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SESSÃO N.° 46 DE 2 DE ABRIL DE 1902 3

tradições d'esta casa, se chamaria uma estreia, mas simplesmente para tratar, com singeleza e laconismo, modesta e rapidamente, como o assumpto requer, de interesses consideraveis e urgentes de algumas terras açoreanas por onde tive a honra de ser eleito Deputado. Em occasião, para mim, mais asada do que esta, Sr. Presidente; quando a Camara tenha de estudar e discutir assumptos em que a minha restricta competencia, toda profissional, possa naturalmente - e, porventura, com alguma utilidade - interferir, farei, se me for possivel (pois que nem sempre, nesta casa, é isso cousa facil ou possivel), a minha estreia classica, para não desacatar as pragmaticas. Hoje, pretendo outra cousa.

Sr. Presidente: a cidade de Angra do Heroismo, capital do districto do mesmo nome, maritima como este nome indica, situada no litoral do sul da conhecida Ilha Terceira, dos Açores, é servida por um pequeno porto natural e mau, sem melhoramentos, sem segurança para as embarcações, sem commodidades para os commerciantes.

Este facto implica, é bem de ver, Sr. Presidente, um antigo, e grave, e crescente obice ao natural desenvolvimento do commercio e da industria d'aquella trabalhadora e productiva terra.

Emquanto as capitães dos dois outros districtos açoreanos eram - e ha muito tempo que o foram - attendidas, melhoradas, enriquecidas, com a construcção de portos artificiaes em que os nossos Governos teem gasto (e muito bem), avultadissimas sommas, a historica cidade de Angra, a antiga capital dos Açores, a heroica acolhedora do Prior do Grato e de D. Pedro IV, a chamada, emfim, sempre leal cidade de Angra do Heroismo, continuava, e continua, por uma verdadeira falta de equidade, Sr. Presidente, tão verdadeira quanto inverosimil, a fazer penosamente, pelo seu pequeno e mau porto natural, sempre incommodo e muitas vezes perigoso, o seu importante e progressivo, mas cada vez mais difficil e mais caro, commercio maritimo...

E cada vez mais difficil e mais caro, Sr. Presidente, porque toda a navegação, quer nacional, quer estrangeiro, e principalmente esta, que, antigamente, antes da existencia dos portos artificiaes de S. Miguel e Faial, se dividia, se repartia, como era natural, pelas capitães dos tres districtos açoreanos e pelas outras ilhas dos Açores, hoje, attrahida pela segurança, pelas, commodidades, pelas officinas de reparações nauticas e pelos depositos de carvão e apparelhos que aquelles portos lhe offerecem, abandona, cada vez mais, como é logico, a Terceira, tornando, assim, o commercio maritimo d'esta ilha cada , vez mais difficil e mais caro.

Ora a Terceira, Sr. Presidente, por não possuir porto de abrigo, não tem, e não pode ter, d'aquelles depositos nem d'aquellas officinas que são, a um tempo, como é sabido, estimulo e resultado, razão de ser e producto, de uma intensa navegação. E, todavia, esta ilha, Sr. Presidente, cujo movimento maritimo tende a reduzir-se a raros, esporadicos navios a custo fretados para ali; a uma pequena cabotagem de estio entre Angra e as Ilhas de S. Jorge, Graciosa e Pico; e ás visitas quinzenaes (obrigatorias, dos vapores da Empresa Insulana de Navegação (navios que, a bem dizer, são os unicos vehiculos certos dos generos que constituem o commercio externo da Terceira), é uma terra de commercio e industria notaveis, uma terra de larga importação de tecidos, madeiras e muitas outras mercadorias nacionaes e estrangeiras, e de importante exportação de cereaes, alcool, lacticinios e gado . Mas a verdade, a crua verdade, é esta: emquanto S. Miguel, com o seu porto de abrigo e o intenso trabalho da sua população - é um dever e um prazer proclamá-lo -, está sendo uma das mais productivas e ricas terras portuguesas; emquanto o Faial, menos trabalhador e menos prospero, se prepara, ainda assim, com o seu porto e o seu commercio, para um futuro melhor; a Terceira, tão injustamente esquecida pelas instituições que ella, em tempo, tão brilhantemente defendeu com o seu heroismo e á custa do seu sangue, continua, no gozo incontestado mas meramente platonico das suas glorias passadas, a fazer penosamente, como já tive a honra de dizer, o seu commercio maritimo - por um pequeno porto natural e mau, sem melhoramentos , sem segurança para as embarcações, sem : commodidades para os commerciantes...

