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1570

magnates cederam á igreja em ferido muitas cidades e logares; os réis mesmo cediam os reinos a santa sé e sujeitavam-nos a um censo annual, a que se chamou o dinheiro de S. Pedro.

As idéas dos padres, ou as idéas da epocha, concorreram poderosamente para a enormissima riqueza da igreja. Os padres disseram que para a remissão dos peccados mortaes era necessaria a penitencia de sete annos, que os peccados se remiam por meio de doações, que as penitencias se resgatavam por dinheiro e por doações. A vida dos peccadores não chegava para o cumprimento das penitencias publicas, é, aberta a porta do resgate das penitencias por meio das doações, a igreja quasi que empolgou o territorio das nações catholicas.

(Interrupção do sr. Ribeiro da Silva, que não se ouviu.)

Estimei o áparte que me dirigiu o meu honrado collega, illustre ornamento do clero portuguez (apoiados), porque me dá occasião a eu fazer algumas reflexões sobre este ponto que eu tencionava calar. Desculpe-me a camara alguma divagação.

A igreja possuiu tanto que Montesquieu calculava que em tres gerações a igreja possuiria exclusivamente o territorio francez.

É notavel esse capitulo da historia que nos mostra os padres fazendo propagar que no anno 1000 o mundo acabava, que era mister purificar as almas, resgatar as penitencias, e remir os peccados por meio de doações. A igreja absorvia tudo, e foi formidavel a luta entre os barões e a igreja para a revendição dos bens tão arteiramente havidos. Carlos Magno teve de cohibir e condemnar o enriquecimento dos padres á custa das lagrimas dos parentes de defuntos que oram ricos, o cujos filhos mendigavam o pão por toda a parte.

Entre nós na partilha das terras, quando conquistámos palmo a palmo o solo da patria, foram equiparados os prelados aos magnates e ricos homens; para estes havia a reversão, para aquelles não a podia haver pela natureza perpetua da igreja. A acquisição da propriedade pelo clero era enorme. As queixas dos povos subiram ás côrtes de Coimbra em 1211, e ahi se prohibiu a compra dos bens de raiz pela igreja. A luta do clero contra o poder civil era tremenda, foi mister a promulgação da lei de 10 de julho de 1286 no tempo de D. Diniz, conhecida geralmente pela lei da desamortisação. N'essa lei se determinou que a igreja vendesse todos os bens dentro de anno e dia. Continuou a luta entre a igreja e o poder civil, e vinte e tres annos depois exceptuavam-se da desamortisação os bens dotaes da igreja. Os padres entenderam que todos os bens eram dotaes. Os antigos dextros, os passaes alargaram-se quasi indefinidamente, as queixas dos povos continuaram. Nas côrtes de Lisboa em 1371 ampliou-se a desamortisação a todos os bens adquiridos por qualquer titulo. Estas determinações passaram para a ordenação de D. Manuel, para a ordenação Filippina, e foram corroboradas pela lei de 30 de junho de 1611. O braço energico e admiravelmente audaz do marquez de Pombal escreveu as leis de 4 de junho de 1768, e alvarás de 12 de maio e 9 de setembro de 1769. Era uma luta de seculos entro a igreja e o podér civil.

A pertinacia da igreja era admiravel, zombou muitas vezes das mais energicas disposições das nossas leis.

Nós reconhecemos sempre a propriedade da igreja, e o que sempre sustentámos foi que ella não poderia possuir fundos prediaes. Veiu a revolução de 1834; até ahi a igreja sustentava-se das suas rendas, dos dizimos unidos aos fóros provenientes das grandes e muitas doações dos nossos monarchas e das pessoas ricas. Pelos decretos de 30 de julho e 13 do agosto de 1832 foram abolidos os dizimos, os fóros e alcavalas que pesavam enormemente sobre a terra. Nós extinguimos os dizimos, e fizemos muito bem, porque não havia contribuição mais absurda.

(Áparte do sr. Ribeiro da Silva, que não se percebeu.)

