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514-F DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ámanhã esse assumpto e vou por agora alludir a uma lacuna imperdoavel do projecto.

Estabelece o artigo 162.° condições essenciaes a que de vem submetter se as sociedades anonymas para se constituirem definitivamente. Especialmente o n.° 5.° consigna, a meu ver, uma acertada precaução, uma boa garantia para o publico e para os subscriptores, exigindo o deposito da importancia total da subscripção na caixa geral de depositos, á ordem da administração que for eleita e declarando, alem d'isso, indispensavel a realisação em dinheiro de 10 por cento do capital subscripto.

Onde está porém o artigo que declaro nulla a sociedade constituida em contravenção d'este preceito? E onde se define a responsabilidade dos fundadores ou installadores de uma companhia que venha a fallar, tendo preterido aquellas condições e quantas as vezes por isso mesmo? N'uma palavra, eu não sei o que seja uma lei, quando lhe falta a sancção que a torna exequivel.

O sr. Oliveira Valle: - Leia o artigo 107.°

O Orador: - Conheço essa disposição e v. exa. que um dialectico habil e um advogado distincto, comprehende de certo que eu não podia referir-me á disposição do artigo 106.°, como ha pouco fiz, sem conhecer a disposição subsequente e parallela do artigo que v. exa. cita. Mas, se a commissão se defende de uma lacuna tão grave invocando essa disposição, então as minhas duvidas recrudescem, é maior o meu espanto o tornam-se mais melindrosas as minhas apprehensões por uma disposição que eu suppunha simplesmente inutil e que agora vejo que póde ser perigosa.

Com effeito, sr. presidente, o artigo 107.° declara não existente toda a sociedade que para um fim commercial se constituir sem as formalidades preceituadas no codigo. Se n'este artigo está a unica sancção do artigo 162.°, se o artigo 107.° não é uma d'aquellas formulas puramente doutrinaes, - luxo de palavras ou alarde de erudição que tanto abundam nos projectos do sr. Beirão o que n'um codigo são absolutamente dispensaveis, porque o seu logar proprio é n'um comentario ou n'um livro de jurisprudencia, se n'este artigo está a unica sancção para o artigo 162.°, pensem então v. exas. nos corollarios que d'ahi se deduzem o tremam pelas consequencias que a pratica ha de mostrar-lhes, quando os especuladores e os agiotas comprehenderem que a maneira mais facil de se só subtrahirem ás formalidades exigidas pelo artigo 162.° o á responsabilidade correlativa está na aggremiação em sociedade civis sob a fórma de anonymato, porque o artigo 107.° não as abrange, como evidentemente se deduz das palavras "«ara um fim commercial.»

Que uma sociedade anonyma não se considera legalmente existente emquanto não cumprir as condições que a lei declara essenciaes, e que por consequencia a responsabilidade é n'esse caso pessoal e illimitada para os que em nome d'ella se obrigam, era escusado que viesse dizel-o o artigo 107.° porque é principio geral e corrente de direito em materia de responsabilidade civil e deduz-se, alem disso, da linguagem imperativamente restricta do artigo 162.° O que não era superfluo, sr. presidente, o que o projecto não diz e é indispensavel que o diga, é a quem compete a responsabilidade penal e o modo do a tornar exigivel e efficaz.

Organisou-se, por exemplo, uma companhia com o capital nominal de 900:000$000 réis e registrou-se o seu titulo na repartição competente do ministerio das obras publicas: as suas acções o obrigações são cotadas na bolsa, funcciona regularmente na apparencia, o publico e, o que é mais, o governo o as estações officiaes, o proprio banco de Portugal acreditara na existencia legal d'esta sociedade e n'esse presupposto contratam com ella; mas ao cabo do um, dois, tres annos, a companhia quebra descobre-se então um vicio originario da constituição social. Vê-se, por exemplo, que a companhia, em vez de ter realisado 90:000$000 réis, como exige o projecto, converteu apenas 50:000$000 réis nominaes em dinheiro e em vez de fazer o deposito na caixa geral de depositos, fel-o em qualquer banco, d'onde podia levantal-o sem difficuldade, como ainda hoje fazem muitas companhias para ludibriarem os credores, apresentando como garantia um capital ficticio.

