SESSÃO N.º 32 DE 20 DE JUNHO DE 1908 11
Vejam se as tres ditaduras regeneradoras de engrandecimento do poder real.
A de 1890 faz ás obras escandalosas da Torre de Outão. A de 1895-1896 forja o artigo 30.° da lei de 13 de maio de 1896 e faz adeantamentos.
A de 1901 engendra a ignobil porcaria, inventa as rendas dos palacios e faz adeantamentos.
Engrandecimento do poder real, ditadura, escandalos, perseguições, leis de excepção e adeantamentos, sempre adeantamentos.
Agora comprehende a significação das tremendas accusações feitas pelos progressistas, ainda não convertidos ao palacianismo, quando atacavam os Governos regeneradores no reinado de D. Luis, por darem dinheiro á Casa Real.
Vem de longe o escandalo dos adeantamentos.
Teem custado centos e centos de contos de réis; tanto que nem se calcula, nem se poderá saber nunca.
Ditaduras, adeantamentos, favores da Coroa aos ditadores, saques sobre o Thesouro Publico.
Eis o regime. E os Ministerios regeneradores do ultimo reinado encontraram a formula de governar, estabelecendo o principio de que a Coroa podia negociar ditaduras como a igreja de Roma pode vender indulgencias.
Para engrandecerem o poder real, para governarem sem o Parlamento, para se imporem, perseguindo, vexando e opprimindo, os ditadores sabiam a que recorrer: havendo dinheiro para adeantamentos, havia tudo.
Agora sim, agora comprehende-se bem o significado politico, moral e financeiro dessas ditaduras de engrandecimento do poder real; agora sim, agora comprehende-se e legitima-se o odio, o espirito de revolta, contra esses politicos desalmados que perseguiram, que roubaram eleições, que mandaram prender, acutilar, espingardear o povo!
A sua politica está definida pelo crime dos adeantamentos; por esse crime está definido o regime.
(O discurso será publicado na integra. quando o orador restituir as notas tachygraphicas).
O Sr. Soares Branco: - Não responderá a todas as referencias feitas pelo illustre Deputado Sr. João de Menezes, unicamente, porque é provinciano, e quando se fazem referencias a alguém que tenha morrido, ouviu sempre dizer lá na sua provincia: - Paz á sua alma; já lá está na terra da verdade! As cidades são de outra maneira, chamam-se intellectuaes, e fazem cousas absolutamente contrarias.
Tem, portanto, repugnancia de entrar em questões quando se trata de mortos.
Analysa em seguida o projecto, referindo-se largamente ao artigo 5.° que nomeia a commissão extra-parlamentar para a liquidação dos adeantamentos.
Antes de terminar, refere que no ultimo domingo, estando com alguns dos seus collegas em casa do Sr. Ministro da Fazenda, ouviu dizer a S. Exa. que existia effectivamente no Ministerio da Fazenda, num processo de abonos á Casa Real, uma carta de um determinado Presidente do Conselho a um Ministro da Fazenda, e que, provavelmente por informação errada dos seus adversarios, julgaram ter sido dirigida a elle, actual Ministro; portanto, S. Exa. não se recordava ainda nesse domingo da carta a que se referiu o Sr. Queiroz Ribeiro e que, de facto, existia, como o Sr. Ministro da Fazenda já confessou á Camara.
Por ultimo, pede a todos os Srs. Deputados que se congreguem, para diminuir a agitação publica, e para que o país não seja levado para uma convulsão perigosa.
(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).
O Sr. Pedro Martins: - Nesta altura do debate, depois do que na Camara se tem passado nas duas ultimas sessões, apos a completa e tremenda execução moral que, na sessão de hontem, a si mesmo e ao Presidente do Conselho de 1898, Sr. José Luciano de Castro, foi forçado a infligir o Sr. Ministro da Fazenda, réu confesso de adeantamentos illegaes á Casa Real, e a quem, em respeito da lei e da dignidade e moralidade do poder, já a esta hora devera ter sido arrancada a farda de Ministro, para ser enviado para o banco dos réus, espera o orador que no espirito da Camara não subsista a minima duvida sobre a necessidade imperiosa de não se converter em lei do Estado o presente projecto de lei.
Se em Portugal houve desgraçadamente um Ministro que, sem respeito pela dignidade e pelo prestigio da funcção governativa, ousou formular uma proposta de lei, com o proposito consciente e doloso de subtrahir o seu procedimento illegal e o dos seus cumplices á reprovação do Parlamento, condemnação do país e á acção punidora da justiça criminal; e se, illudida na sua boa fé. a commissão de fazenda deu o seu voto a essa proposta, que certamente não sabia que fosse bandeira protectora, á sombra da qual o Ministro esperava fazer passar o contrabando e os contrabandistas dos adeantamentos; hoje, que todos estão esclarecidos, que ouviram dos lábios do delinquente a confissão do seu crime, a revelação da cumplicidade do chefe do partido progressista e de que mais delinquentes havia, réus do mesmo crime de peculato, crime tão grave, tão odioso á consciencia publica e tão repugnante aos principies de moral e de direito, que o Codigo Penal, lei do Estado, o pune com pena penitenciaria, não se pode acreditar que o Parlamento Portugues ouse cobrir com o seu voto a torpeza dos adeantamentos e os que os fizeram, ordenaram ou instigaram.
Que ninguem commetta o erro, como hontem advertia generosamente o talentosissimo e eloquentissimo Deputado Sr. Affonso Costa, de tomar, com intuitos talvez caridosos, as responsabilidades dos outros.
Que ninguem queira a minima solidariedade com o Panamá dos adeantamentos. só conseguiria aumentar o numero dos que hão de ser amarrados ao pelourinho justiceiro da execração publica, só conseguiria aumentar a leva tristissima dos que hão de morrer moral e politicamente; só conseguiria tornar maior o cancro purulento que a nação tem de extirpar.
Se o Parlamento cobrir com o seu voto a torpeza dos adeantamentos illegaes e aquelles que os fizeram, ordenaram ou instigaram, ter-se-ha exautorado moralmente, e a nação tem o direito de responder a esse desafio á honestidade da consciencia publica, vindo ao Parlamento justamente offendida na sua soberania e na sua dignidade moral, arrancar os diplomas dos seus representantes com que os honrou para assegurarem e defenderem o imperio da lei e da moral não para encobrirem crimes ou sanccionarem pefeulatos.
Por isso, tem o orador a convicção de que em breve, muito breve, será retirado da discussão o presente e repugnante projecto de lei, que, depois do espectaculo miserando desenrolado pelo Sr. Espregueira, é o projecto mais suspeito, mais offensivo dos principios da moral e da dignidade do poder, e mais ultrajante para a nação e para o Rei, que, do seu conhecimento, se tem tido a ousadia de apresentar ao Parlamento.
Demais, o projecto está morto na sua contextura e economia geral.
Desde que o Sr. Espregueira teve de assistir ao desabar da sua obra habilidosa e foi forçado, pela imposição moral da opposição parlamentar e da opinião publica, a remetter á commissão parlamentar de inquerito os documentos relativos aos adeantamentos illegaes, a fim de que, com brevidade, esta os examinasse, para que serve essa estravagante e famosa commissão de juizes, que o