Extinguimos os dizimos e fizemos muito bem, repito. O que foi mau foi não substituirmos aquella contribuição horrivel por uma justa e proporcional, porque, se o fizessemos, não estariamos talvez no estado desgraçado em que estamos. Os dizimos fundavam-se na antiga obrigação que tinham os judeus de os pagar á tribu de Levy. Esta obrigação cessou, porque se derrogaram os preceitos legaes da lei de Moysés. É por isso que nos primeiros seculos christãos se não fallou nos dizimos; depois, e muito depois, é que os padres propunham aos fieis o exemplo dos judeus, é que aconselharam o seu pagamento como meio de obterem boas colheitas de fructos, saude e bens celestiaes. De contribuições puramente voluntarias os padres fizeram-nas puramente obrigatorias, e tanto que excomungavam quem as não pagasse. Abolimos os dizimos, repito, e todas as alcavalas e fóros de que se sustentava a igreja. Prometteu-se então que para supprir os dizimos se estabeleceriam congruas pagas pelo thesouro para a sustentação do culto e do clero. Esta promessa solemne foi exarada no decreto de 30 de julho, artigos 7.° e 8.°

Essas congruas estabeleceram-se com effeito, pela portaria de 5 de julho do 1834, carta de lei de 20 de dezembro do mesmo anno, e de 23 de outubro de 1835.

N'essa epocha as circumstancias do thesouro e os tripudios que as seguiram ao festim da liberdade não permittiram o pagamento pontual. A sorte dos parochos era realmente desgraçada. A promessa solemne de uma nação não estava cumprida. Era um verdadeiro escandalo, como se diz no preambulo do decreto de 19 de setembro de 1836. Era necessario pôr cobro a esse escandalo; estabeleceram-se as congruas. As congruas compõem-se do rendimento dos passaes, de pé de altar, direitos de estola ou benesses, e de derramas lançadas sobre os parochianos. Estas benesses, direitos de estola e pé de altar foram voluntarios sempre, até que pelo decreto de 30 de julho de 1790 a Rainha D. Maria I os tornou obrigatorios.

Dotamos hoje o clero com fintas ou derramas, com os direitos de estola e pé de altar e com o rendimento dos passaes. Que representam pois hoje os passaes? Uma parte da dotação do clero. Representam um meio com que o estado, que tem obrigação de dotar a igreja, lhe dá os meios para parte da sustenção do clero. Poderemos desamortisar os passaes? Podemos e devemos. Nos paizes onde ha uma religião do estado, este tem obrigação de dotar o culto e o clero d'essa religião; tendo esta obrigação, tem a liberdade juridica de a cumprir por uma ou outra fórma. Se o estado hoje dota o clero com as congruas, que se compõem do rendimento dos passaes, do pé de altar e das derramas, póde dota-lo de um outro modo, comtanto que dote o culto e o clero da religião do estado como deve ser.

E cabe-me agora responder ao que disse aqui o meu nobre amigo o sr. Belchior José Garcez. S. ex.ª reprova este projecto, porque vê na desamortisação dos passaes uma medida percursora da dotação do clero, e s. ex.ª não quer a dotação do clero, porque não somos a isso obrigados como o foi a França pela concordata do principio d'este seculo, e porque s. ex.ª, partidario da igreja livre no estado livre, não quer que o estado dote a igreja.

