O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, a proposta de substituição apresentada resulta não só da primeira leitura, como inclusive das conversações que entretanto foi sendo possível manter com os representantes dos vários grupos parlamentares. Fundamentalmente, tem o seguinte objectivo: o artigo 65.º, n.º 4, em vigor resulta da revisão constitucional de 1989, na qual, como se sabe, foi suprimido o princípio da apropriação e municipalização dos solos públicos.
Em função dessa alteração constitucional resultou uma redacção que tem permitido gerar alguns equívocos e que, porventura, não oferece soluções para as questões.
Julgo que importa corrigir os equívocos, para além de que - e considero ser esta uma das mais-valias da proposta - também é necessário introduzir algumas alterações para dar cobertura constitucional a algumas questões que têm permitido gerar alguma polémica e alguma dúvida na interpretação dos preceitos constitucionais em vigor.
Essencialmente o que é que se pretende e o que é que não se pretende? Pretende-se, por um lado, clarificar que há uma diferença fundamental na intervenção pública em matéria de solos, que se traduz num regime diferenciado entre os solos expropriados, isto é aqueles que são necessários para prosseguir fins de utilidade pública urbanística, e os demais solos, em relação aos quais, mantendo-se esses na propriedade privada, o que importa é estabelecer a cobertura constitucional para que seja possível, designadamente através de instrumentos de planeamento, definir as respectivas regras de ocupação, uso e transformação dos solos.
Nessa reformulação desaparece a referência originária do texto constitucional ao controlo do parque imobiliário urbano, a qual, fazendo sentido na lógica originária do preceito, que previa a progressiva nacionalização e municipalização dos solos, deixa de fazer sentido no contexto actual, sendo certo que aquilo que continua a ser relevante nessa matéria continua a ser salvaguardado pelo preceito proposto. Porquê? Porque o que é fundamental nessa matéria é que, relativamente ao solo já edificado, e, portanto, ao parque urbano já construído, ou ao parque imobiliário já construído, continuem a subsistir os poderes públicos que impliquem o estabelecimento de deveres de conservação para os proprietários e a possibilidade da intervenção pública, designadamente quando esses deveres não são cumpridos.
Desta forma, garante-se nomeadamente a possibilidade de o Estado e/ou as autarquias locais, consoante as circunstâncias, imporem a realização de obras coercivas de conservação, o que continua a ser salvaguardado pela referência explícita no preceito proposto à necessidade de se estabelecerem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos. E manter os edifícios em bom estado de conservação não é mais do que manter as suas condições de uso, porque a referência ao uso não surge apenas para o licenciamento da primeira utilização, surge também, obviamente, naquilo que diz respeito às regras de manutenção do uso adequado e do bom estado de conservação dos edifícios.
Por outro lado, o que continua a ser relevante é mantido no preceito porque o solo construído não deixa de ser solo urbano pela circunstância de estar construído. Como é evidente, o conceito de solo urbano é um conceito de classificação do solo em função de um determinado zonamento, pelo que, evidentemente, o parque imobiliário construído em solo urbano continua abrangido pelo solo urbano e, portanto, não está excluído da definição das regras de ocupação, uso e transformação dos solos.
Nesse sentido, não há perda nenhuma em relação ao conteúdo útil da expressão contida na redacção actual e que mantém esse sentido útil com a referência à definição das regras de ocupação, uso e transformação dos solos.
Por outro lado, a circunstância de ser feita uma referência única e exclusivamente às expropriações necessárias para a persecução de fins de interesse público urbanístico, obviamente, não prejudica todas as demais expropriações necessárias para fins de utilidade pública diversa que não a urbanística, porque essas continuam a ter, obviamente, cobertura constitucional no artigo 62.º e não passaria pela cabeça de ninguém que, por via do artigo 65.º, o Estado e as autarquias locais apenas pudessem expropriar solos para estes fins e não para outros fins de utilidade pública que a lei possa eventualmente estabelecer.
A circunstância de haver uma referência expressa aos fins de utilidade pública urbanística tem que ver, por um lado, com o facto de o âmbito do preceito dizer respeito à habitação, propondo-se a utilização da palavra urbanismo para dar melhor cobertura ao conteúdo normativo do artigo e, por outro lado, com o facto de a referência às expropriações surgir fundamentalmente para distinguir o diferente posicionamento dos poderes públicos em relação aos solos, em função da qualidade do seu proprietário, isto é, para distinguir os casos em que, de acordo com o princípio estrito de proporcionalidade, o Estado e as autarquias locais possam expropriar os solos para fins de utilidade pública urbanística apenas quando se revele necessário dos demais casos, em que os solos se mantêm na propriedade privada, mas em que, apesar de tudo, e como é óbvio, é necessário que os poderes públicos possam intervir, nomeadamente definindo as respectivas regras de ocupação, uso e transformação dos solos.
Dado que isso é feito, em regra, através de instrumentos de planeamento, é importante que haja uma referência expressa a este nível para evitar que se questione a cobertura constitucional dos planos, designadamente dos planos urbanísticos, na medida em que se possa, eventualmente, interpretar que esses planos, de alguma forma, interferem com o direito de propriedade privada e, por essa razão, estariam na alçada da reserva de lei da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias e em particular dos de natureza análoga, entre os quais está o direito de propriedade privada.
Portanto, é importante que haja esta referência para haver uma cobertura constitucional expressa dessa intervenção, que aliás, julgo, é obviamente pacífica e não suscita quaisquer dúvidas.
Por outro lado, julgo que a redacção encontrada tem a virtualidade de não interferir em nenhuma polémica doutrinária, designadamente sobre a natureza jurídica do direito de construir ou da faculdade de construir, normalmente referenciado pelo jus aedificandi, porque, sem prejuízo da interpretação que cada um de nós possa fazer sobre esta matéria, obviamente, a expressão "definir as regras de ocupação, uso e transformação dos solos" não significa necessariamente uma opção clara do legislador constituinte no sentido de entender que o direito de construir é inerente ao direito de propriedade privada ou, no sentido inverso, de entender que o direito de construir é uma faculdade que apenas é conferida aos particulares pelos poderes públicos.