Dentro da orientação proposta, dou a palavra ao Sr. Dr. José António Barreiros.
O Sr. Dr. José António Barreiros: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, antes de mais, queria agradecer a oportunidade e a honra do convite para poder estar convosco.
Numa reflexão não totalmente estruturada mas indo ao encontro do elenco de questões que o Sr. Deputado José Magalhães pôs à nossa consideração, começaria por tratar a questão da pena de morte.
Estou convencido de que a questão da pena de morte deverá ser equacionada tendo em conta, naturalmente, o estado actual da criminalidade e o estado actual da relação de Portugal com outros países, não esquecendo também a tradição portuguesa e, sobretudo, o que nos distingue no quadro da pena de morte em relação a todos os outros países. Aí, penso, Portugal enfileira nos países abolicionistas e deveria ser o último dos países a flexibilizar qualquer iniciativa nesta matéria.
Quer dizer, o princípio segundo o qual a proibição de extradição é uma proibição que se verifica quando ao caso caiba, em abstracto, pena de morte, deveria manter-se, sem qualquer excepção, nem sequer em favor de prestação de garantias concretas, quaisquer que elas fossem. Penso que só assim Portugal manterá a identidade da tradição de que se honra. Deveríamos ser o último país a admitir rever esse princípio e em enfileirar nos países que parecem ter pressa em abandonar as poucas coisas de que nos podemos orgulhar, nesta matéria.
Portanto, se essa fosse a regra, penso que, além disso, estaria ao serviço de um interesse prático. E isto porque só em países de sinal político-autoritário é que as garantias que são prestadas valem alguma coisa, pois só em países de regimes autoritários, países em que o judiciário está subordinado ao executivo, em que o poder judicial vale aquilo que vale, é que os governos dos Estados respectivos podem, realmente, arrojar-se a prestar garantias externas.
Quanto a países que tenham um poder judicial independente, a garantia não vale nada, porque nada nos garante que o poder judicial se sinta, sequer, vinculado. E nós não poderíamos sequer, em último lugar de reflexão neste ponto, aceitar estar numa situação, delicada porque incómoda, de imaginar que, por detrás do biombo da separação dos poderes - regra de ouro da democracia -, havia, afinal, arranjos entre o judiciário e o executivo e que, afinal, o executivo estava a ser porta-voz informal de um acordo desta natureza!
Portanto, quanto à pena de morte, manter-me-ia fiel à letra da Constituição, contra as interpretações "flexibilizantes" do próprio Tribunal Constitucional e sem admitir qualquer espécie de excepção.
Quanto à questão da extradição de nacionais, penso que, aí, o panorama da União Europeia, realmente, não é famoso. Não sou, de facto, um europeísta entusiasta, mas penso que o desenho político que se está a criar para a Europa dá razões para esfriar muito do pouco entusiasmo que já poderia existir em relação a alguns desses aspectos.
Para recordar um pouco o passado, referirei o que está aprovado no âmbito de Conselho da Europa.
Após a entrada em vigor do Tratado da União Europeia, em 1993, o próprio Conselho emitiu uma declaração nos termos da qual deveria haver uma revisão geral da matéria da extradição, o que levou à aprovação de dois documentos que estabelecem um sistema convencional na matéria: um, em 10 de Março de 1995, que é a Convenção sobre o Processo Simplificado de Extradição, e outro, aquele que realmente nos importa, de 27 de Setembro de 1996, que é a Convenção relativa à Extradição entre os Estados-membros da União Europeia.
Estou em crer que esta última convenção vem "simplificar" a caminhada num sentido extremamente restritivo e baseada numa profissão de fé em dois conceitos, qualquer deles sujeitos, porventura, a crítica intelectual. O primeiro é o de que os Estados, no quadro da União Europeia, podem, mutuamente, flexibilizar-se no que diz respeito às restrições à extradição e podem permitir-se as derrogações das suas regras constitucionais clássicas, podendo, assim, abdicar de algumas dessas salvaguardas, porque estamos numa comunidade de Estados que se reclamam de um denominador comum que, no caso concreto, significa pertença ao mesmo espaço cultural global, a um tipo de direito que oferece, afinal, garantias: o direito justo, o processo justo que está presente no artigo 6.º da própria Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Portanto, estaríamos à vontade para extraditar, estaríamos entre iguais, entre "irmãos", digamos, do mesmo tipo de "sangue" cultural.
O que é interessante verificar é que, nos antípodas desta preocupação, as instâncias comunitárias, actualmente, ciosas que estão de proteger, e bem, os seus interesses financeiros e fazer face à depravação criminosa dos interesses financeiros das comunidades dos vários países, não só fazem esforços no sentido da articulação do direito substantivo penal, punitivo novo, que dê força a essa repressão, mas, curiosamente, desenvolvem esforços no sentido de articular os sistemas processuais penais com base no argumento de que "não podemos ficar à mercê de um determinado Estado da própria União Europeia de alguém ser condenado por um crime de fraude ou desvio de um subsídio comunitário e, no entanto, essa condenação ser anulada porque o processo judicial respectivo não é respeitador das garantias do artigo 6.º, não é respeitador dos parâmetros essenciais da Convenção Europeia dos Direitos do Homem."
Após um conclave de mestres e, agora, numas reuniões já mais sectorizadas, com práticos, está a tentar estabelecer-se uma linguagem comum, por um lado, e um conjunto de paradigmas normativos, por outro, que permitam a todos os países protegerem-se desta eventualidade e poderem, à vontade, dar mãos nessa repressão sem verem os seus veredictos anulados pelo Acordo de Estrasburgo.
Portanto, de duas, uma: ou estamos, afinal, numa comunidade de países cujos direitos oferecem garantias e podemos livremente extraditar ou estamos numa comunidade de países cujos direitos não oferecem garantias, como acabei de dizer, por este ângulo da questão e, então, não estaremos totalmente à vontade para extraditar.
Portanto, a ideia de que podemos abdicar dos nossos nacionais em favor do julgamento por não importa que país, porque existe essa comunidade de filosofia, de política, de justiça, penso que pode ser uma ideia falaciosa. Nestes termos, o panorama não é famoso.
Sem pretender alongar-me, direi ainda, Sr. Presidente, que estou convencido de que, face a esta segunda Convenção, que referi, a norma do artigo 33.º é realmente um empecilho, porque a norma é "redonda", no sentido de dizer que "Não é admitida a extradição de cidadãos portugueses do território nacional". Ora, o artigo 7.º da segunda