10 DE OUTUBRO DE 1992 127
Em segundo lugar, não é rigoroso que a problemática regional não aflore no debate desta revisão constitucional através de outras vias que não esta. Creio que é extremamente importante que, saudando-se o aparecimento desta ideia de revisão constitucional não se deixe de assinalar simultaneamente que temos entre mãos a questão colocada pelo projecto de revisão constitucional, do PS, qual seja o da forma de legitimação dos representantes portugueses e do poder local português na estrutura representativa regional a criar por força do Tratado de Maastricht.
Essa é uma questão relevante para o regionalismo em Portugal, é uma questão que põe em causa a intervenção dos órgãos de soberania portugueses no processo, cujo resultado final é de facto determinante para que Portugal se apresente nesse novo organismo com um rosto, não apenas representativo em termos jurídico-formais mas o mais amplamente legitimado que seja possível conceber. E, nesse sentido, a proposta apresentada pelo PS em torno do artigo 167.°, mas não obrigatoriamente com essa sede, é, no plano imediato, provavelmente mais a determinante para o futuro da representação regional portuguesa.
Em terceiro lugar, tudo aquilo que dissermos sobre uma futura estrutura que, desta ou daquela forma, represente os níveis secundários ou de outros escalões da Administração que não o europeu, não deve fazer esquecer os direitos de participação na construção europeia do poder local já existente. Nesse sentido, a observação do Sr. Deputado Nogueira de Brito parece-me exprimir uma prevenção, quiçá excessiva, na parte em que refere em termos críticos que as regiões têm cada vez mais relações directas com as Comunidades. Isso seria um perigo - pareceu-me entender. Ora sucede que nada pode impedir as mais diversas espécies de relações das diversas estruturas do poder local com os diversos níveis de poder europeu, no quadro do processo de internacionalização. São formas de diálogo directo que se podem estabelecer.
A articulação disto com a concepção clássica do Estado nacional é, em certos casos, difícil de fazer. Não conheço, por exemplo, nenhum estudo sobre as actividades de relação internacional, soit disant, das autarquias locais e os limites constitucionais a essa acção. Todavia, ela desenvolve-se plenamente entre nós com protocolos de colaboração - e refiro-me à doutrina portuguesa -, com actividades interfronteiriças, com pactos para partilha de meios financeiros, projectos comuns e outros aspectos. São formas normais de expressão que não colidem com a representação, quer em futuras estruturas nacionais, quer em estruturas das comunidades a criar. São uma amálgama, um mosaico, não contraditório entre si, cujo resultado final é precisamente dar mais voz às regiões e, por essa forma, às populações. Não há contradição: há uma necessidade de articulação, nem sempre fácil.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Em primeiro lugar, congratulo-me com as manifestações de apoio, ainda que se trate de um apoio reservado, e que, porventura, não vai traduzir-se numa concreta votação a favor do projecto do CDS.
Em segundo lugar, também me congratulo com as tentativas de melhoramento que já aqui foram afloradas através das críticas feitas. Aliás, é com esse sentido que apresentamos o nosso projecto, é com esse objectivo, é por isso que ele está a ser discutido em sede de comissão.
Em terceiro lugar, congratulo-me ainda com a referência de coerência que foi feita pelo Sr. Deputado José Magalhães, que tem grande experiência nesta matéria, porque chama a nossa atenção para o que dissemos e o que não dissemos, em qualquer altura e momento. "No entanto, a interpretação do Sr. Deputado José Magalhães, que julgo que não está em causa - e agradeço as referências que fez à nossa coerência, dizendo que...
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Deputado, não era uma referência à coerência, não me fiz entender bem. Era apenas uma forma de expressão gratificada pelo facto de o consenso estar alargado pela inequívoca tomada de posição do CDS. Nesse sentido, o CDS só se pode congratular comigo.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado, estava precisamente a congratular-me e a atribuir-lhe grande autoridade nessa matéria.
O Sr. José Magalhães (PS): - Fico comovido, Sr. Deputado. Era isso que esperaria de si!
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado, mas também desejo fazer uma observação em torno da oportunidade.
O Sr. Deputado José Magalhães disse que a preocupação que está na base da proposta apresentada pelo CDS é a de que haja uma certa diluição do relacionamento directo das regiões autónomas e do poder local com os órgãos de soberania nacional no relacionamento directo que eles vão passar a fazer com os órgãos comunitários. Efectivamente, Sr. Deputado, esse risco existe. Com a nossa proposta não queremos combater a possibilidade de relacionamento directo. O que, em última análise, pretendemos é que os órgãos das regiões e do poder local tenham um processo de intervenção em decisões que lhes digam respeito; o que pretendemos é acautelar essa diminuição, introduzindo mecanismos que mantenham o relacionamento directo com os órgãos de soberania nacional, designadamente através da criação, preenchendo lacunas, de órgãos de espaços para a realização desse relacionamento. Existe, efectivamente, um risco, e até há episódios recentes - que foram incluídos na citação feita pelo Sr. Deputado José Magalhães - que, de certo modo, demonstram que há um certo conflito entre o relacionamento directo e o relacionamento com os órgãos nacionais.
Era, pois, tudo isto que queríamos evitar com esta proposta.
A redacção proposta tem alguns defeitos, mas o que, no fundo, queríamos era que ela fosse muito parecida com a que está consagrada na Constituição para o Comité Económico e Social e que fala de regiões autónomas e autarquias locais. Com isso, resolviam-se algumas das objecções levantadas pelo Sr. Deputado João Amaral.
Esse é também o figurino que as Comunidades adoptaram no Tratado, que também fala em poder local (não tem de falar em autarquias, já que esse é um conceito nosso). No Comité das Regiões vão estar presentes regiões autónomas e representantes do poder local. E é essa presença simultânea, que porventura coloca alguns problemas em relação à competência que está aqui definida, que leva o Sr. Deputado Rui Machete a dizer que, ao fim e ao cabo, isso poderá traduzir-se ou numa diminuição do perfil das regiões autónomas e numa sua redução a meros órgãos do poder local ou, então, numa elevação das autarquias locais.