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21 | II Série RC - Número: 007 | 20 de Janeiro de 2011

um conceito biológico, natural, enquanto o género é um conceito que se refere ao papel social ou performativo que é apreendido. Ensinam-nos, desde que nascemos, a comportarmo-nos como homens ou como mulheres, e isso é o género.
As desigualdades na sociedade são desigualdades sociais, e é precisamente porque a sociedade atribui poderes diferentes a homens e a mulheres que há essas desigualdades. As desigualdades de género, entre homens e mulheres, são um dos elementos mais persistentes, mais vincados, mais transversais e perenes na estrutura das desigualdades das nossas sociedades. Usa-se precisamente o termo «desigualdade de género» para acentuar a natureza social dessa desigualdade, que é o que permite que ela desapareça.
O discurso da desigualdade e da sua inevitabilidade é que recorre, normalmente, à tentativa de naturalizar essas diferenças de género como se elas fossem diferenças naturais, fisiológicas, etc., para justificar uma discriminação e uma desigualdade que tem como única e exclusiva razão uma diferença de distribuição de poder na sociedade. Ou seja, como se as diferenças de salário, as diferenças na execução das tarefas domésticas, nos cargos públicos, etc., tivessem alguma coisa de natural ou de sexual nesse sentido, como se tivessem algum vínculo às diferenças biológicas. Não têm, é uma questão de diferenças sociais e dos valores sociais que se atribuem aos diferentes sexos.
É por isso, aliás, que, em Portugal, não temos uma comissão para a igualdade de sexo, temos uma Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, porque esse tema se popularizou e se entende que é mais correcto utilizá-lo.
Entendemos que deve ser incluída a palavra «género», mas não propomos que se elimine a palavra «sexo», essencialmente por dois motivos.
O primeiro é que o sexo existe e existe no nosso enquadramento legal — o registo civil fala em sexo. Aliás, no senso comum, como na maioria dos casos o sexo e o género são correspondentes, ou seja, as pessoas fazem uma equivalência entre o sexo e o género, refere-se muitas vezes a discriminação do género como uma discriminação baseada no sexo. Por exemplo, a mulher que é despedida por estar grávida é despedida por ser mulher e por, na nossa sociedade, se fazerem construções e diferentes atribuições de género em função, também, de diferenças biológicas.
Todavia, devemos passar a ter as duas categorias, porque há situações em que essas duas categorias não são equivalentes e é, precisamente, em função de identidades de género fora da norma que as pessoas são discriminadas.
Muitos estudos e documentos legais alertam para o facto de as pessoas que transgridem as normas de género serem particularmente vulneráveis à violência. Estou certo de que as pessoas interessadas neste tema conhecem a Carta de Princípios de Yogyakarta, que reuniu algumas dezenas de especialistas internacionais de 25 países, incluindo o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos e a ex-Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, também ex-Primeira-Ministra da Irlanda, Mary Robinson, bem como algumas dezenas de especialistas de direitos humanos a trabalhar na própria Organização das Nações Unidas, juízes de tribunais internacionais, académicos, etc.
Essa Carta de Princípios defende, precisamente, que a falta de reconhecimento do género, uma terminologia inconsistente e confusa nos textos legais — nomeadamente, entre as categorias de orientação sexual, de sexo, de género e de identidade de género — , é uma das razões para a desprotecção das situações de discriminação das pessoas que transgridem os papéis de género. Por isso, a Carta de Princípios, assinada pelas pessoas que referi, sugere aos Estados a inclusão das expressões «género» e «identidade de género» nas constituições, nos códigos penais e na legislação antidiscriminatória.
Esta inclusão é particularmente importante para as pessoas transexuais, porque nestas é claro haver uma descoincidência entre a sua identidade de género e o sexo biológico de nascença — aliás, é uma reivindicação importante dos movimentos pela defesa dos direitos humanos e dos movimentos pela defesa das minorias sexuais, em Portugal como noutros países. Mas ela também é importante para as situações em que a discriminação se baseia não no sexo.
Imaginemos o caso de uma pessoa que pertence ao sexo hegemónico (um homem), que pertence à orientação sexual dominante e hegemónica (é heterossexual), mas que tem uma performance de género que é diferente da dominante, ou seja, é o rapaz efeminado que é discriminado em função disso. Ora, ele não é discriminado em função do sexo, certamente, pois faz parte do sexo dominante, nem é discriminado em