SESSÃO DE 10 DE FEVEREIRO DE 1886 429
riu, comprehende os deveres do governo e os direitos do parlamento. (Apoiados.)
O sr. ministro da marinha invocou o artigo 15.° do acto addicional para desculpar o seu procedimento. Logo trataremos d'este ponto.
Por agora vejamos a doutrina do artigo 10.°, que é conforme se sabe, uma ampliação dos §§ 8.° e 14.° do artigo 75.° da carta constitucional, no sentido de dar mais garantias ao parlamento.
Diz com effeito um d'esses paragraphos o seguinte:
«Compete ao Hei fazer tratados de alliança offensiva e defensiva, de subsidio e commercio, levando-os depois de concluídos ao conhecimento das côrtes geraes, quando o interesse e a segurança do estado o permittirem. Se os tratados concluídos em tempo de paz envolverem cessão ou troca de territorio do reino ou de possessões, a que o reino tenha direito, não serão ratificados sem terem sido approvados pelas côrtes geraes.».
Eis o preceito ou antes a faculdade tal qual estava redigida primitivamente na carta e que foi depois convertida pelo artigo 10.° do acto addicional em uma obrigação a que tem sujeitar-se o poder executivo, ficando d'esta fórma a nova redacção:
«Todo o tratado, concordata e convenção, que o governo celebrar com qualquer potencia estrangeira, será, antes de ratificado, approvado pelas côrtes.»
Examinando a lei constitucional franceza de 16 de julho de 1875 sobre as relações dos poderes publicos, encontra-se no artigo 8.° a seguinte disposição:
«O presidente da republica negoceia e ratifica os tratados. Dá conhecimento d'elles ás camaras, logo que o interesse e a segurança do estado o permittam.»
É exactamente a doutrina do artigo 75.° da carta constitucional portugueza, ainda que no mesmo artigo 8.° haja outras disposições que o approximam do artigo 10.° do nosso acto addicional.
Pois bem! Como é que procedeu o governo francez com um tratado inteiramente análogo áquelle de que nos occupâmos n'este momento, isto é com o tratado do Makoko?
O governo do sr. Grévy levou á camara, para ella o approvar, este tratado, que tinha sido negociado pelo explorador Sarvognan de Brazza, e só depois da approvação do parlamento é que o ministerio se julgou auctorisado a apresental-o á ratificação do presidente da republica.
O governo francez teve estes escrúpulos, procedeu d'esta fórma, quando podia deixar de o fazer, escudado em parte pela doutrina muito menos explicita do referido artigo 8.° da lei constitucional de 16 de julho de 1875.
Ora, se nos temos um artigo prefeitamente categórico, perceptivo, que impõe uma obrigação quando na lei franceza para o caso sujeito o artigo correspondente póde ser classificado de mera faculdade, como é que o governo portuguez n'um tratado não analogo ao negociado pela França, mas de muito mais graves responsabilidades para o paiz que o firmou, vem sustentar que podo deixar de o apresentar a esta camara? (Apoiados.)
Francamente, não comprehendo sr. presidente!
Mas supponhamos que isto é assim. Supponhnmos que é o sr. ministro da marinha e ultramar quem tem rasão. Admitíamos que não é o artigo 10.° do acto addicional mas o artigo 15.º o que vigora para a questão do que se trata. Vejamos ainda assim se o governo pode eximir-se á censura que o parlamento tem por dever infligir-lhe. (Apoiados.)
O que diz o artigo 15.° do acto addicional? Diz o seguinte no seu § 2.°, que é aquelle a que se pode soccorrer o sr. ministro. Em todo o caso insisto novamente para que a camara não supponha que eu perfilho similhante doutrina, em que tal interpretação não passa de um transparente sophisma. É uma interpretação verdadeiramente cerebrina! (Apoiados.) Mas admittamol-a por hypothese. O sr. ministro, porém, esqueceu-se que se o § 2.° diz:
«Igualmente poderá o governador geral de uma província ultramarina tomar, ouvido o seu conselho de governo, as providencias indispensaveis para acudir a alguma necessidade tão urgente; que não possa esperar pela decisão das cortes ou do governo.»
Logo em seguida acrescenta o § 3.°:
«Em ambos os casos o governo submetterá ás côrtes, logo que se reunirem, as providencias tomadas.»
Quando é que o sr. ministro submetteu ás côrtes, logo que ellas se reuniram, este tratado a que ía ficar vinculada o nome e a honra da nação portugueza? (Apoiados.)
Aqui está como, ou com o artigo 15.° ou com o artigo 10.°, o governo e digno de censura por ter infringido arbitrariamente a constituição. (Apoiados.)
E, ainda, sr. presidente, que não houvesse este paragrapho, a mais simples noção das conveniencias parlamentares devia levar o governo a proceder como os governos na Inglaterra que, apesar de pela constituição, pelas leis do reino e pela praxe não estarem obrigados a apresentai á approvacão parlamentar os tratados com as potencias estrangeiras, incluem sempre nos seus blue looks, nos seus livros azues até os tratados feitos com os chefes mais inoffensivos e de menos influencia política e colonial! (Apoiados.)
Pois o sr. ministro da marinha não fez nem uma cousa nem outra. N'este ponto o governo portuguez não só infringiu positivamente um preceito constitucional, mas, mais ainda, foi de uma descortezia bem pungente para com o parlamento, devendo lembrar-se ao menos de que n'esta camara tem uma maioria que tão dedicada se lhe mostra, e que é esta maioria quem principalmente recebe em cheio essa desconsideração! (Apoiados.}
Como não desejo por fórma alguma tornar-me importuno n'uma questão, que não hei de ser eu só a tratar; e, como nas considerações que estou apresentando, não tenho outro intuito senão, no desempenho dos tristes e difficeis deveres da minha posição, formular um energico protesto, passarei sobre diversos incidentes que n'este momento me occorrem para entrar desde já no exame do terceiro ponto que directamente se relaciona com os documentos que, por ordem do parlamento, foram publicados no Diario do governo de hoje, documentos que, diga-se desde já, são o desmentido mais formal que um ministro tem dado a si proprio.
O sr. Presidente: - Pedia ao sr. deputado que não usasse d'essa expressão.
O Orador: - Eu creio que é demasiada meticulosidade da parte de v. exa., a admoestação que acaba de fazer-me. Se porventura eu dissesse que desmentiria o sr. ministro da marinha, póde ser que essa palavra envolvesse uma injuria; mas eu disse que era s. exa. que se desmentia a si proprio.
Não ha, pois, injuria alguma da minha parte, porque a questão é entre o sr. ministro da marinha de hontem, e o sr. ministro da marinha de hoje! (Apoiados.)
Torno a repetir a phrase, sr. presidente, para frisar bem não só a minha idéa, mas ainda a fórma porque a expressei.
Os documentos que vem publicados no Diario do governo de hoje, são o mais cruel desmentido que um ministro podia dar a si proprio. É o que vou provar.
Deixo á camara sem insistir mais n'este ponto, o apreciar se ha ou não uma contradicção flagrante entre a attitude do governo, quando, ha dois annos inseria num tratado com a Inglaterra a clausula da alienação eventual do forte de S. João Baptista de Ajuda e de todos os direitos de Portugal na Costa da Mina, e a sua attitude de hoje, declarando indispensavel para a prosperidade de S. Thomé o protectorado de Dahomey.
Disse tambem o sr. ministro da marinha, procurando refutar a versão do Nord, a que me referi na sessão de hontem, que a prova de que o governo inglez não insinuára