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5 DE DEZEMBRO DE 1988 1903

Gostaria também de referir algo sobre o qual não acompanho o Sr. Deputado José Magalhães. Julgo que a Constituição deve consagrar aquilo que é absolutamente indipensável e não se imiscuir em debates doutrinais complexos, relativos a questões ainda muito em aberto e sobre as quais, como, aliás, muito bem referiu, V. Exa. encontra posições díspares não apenas de autores de diferentes nacionalidades mas de autores nacionais para autores nacionais e, até, interpretações diferentes da jurisprudência nacional de cada um dos países.

Consequentemente, se bem que compreenda o interesse com que V. Exa. se debruça sobre este problema - aliás, acompanho-o nesse interesse -, gostaria no entanto que nos limitássemos àquilo que seja fundamental para a compreensão e avaliação da proposta socialista e, portanto, para, em última análise, nos decidirmos perante ela. Salvo se V. Exa. tem a intenção (que, aliás, não lhe pretendo coarctar) de apresentar propostas mais vastas nesta matéria, caso em que seria muito vantajoso podermos, porventura, aguardar a respectiva formulação para, de uma maneira mais amadurecida, nos pronunciarmos sobre elas.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Muito sucintamente, iria ater-me a dois pontos fundamentais, o primeiro dos quais é concordar com o Sr. Deputado José Magalhães em que a proposta do PS não abre portas para nenhum outro mundo, embora, de certeza absoluta, o Sr. Deputado José Magalhães e eu estejamos em profundo desacordo sobre quais sejam as portas que para esse outro mundo já hoje estão abertas pela Constituição e pelo ordenamento jurídico português.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Sr. António Vitorino (PS): - A lógica da intervenção do Sr. Deputado José Magalhães era a seguinte: sobre o primado, nenhuma porta aberta, e esta também não a abre. A minha posição é contrária e está expressa num escrito que, há tempos atrás, publiquei: sempre defendi que o primado era uma "questão existencial" do próprio direito comunitário, uma decorrência normal do facto de pertencermos a uma organização com as características de uma organização supranacional como são as Comunidades Europeias e uma condição fundamental de operatividade do ordenamento jurídico comunitário no seu conjunto. É a delimitação das condições de efectivação do primado do direito comunitário face ao direito interno que, em meu entender, é susceptível de interpretações mais amplas ou mais restritivas a cargo dos órgãos de soberania, sobretudo dos tribunais e, desde logo, do próprio Tribunal Constitucional.

Mas trata-se da minha concepção pessoal, mera doutrina pessoal, e o PS, como é evidente, não está suposto de ter doutrina feita ex cátedra sobre o primado do direito comunitário, na medida em que julgo que não se deve exigir aos partidos políticos a função de "intelectuais orgânicos" das grandes questões do direito e da jurisprudência. Assim, é inútil tentar amarrar o PS a esta ou àquela interpretação doutrinária de um deputado do PS que, por acaso, tem uma posição pessoal sobre essa matéria, neste caso, até não coincidente com a posição defendida pelo Sr. Deputado José Magalhães.

Não creio que o direito comunitário esteja também tão decrépito quanto faria pensar a citação que o Sr. Deputado José Magalhães leu. Todos os tribunais constitucionais europeus, designadamente o alemão e o italiano, que no passado defenderam, por exemplo, a primazia do direito interno, inclusivamente o direito constitucional, sobre o direito comunitário, vieram, progressivamente, a recuar nas suas posições, por imposição das decisões do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Esse é, digamos assim, o apport mais recente, e creio que desde há cerca de dois ou três anos não existe nenhuma sentença de nenhum tribunal constitucional europeu que mande não aplicar uma norma de direito comunitário com fundamento em violação da Constituição do respectivo Estado membro. Mas também reconheço que não se trata de uma situação consolidada, e não estou a dar este estádio como adquirido, mas, sim, a defender que deixemos a flexibilidade da vida encarregar-se do esclarecimento das evoluções e das involuções deste tipo de problemas e que não coloquemos também, à partida, nenhumas baias rígidas.

Há questões que me preocupam mais, como seja a subversão do quadro constitucional de competências dos órgãos de soberania, provocada pela transferência de competências em benefício dos órgãos comunitários - e aí estou de acordo com o Sr. Deputado José Magalhães -, isso preocupa-me, de facto, tal como me preocupa a entropia das formas de decisão das instâncias comunitárias e a confusão que essa situação lança sobre o próprio direito comunitário, que é um direito nascente, hesitante, em que a tipificação das normas está por fazer, em que está por determinar a sua conformação jurídica, em termos de natureza e em termos de eficácia total. Todas estas questões me preocupam, mas fazem parte do caminho da construção europeia. Não há Constituição que possa impor baias ou balizas a essa evolução, uma vez aceite o princípio de pertencer à Comunidade.

A solução radical é sair das Comunidades, e, nesse aspecto, a Sra. Thatcher tem toda a razão num discurso político claríssimo em que sublinhou os vícios, os riscos e as prevenções que perfilha sobre a construção europeia. O que é a dinâmica futura do direito comunitário neste momento? Não posso responder com toda a segurança por ela. Por exemplo, seria útil meditarmos na sentença de 15 de Outubro de 1976 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias num caso da Comissão contra a Itália sobre a liberdade de estabelecimento, onde, por exemplo, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias vai ao ponto de determinar que a mera inaplicacão da norma interna contrária ao direito comunitário não é já suficiente para satisfazer a obrigação que os tratados constitutivos postulam de os Estados membros acatarem o direito comunitário e postula que da decisão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias resulta uma verdadeira e própria obrigação para os Estados membros de derrogarem a norma interna contrária ao direito comunitário, pelos meios processualmente adequados no plano constitucional de cada um desses Estados. É a sentença mais recente de que tenho conhecimento sobre esta matéria e que visa, exactamente, responder ao problema - cito - "da frágil operatividade do prin-