sobre a questão do capítulo dos direitos fundamentais.
Para fundamentar a posição que a Amnistia Internacional tomou, permito-me ler o seguinte: "Quanto ao regime da extradição entende-se imprescindível admitir excepções ao princípio de não extradição de cidadãos portugueses, em condições de reciprocidade, nos casos de terrorismo e criminalidade altamente organizada e para Estado que assegure o respeito dos direitos humanos. Por outro lado, mantendo a regra segundo a qual não há extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena de morte ou pena ou medida de segurança privativa de liberdade com carácter perpétuo, considera-se que a mesma deve poder ser admitida, a título excepcional, se ao Estado português forem dadas garantias consideradas suficientes de que a pena ou a medida de segurança será comutada, substituída por outra de duração limitada ou por qualquer outra forma não executada."
Este foi o texto do acordo entre o PS e o PSD relativamente à questão da revisão do artigo 33.º, que nos chegou às mãos.
Penso que é conhecida a posição da Amnistia Internacional sobre a questão da pena de morte. Nós somos contra a pena de morte de forma inquestionável, porque consideramos que ela é desigual, na medida em que se aplica - é o que as estatísticas revelam - mais aos pobres do que àqueles que têm meios para se defenderem.
Por outro lado, consideramo-la injusta, na medida em que está sujeita a factores condicionantes, nomeadamente emotividade da opinião pública e influência da comunicação social para um determinado tipo de aplicação de pena; irreversível, já que, nos casos em que há enganos, não há possibilidade de corrigir o erro; e sem poder dissuasório - aliás, as próprias Nações Unidas manifestaram-no em estudo recentemente levado a efeito, isto é, não concluíram que a pena de morte tenha efeito dissuasório, nem se prevê que se venha a concluir nesse sentido. E este foi um estudo feito por peritos da Nações Unidas.
Portanto, a nossa posição sobre a pena de morte é a de que ela não deve poder ser admitida. E, nesse sentido, não nos parece que, mesmo a título excepcional, se possa considerar a extradição de cidadãos para países onde vigora este tipo de pena.
Acresce que no texto que referi condiciona-se esta possibilidade ao facto de poderem ser dadas garantias consideradas suficientes ao Estado português. Mesmo com a explicação que ouvimos há pouco, de que tais garantias seriam garantias jurisdicionais, nós, Amnistia Internacional, não encontramos no ordenamento jurídico, nacional e internacional, nada que nos diga que garantias são essas. Não há nada de objectivo nem de concreto que diga que garantias é que podem ser dadas por um país em que o poder judicial aplicou a pena de morte a um crime. Como é que uma pena aplicada pelo poder judicial de um país pode, depois, obter a garantia, quer seja através do poder legislativo, quer seja através do poder executivo, quer seja através de uma revisão da decisão por parte do poder judicial, de que não será aplicada? Não encontramos, repito, quer no ordenamento jurídico nacional quer no internacional, nada que nos diga que estas garantias possam ser consideradas suficientes.
Portanto, para a Amnistia, esta é uma questão que foi vista com alguma surpresa, uma vez que, ainda recentemente, no final do ano passado, tivemos contactos com o Ministério da Justiça, com o Ministério da Administração Interna, com a Presidência da República, com a Presidência da Assembleia da República e com vários outros órgãos de soberania e foi-nos dito que as preocupações que a Amnistia Internacional tinha manifestado, sobre este campo e sobre muitos outros, eram perfeitamente "assimiladas" por todas as forças políticas. E nós, até à data, temos visto todas as forças políticas com representação parlamentar aceitar as posições da Amnistia sobre esta matéria. Portanto, foi com surpresa que vimos, num acordo de revisão constitucional PS/PSD, esta matéria ser abordada desta forma.
De imediato, pedimos audiências a todos os grupos parlamentares, com os quais já tivemos ocasião de falar, e fizemos exposições à Presidência da República e à Presidência do Conselho de Ministros.
Para nós, a posição de fundo - admitir sequer a pena de morte como uma pena aplicável e, portanto, admitir a extradição para esses países - é insustentável. Aliás, recentemente, no dia 8 de Abril, o Parlamento Europeu, no qual estão Deputados dos mesmos partidos que aqui estão representados, aprovou uma resolução, cujo ponto 16 refere o seguinte: "Exortam-se todos os Estados-membros a recusar extraditar pessoas para Estados nos quais a pena de morte exista para o delito relativamente ao qual é solicitada a extradição." Esta foi, repito, uma resolução aprovada no Parlamento Europeu, onde estão representados todos os partidos com representação na Assembleia da República.
Como é que aqui se pode ter uma posição de admitir a extradição para países onde vigora a pena de morte e no Parlamento Europeu aprovar uma resolução clara e inequívoca de sentido completamente inverso?
Aliás, Portugal está vinculado a uma quantidade de compromissos decorrentes de uma série de instrumentos internacionais, nomeadamente o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o seu Segundo Protocolo, o Protocolo n.º 6 da Convenção Europeia dos Direitos dos Homem, a Convenção de Genebra. E todos estes instrumentos são muito claros na filosofia tendente a não permitir a extradição de cidadãos, em nenhumas circunstâncias, sem quaisquer referências a "garantias suficientes" ou a ausência de garantias, relativamente à extradição para países em que vigora a pena de morte.
Para nós, esta questão não aparece desligada daquilo a que, neste momento, se assiste no âmbito da revisão dos Tratados da União Europeia. É que, também nos trabalhos preparatórios para a Conferência Intergovernamental, surgiu uma proposta no sentido de recusar o asilo a cidadãos de um Estado-membro da União Europeia que o peçam noutro Estado-membro da União Europeia.
Portanto, parece-nos que a concertação destas posições, numa leitura da Amnistia Internacional, não é senão um recuo em política de ajuda humanitária. E parece-nos inaceitável que se assista, na União Europeia, a recuos em termos de política humanitária.
A União Europeia não foi construída para retirar direitos aos cidadãos e, neste caso, estamos perante uma retirada de direitos. Neste momento, os cidadãos gozam de direitos que não podem ser retirados, não só por se tratar de direitos como pela força dos vínculos de Portugal a esses instrumentos a que me referi.
Aliás, também sobre Schengen e sobre as questões levantadas, o Parlamento Europeu, no dia 11 de Março, aprovou uma resolução (que não vou ler por ser extensa) que, de certa forma, limita ou impede que se possa aplicar