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10 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Emprestimos sobre emprestimos, desperdicios sobre desperdicios, esbanjamentos sobre esbanjamentos, arrastaram o país á ruina. Foram elles taes e tantos que dos empréstimos contrahidos, dos milhares e milhares de contos pedidos ao credito, calcula-se que 140:000:000$000 réis se perderam. Apenas 45 por cento do dinheiro pedido emprestado teve applicação util e reproduciiva.

O resultado foi a bancarrota. Veja-se, porem, o que foram os ultimos dezasete annos, o que foi o ultimo reinado.

Antes do fazer o seu balanço, deve-se ter na lembrança que começou por uma ditadura, a primeira do engrandecimento do poder real, e com ella coincidiram as primeiras despesas illegaes com a Casa Real depois da subida de D. Carlos ao throno.

Lá disse o Sr. Dias Ferreira:

"Quando em 1890 se tratou de fortalecer o poder real, gastaram-se centenas e centenas de contos de réis sem planos nem estudos para abrir a estrada de Setubal ao Outão, unicamente por servilismo e mais baixezas para com o Chefe do Estado".

Radioso inicio de um reinado!

De janeiro de 1890 a setembro de 1907 venderam-se 90:000 contos de réis norninaes de titulos da divida interna, que produziram 31:500 contos de réis em dinheiro.

Ao Banco de Portugal pediram-se emprestados 14:180 contos de réis; os dois emprestimos dos tabacos em 1891 e 1896 deram, realizados, 25:315 contos de réis.

A divida fluctuante, que em 31 de dezembro de 1890 era de 33:728,contos de réis, era em 30 de setembro de 1907°de 76:368 contos de réis.

A divida fluctuante rendeu, portanto, nesses 17 annos, 42:640 contos de réis.

Bens nacionaes venderam-se, ou queimaram-se, 485 contos de réis.

Resumindo: pediram-se ao credito, de 1890 a 1907, nada menos de 114:120 contos de réis.

Qual foi a applicacão deste dinheiro?

Estradas, telegraphos, caminhos de ferro, 12:790 contos de réis; navios de guerra, 3:000 contos de réis; indemnização do caminho de ferro de Lourenço Marques, 5:900 contos de réis.

E o resto? Para onde foram os 93:000 contos de réis cuja applicacão falta indicar?

Foram para cobrir o deficit. O que se esbanjou! O que se perdeu criminosamente!

Bem dizia Dias Ferreira em 1903:

"Não ha ninguem, por mais leigo que seja em negocios piiblicos, que não saiba ou não presinta que nada menos de 1/4 da receita do Thesouro, nos ultimos dez annos, tem tido applicacão que não pode vir a lume".

Agora é que comprehende todo o valor desta affirmação de um homem que conhecia todos os segredos do Estado!

Gloriosa monarchia constitucional! Glorioso reinado das ditaduras do engrandecimento do poder real e dos adeantamentos!

Em 1892, bancarrota. Os juros da divida publica reduzidos, os ordenados diminuidos, os impostos aggravados. Estes sacrificios tremendos, que custavam milhares e milhares de contos de réis á nação, foram sacrificios perdidos. Veja-se: em 1892, a divida fluctuante era de réis 23.000:000$000; hoje está em perto de 78.000:000$000 réis.

E tanto devemos que o Sr. Ministro da Fazenda vem agora dizer que a situação financeira é melindrosissima, que só consignando um rendimento do Estado pode obter dinheiro a 7 por cento, juro monstruoso, juro imposto a quem se encontra em condições desesperadas.

Gloriosa monarchia dos adeantamentos!

Quando em 1891 votavam o emprestimo dos tabacos, os politicos reconheciam os seus crimes, pediam perdão e promettiam emendar-se.

Em 1892, sob a trovoada da bancarrota, batiam nos peitos, confessavam-se criminosos e juravam não reincidir. Quando nos foi imposto o convénio tornaram a fazer confissão geral.

Foi sempre assim. Os autores da nossa desgraça rezam o acto de contriccão, mas quem cumpre a penitencia é sempre o desgraçado país, sempre disposto ao sacrificio, sempre inclinado ao perdão, sempre illudido, sempre explorado, massacrado e ludibriado!

Que monstruosidades politicas, financeiras e moraes se commetteram desde esse anno tragico da bancarrota!

Veja-se o resultado da obra da Monarchia, depois de tantos annos de promessas de arrependimento e vida-nova!

E agora dizem que é pouco, muito pouco, o que vae dar-se á Familia Real: 365:000$000 réis ao Rei, 60:000$000 réis a uma Rainha, 60:000$000 réis a outra, 16:000$000 réis ao infante D. Affonso.

São 505:000$000 réis desperdiçados para engrandecer as mentiras do prestigio da realeza. E o que será depois, quando à Familia Real aumentar?

Bem sabe que lhe vão argumentar com a lista civil de outros países. Mas que tem a Camara com os milhões de libras, de marcos, de francos ou de duros que outros países desperdiçam em listas civis? Que tem Portugal, povo arruinado, sem instrucção, sem defesa, soffrendo uma crise economica tremenda, com o que despendem os outros povos?

Respondam-lhe se é admissivel este escandalo:

Lista civil 505:000$000 réis, hygiene publica réis 188:000$000!

Lista civil 505:000$000 réis; instrucção superior réis 432:000$000!

Lista civil 505:000$000 réis; instrucção secundaria 407:000$000 réis!

Pode haver confronto mais eloquente e que melhor sirva a condemnar o desperdicio que vae votar-se?

Para a lista civil não votará um real; tudo votará para a instrucção, para a assistencia social, para emprehendimentos que determinem o progresso da industria, da agricultura, do commercio. Para a lista civil nem um real votará, seja na monarchia, seja na republica.

Por mais que deseje não falar agora nos adeantamentos, a verdade é que o projecto o leva a referir-se a esse tremendo e irremediavel escandalo dos adeantamentos. Jamais esquecerá o que hontem se passou e que se dispensa de commentar, porque todo o país, a estas horas, já formou o seu juizo.

Mande o Sr. Ministro da Fazenda o mais depressa possivel, á commissão parlamentar, todos os documentos sobre adeantamentos á Casa Real e á Casa da Rainha D. Maria Pia.

Mande tudo! O país exige que se apresentem todas as provas, quer que se apure toda a verdade! Toda!

Quer conhecer a somma dos adeantamentos, quer saber quem foram os adeantadores!

Porque, deve dize-lo com a maior sinceridade, o Sr. Ministro da Fazenda não é o unico culpado; seria uma injustiça affirmá-lo.

Ha mais culpados, ha mais responsaveis.

Todos os Governos progressistas e regeneradores fizeram adeantamentos. E sobretudo os regeneradores.

Estes começaram, deram o exemplo, forjaram cavilosas leis, como a de 13 de maio de 1896 (artigo 30.°) e a de 12 de junho de 1901 (artigo 19.°), que inventaram dividas de centos decontos de réis do Thesouro á Casa Real. Leis traiçoeiras que sugaram o dinheiro dos contribuintes, fazendo d'elles devedores á Coroa, quando a Coroa tudo deve ao país.