Dir-se-hia, Sr. Presidente, que o nosso país e os seus Governos se teem habituado a considerar esta boa e agasalhadora terra suficientemente enriquecida e melhorada pelas glorias grandes que ella outr'ora conquistou - em sacrificar-se por elles...

Em vista do exposto, Sr. Presidente, caberia bem aos habitantes da Terceira e aos seus representantes em Côrtes (ao numero dos quaes me honro de pertencer) impetrar do Governo, com insistencia e firmeza, em nome da justiça a mais clara e da equidade a mais perfeita, a construcção immediata de um porto artificial em Angra do Heroismo, a exemplo do que se tem feito (e, repito, muito bem, com excellentes resultados) em Ponta Delgada e Horta.

Mas os habitantes da Terceira e os seus representantes em Côrtes sabem bem, como todo o país sabe, que as actuaes circumstancias do Thesouro nada teem de florescentes, e, por isso, razoaveis e cordatos, se limitam a pedir-mas isto, Sr. Presidente, com a sua maior energia e a sua melhor dedicação, uma cousa infinitamente menos custosa e importante de que um porto de abrigo: pedem, apenas, por agora, a simples e facil ampliação de um caes, do caes do Porto de Pipas, da bahia de Angra, a qual, Sr. Presidente, sobre não offerecer aos navios boas condições de ancoragem e abrigo, nem ao menos tem um caes commercial por onde o seu crescente trafego mercantil possa ser realizado em boas condições de segurança e rapidez.

Alem d'esta consideravel e urgente melhoria de ordem material e economica, os habitantes da Terceira - que não esquecem nem descuram, Sr. Presidente, as suas necessidades reaes nem os seus direitos justos de ordem intellectual e ethica precisam e pedem: que o seu antigo instituto official de instrucção secundaria seja elevado á categoria de Lyceu Central; que o moderno Gymnasio Escolar adjunto ao referido Lyceu Nacional fique fazendo, desde então, parte integrante do mesmo e que, finalmente, o moderno Curso Nocturno de Português annexo á Escola de Desenho Industrial mantida pela Junta Geral- destinado ás classes operarias e muito frequentado por estas - seja, outrosim, ampliado com noções elementares de corographia e historia patrias, arithmetica e aciencias naturaes, para cujo ensino tem demonstradas idoneidade e competencia o actual professor do dito curso.

Os corpos administrativos do districto de Angra, conscios da importancia e do alcance d'estas modestas reformas do ensino publico, obrigam-se, de bom grado, ao pagamento o que é muito para accentuar aqui- de todas as despesas que ellas determinarem.

Superfluo seria, Sr. Presidente, encarecer, nesta casa, estes ou quaesquer outros melhoramentos da instrucção do povo português, pois que o carecimento e e a utilidade d'elles constituem um principio fundamental de boa governação, que anda no espirito e no desejo de todos os nossos homens publicos e Governos.

Melhorar e ampliar a cultura, intellectual de todos, e, sobretudo, a instrução descuradissima e pessima das nossas classes operarias- as menos (e profundamente menos) instruidas de toda a Europa culta e de toda a America saxonia - é uma das mais urgentes das nossas necessidades publicas, porque envolve os mais graves e serios pro-