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As delegações, os grupos de trabalho propunham as suas perspectivas, "puxavam" a solução final para o seu lado, nalguns casos envolviam-se na negociação e chegavam a um acordo. Neste caso, normalmente o país estava coberto por aqueles princípios que conhecia ou de instruções que tinha recebido; noutros casos, partia-se ainda com uma certa indefinição e quando se faziam os textos preparados pelo coordenador do grupo de trabalho e, num momento posterior, pelo próprio bureau e pela presidência é que se via o contexto e, muitas vezes, havia apenas a alternativa de aceitar ou rejeitar.
Citou o caso concreto da prisão perpétua. Não nos escapava, naturalmente, que era uma disposição que estava em contrário com os nossos princípios e tradições e, por isso, procurámos contrariá-la. Muitas vezes é difícil saber o que é que, efectivamente, se passou nestas reuniões, nestas negociações. Mas quanto à prisão perpétua e à posição dos vários países, já tive ocasião de notar, num pequeno artigo que escrevi na revista O Mundo em Português, que em relação a esse ponto há um trabalho do coordenador do grupo de trabalho que se ocupou das penas, o norueguês Ronald Fife. Ao citar as discussões havidas quanto às penas, para exemplificar, e depois de ter falado quanto à questão da pena de morte numa oposição mais generalizada e na questão da prisão perpétua, disse que também suscitou discussões e que se empenharam particularmente contra este princípio as delegações de Portugal e algumas latino-americanas. Citei essa questão naquele artigo.
Tenho aqui um publicação brasileira da Comissão de Direitos Humanos, na qual consta um artigo de uma senhora juíza que fez parte da delegação nas negociações e que diz "Portugal e os países ibero-americanos foram os grandes opositores da inclusão não só da pena capital, mas também da pena de prisão perpétua." Curiosamente, talvez por estarmos assim individualizados, somos, até, os únicos a ser designados pelo nome, o que não quer dizer que outros países não o tenham também feito.
Como dizia, travou-se essa batalha e está reconhecida esta nossa posição, mas aqui, como em muitas outras coisas, houve depois que ter em conta o sentido geral. Havia, portanto, a noção geral.
A delegação era composta por elementos do Ministério da Justiça e da Procuradoria e, além das instruções, por vezes havia contactos telefónicos directamente com esses departamentos e procurávamos falar com eles e fazer prevalecer, na medida do possível, as nossas posições.
A questão das condições de funcionamento no momento actual cobre um pouco outras perguntas posteriores. Creio que é inevitável e que é um facto que se assista a um sentido de globalização da justiça penal internacional. É inevitável e cada vez nos preocupamos mais não só com o que se passa à nossa volta como com o que se passa mais longe. Há um sentimento no sentido de considerar que a sociedade internacional deve intervir, deve procurar executar determinado tipo de coisas. Mas existem vários caminhos para o fazer.
Nesta procura, e no que diz respeito concretamente à jurisdição penal - talvez daqui a pouco alargue mais o tema -, há vários caminhos. Podemos pensar no alargamento da jurisdição universal dos tribunais internos dos vários países, nos tribunais ad hoc criados por uma entidade, designadamente o Conselho de Segurança, como aqueles que actualmente existem, e neste Tribunal.
Creio que, embora contestado, e visto com menos entusiasmo por alguns sectores, há um sentimento que é inevitável dentro desta necessidade de evolução. Talvez esta solução, independentemente de diferenças de pormenor, que é dada por um tribunal penal, em que participa toda a comunidade e em que se procurou o máximo de garantias de independência e onde não há uma ligação estrita a um determinado grupo, seja o melhor caminho para o futuro.
É evidente que, depois, o tempo dará alguma experiência e vão surgindo correcções, mas no momento actual, em termos gerais, talvez seja esta a solução que parece mais adequada. Penso que, de um modo geral, na comunidade internacional, maioritariamente, há um desejo de aceitar e acolher esta solução.
Quanto à pergunta que fez sobre a prisão perpétua, penso que o facto de não ter sido incluída a pena de morte dentro do Estatuto constitui um precedente e mais uma peça no sentido de contribuir para a eliminação, a prazo, desta penalidade.
Aquela necessidade que alguns países sentiram ao imporem, quase como uma condição, que a própria presidência fizesse uma declaração nesse sentido, talvez revelasse a consciência de que estavam ali a perder terreno e que queriam contrabalançar, na medida do possível, sobretudo com o que se vai passando no mundo em termos de declarações, negociações, etc.. Esses protocolos são uma tarefa difícil.
Ainda recentemente, na Assembleia Geral das Nações Unidas, vimos que um projecto de resolução, que visava a futura abolição da pena de morte - não nesta última, mas na penúltima Assembleia Geral das Nações Unidas -, em grande parte patrocinado pela União Europeia, acabou por ser retirado porque começaram a ser introduzidas emendas que o desnaturariam completamente. Eu diria que a não consagração da pena de morte constitui, desse ponto de vista, um aspecto positivo
Aquando da criação do tribunal penal para o Ruanda foi aprovado um estatuto que não incluía a pena de morte entre as penalidades e o Ruanda - que tinha sido um dos entusiastas desse Tribunal - acabou por votar contra, como membro do Conselho de Segurança. De maneira que, em alguns sectores, há ainda este sentimento, mas temos de viver com essa realidade.
Quanto à questão da agressão, talvez houvesse o desejo de alguns países, devido à sua dificuldade e à sua natureza particular, que esta questão não figurasse. Todavia, pelo menos externamente, em princípio quase todos concordavam com a inclusão da agressão. Simplesmente, havia pontos de vista bastante diferentes quando à definição, e é evidente que não se podia incluir um crime sem o definir com o possível rigor - vimos mesmo que mais tarde se sentiu a conveniência de haver documentos sobre os elementos dos crimes -, quando não se quer mesmo uma definição geral.
De facto, as diferenças eram muito grandes. Elas vão desde aqueles que queriam uma definição com muito detalhe e defendiam um conceito muito lato, abrangendo, inclusive, a questão económica, até àqueles que queriam uma definição muito restrita ou que queriam - que era o caso da proposta, que está ainda na Mesa, apresentada pela Federação Russa - definir como agressão aquilo que o Conselho de Segurança considera que é agressão. Havia uma divisão muito grande de opiniões, o que levou à ideia de que não se chegaria a acordo nessa matéria.