até agora, e pode, se não houver veleidades excessivas quanto ao propósito desta declaração, ter um efeito positivo, em termos de legislação a apurar no futuro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pais de Sousa.

O Sr. Pais de Sousa (PSD): - Também para deixar uma nota, e em nome do PSD, diria o seguinte: o artigo 218.°, agora em apreciação, omite a competência dos tribunais militares para lá dos chamados "crimes essencialmente militares". De facto, o n.° 2, que é objecto de várias propostas de eliminação, permite que sejam confiadas a esses tribunais diversas matérias, existindo tão-só o mito de se tratar de crimes dolosos, e não meramente culposos. Seguramente, não é fácil descortinar critérios de equiparação aos crimes contra a segurança do Estado. A ausência de critérios claros permitiria que os tribunais militares julgassem, por exemplo, os crimes políticos? O n.° 2, no fundo, refere-se a uma equiparação que não foi objecto, até hoje, de legislação regulamentadora. Sabe-se que se trata de uma autorização constitucional não utilizada. Há, todavia, o Decreto-Lei n.° 145-B/77, de 9 de Junho, diploma transitório, que equiparava aos crimes essencialmente militares os ilícitos a que se refere o Decreto-Lei n.° 207-A/75 e a que se referiam os artigos 167.° a 174.° do Código Penal então em vigor. No fundo, este n.° 2 refere-se ao alargamento da jurisdição dos tribunais militares, alargamento que teria sempre de assentar na equiparação material de crimes, sendo certo que tal equiparação só poderá ser feita pela própria Assembleia da República, dado que se trata de matéria da competência exclusiva deste órgão de soberania. É uma questão delicada. Sabe-se que, na prática, já foram abolidos do foro militar os chamados "crimes subjectivamente militares"; pensamos que isso também foi feito já em nome do próprio Estado de direito democrático. Dizia eu que é uma norma delicada, dado que há aqui um risco de utilização abusiva, mas que nunca foi de alguma forma utilizada; é uma norma instrumental e talvez não seja totalmente despicienda, se pensarmos na eventualidade do chamado "crime organizado". Penso que é este enfoque que interessa, neste momento, realçar - é o caso das chamadas "acções armadas contra a segurança do Estado". Dir-se-á que isto colide com os princípios do Estado de direito democrático? Todavia, é necessário ter em conta o seguinte: tal equiparação só será possível com o assentimento do legislador ordinário; é necessário que haja motivo relevante; no fundo, é uma faculdade não discricionária; por último, é necessário que haja interesse público, e contaremos sempre com a intervenção eventual do órgão de controle da constitucionalidade da lei. Diria que o problema é, em última análise, uma questão de natureza política.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Pensava eu que a componente militar da defesa nacional - e que isso já estivesse totalmente adquirido, em termos tanto de letra constitucional como de espírito constitucional - significasse que as Forças Armadas, à excepção única dos regimes do estado de sítio e de emergência, ou para meros efeitos de protecção civil, não teriam qualquer outra função no domínio da segurança interna.

Acabo de ouvir dizer ao Sr. Deputado Pais de Sousa que os tribunais militares, designadamente, poderiam conhecer no seu foro determinado tipo de crimes dolosos, designadamente aqueles que resultassem, pela sua especial perigosidade, na afectação da segurança do Estado, Isso significava revocacionar as Forças Armadas para os problemas da segurança interna e quero dizer ao Sr. Deputado Pais de Sousa que, ou ele não terá reflectido suficientemente sobre as implicações do que acabou de referir, ou é uma contradição a conclusão que estabeleceu relativamente aos pressupostos iniciais da sua própria argumentação.

O que fará sentido é procurar circunscrever a natureza dos crimes militares, por forma que, justamente, não caiba no foro militar tudo aquilo que tiver a ver com o julgamento de ilícitos, tenham a natureza que tiverem, desde que a afectação da segurança do Estado se relacione com a segurança interna e não com segurança ou agressão externas. Ora essa destrinça, que me parece essencial, não foi feita pelo Sr. Deputado Pais de Sousa, e daí que poderíamos reintroduzir pela janela aquilo que - pensava eu - já teríamos lançado definitivamente pela porta, ou seja, a possibilidade institucional de as Forças Armadas terem intervenção no domínio da segurança interna.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pais de Sousa.

O Sr. Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, queria apenas dizer o seguinte: o debate situa-se num plano meramente teórico e formal e, consequentemente, tudo dependerá do legislador ordinário. A questão que o Sr. Deputado me colocou - se de questão se tratou - não foi formulada no condicional, por acaso...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Mas, Sr. Deputado, a questão ainda se torna mais grave, uma vez que o Sr. Deputado, em resposta, me vem dizer que tudo dependerá da legislação ordinária. Então o Sr. Deputado admite que fique no domínio do legislador ordinário, numa lei que, ainda por cima, nem sequer teria qualquer estatuto reforçado, a possibilidade de revocacionar o papel das Forças Armadas não para a defesa militar da República, mas para garantir a segurança interna? É isso que o Sr. Deputado Pais de Sousa está a admitir como uma prerrogativa do legislador ordinário? Era bom que isso ficasse clarificado.