Quid inde, pergunto eu? A sociedade era nulla desde o começo: sobre a nullidade ainda não tinha caído a agua lustral da prescripção, a sociedade não existia, os preceitos relativos a sociedades fallidas não podem portanto ser-lhe applicados. A quem incumbe n'este caso a responsabilidade - aos administradores gerentes ao tempo da fallencia, ao conselho fiscal, aos accionistas, aos socios fundadores? E a responsabilidade penal por fraudes, de que nem uma palavra só diz no projecto? E mesmo quanto á responsabilidade civil, como ha de ella ser exigida nos tribunaes e por que lapso de tempo prescreva? Qual é o artigo do projecto que responde a estas interrogações?

Uma voz: - Deduz-se do artigo 165.°

O Orador: - Deduz-se? Pois é licito deduzir ou augmentar por analogia em direito penal? Pois o illustre deputado admitto que um juiz applique uma pena que não esteja taxativamente, restrictamente comminada na lei? É theoria nova em direito penal. Lembro alem d'isso a v. exa. que o artigo 165.° legisla para hypothese differente e não vae alem da responsabilidade civil.

(Leu.)

Regula, como v. exa. vê, a responsabilidade dos fundadores pelos actos praticados até á constituição definitiva da sociedade; mas a hypothese a que me retiro, é a de uma sociedade que chegou - a constituir-se, embora illegalmente, dando-se por habilitada o regendo se para com o publico, em tudo e mais, pela legislação relativa a sociedades anonymas. Isto é que eu não vejo tratado no projecto e, senão, v. exa. tem a bondade de esclarecer-me, cita o artigo?

(Pausa.)

É possivel que este silencio do projecto signifique que a responsabilidade se regula pelos termos do direito commum, como fazem algumas legislações estrangeiras, notavelmente a legislação belga; mas, n'esse caso, eu que reputo tal systema excellente e admiravel... para os agiotas, peço que um artigo especial ou, quando menos, uma referencia expressa do relatorio remetta para o direito commum e corte todo o pretexto á casuistica. As penas e as nullidades decretam-se, legislam-se em termos claros, não se presumem por analogia: só assim póde conseguir-se que ao ideal da justiça não se anteponha nunca o arbitrio, do julgador.

Esta lacuna do projecto é tanto mais estranhavel, quanto é certo que nos falta um codigo de processo commercial e que a jurisprudencia do foro é incerta e vacillante n'esta materia, o que dá logar a accordãos contradictorios e põe a justiça á discrição exclusiva dos banqueiros opulentos, unicos que se aventuram a intentar uma acção de nullidade, porque os que não são banqueiros transigem e recuam logo aterrados com a perspectiva de um processo dispendiosissimo em todas as instancias, sem que a previsão de um bom causidico possa jamais assegurar-lhes um resultado qualquer.

Da legislação estrangeira não conheço um só codigo ou lei que não trate d'este assumpto, embora cada uma com solução o processo proprios; mas, se leio este volume, não comprehendo qual systema adoptará a nossa jurisprudencia na questão de nullidades.

Será o systema de rigor, seguido pelo codigo allemão (artigo 211.°) e pelo codigo italiano (artigo 98.°)? Da leitura do artigo 165.° do projecto, assim parece; mas o sabio auctor do projecto já no final do mesmo artigo introduziu uma excepção que eu não quizer ver consignada em termos tão vagos, pois bem poderá o julgador fazer d'ella o que quizer. Refiro-me ás palavras «salvo o regresso (dos fundadores) contra ella (sociedade), se houver logar».