Nós somos tão obrigados a dotar a igreja do estado, como é a França. Em França tiraram-se os bens á igreja, fez-se uma concordata, restituiram-se-lhe bens, que ainda não estavam vendidos, e obrigou-se o estado a dotar o culto e o clero. Entre nós tiraram-se pelos decretos de 1832 os bens á igreja, prometteu-se na legislação do paiz solemnemente a sustentação do culto e do clero, determinou-se que a religião catholica era a religião do estado, e nos paizes, onde ha religião do estado, este tem obrigação de sustentar o seu culto e o seu clero. E o que faz a Inglaterra, que dota ricamente a religião protestante, que é a religião do estado. E o que fazem todos os paizes, onde ha religião do estado. Mas s. ex.ª quer a igreja livre no estado livre, e por isso não quer a dotação do culto e do clero: Eu tambem sou partidario da igreja livre no estado livre, idéa do conde de Montalembert expressa no parlamento italiano n'um famoso discurso pelo notavel conde de Cavour, por estas palavras: «Igreja livre no estado livre.» Segundo a opinião d'estes homens tão notaveis, a igreja coexiste no estado com as outras associações religiosas, sem que o estado tenha mais obrigações para com ellas de que garantir-lhe o livre exercicio dos seus direitos, e a harmonia, que deve existir entre todas as associações e individuos coexistentes no estado. Esta doutrina é uma consequencia da theoria de Kranse, de que eu sou partidario convicto. Mas conceberá alguem que possa haver igreja livre no estado livre sem liberdade de cultos? Se querem a igreja livre no estado livre, é mister primeiro estabelecer alem da liberdade de consciencia que temos, a liberdade de cultos, que a carta não permitte (apoiados).

Chegámos ao tempo de poder decretar a liberdade de cultos e o principio da igreja livre no estado livre? Parece-me que não. Sou partidario da igreja livre no estado livre, aspiro a ella, mas não creio chegado o tempo de poder ver realisada a minha aspiração. Quando houver liberdade de cultos, quando a possa haver em Portugal, seja então a igreja livre no estado livre, então sustentem os catholicos a sua igreja, e os sectarios das outras religiões sustentem o seu culto: emquanto houver uma religião do estado, o estado tem de sustentar essa religião. A religião catholica é a religião do estado em Portugal, é um indeclinavel dever do estado dotar convenientemente o culto e o clero catholico. Quando conquistámos a liberdade tirámos os bens á igreja, ficaram só os passaes e alguns pequenos fóros que não provinham de doação regia. Promettemos dotar com congruas os parochos, sustentar o culto e o clero, mal cumprida esta obrigação. Uma lei da dotação do culto e do clero é uma necessidade e é um dever. Nós hoje dotamos o clero com o rendimento dos passaes, com derramas e pé de altar. O pé de altar é um imposto absurdo, por vezes o tenho dito n'esta camara. O parocho, quando morre algum freguez, em vez de ir consolar a viuva que perdeu o companheiro de seus dias, guia e arrimo, os orphãos, que choram a perda do pae, vae saber a quanto montou a herança para ver que officios ha de fazer, e que dinheiro ha de receber. Isto e repugnante, isto é abominavel. O parocho recebe pelos baptisados, pelos proclamas, pelos casamentos, e estas propinas parecem-se com a simonia, degradam o parocho aos olhos do povo, e o parocho tem um grande sacerdocio a exercer, uma alta missão a cumprir. O pé de altar não póde continuar, as derramas têem muitos inconvenientes, muitas vezes indispõe o parocho com os freguezes, e o parocho deve ser pae espiritual de todos os que vivem na parochia. Os passaes têem todos os inconvenientes de mão morta, são uma pela á prosperidade do paiz, os passaes devem desarmortisar-se. É mister que esta terra, hoje amortisada, passe da mão de quem não tem interesse em melhora-la para a máo de quem possa, de quem queira, de quem saiba aproveita-la, agriculta-la, e augmentar-lhe as forças productivas, para acrescentar a riqueza agricola e a prosperidade da nação. Temos direito de desamortisar o passal, direito inconcusso; temos dever de o fazer, porque temos obrigação de dotar o culto e o clero de uma maneira justa, rasoavel e digna, e o modo por que o dotámos é mau, é deficiente, é anachronico e absurdo. Podemos desamortisar os passaes, porque temos a liberdade juridica de dotar a igreja com elles, ou com uma outra sorte de riqueza, temos obrigação de o fazer em proveito da igreja e do paiz, e assim respondo á questão previa do sr. Barros e Sá. Era logico que junto com um projecto de desamortisação dos passaes viesse o projecto da dotação do culto e do clero, nem seja a desamortisação dos passaes a medida percursora da lei da dotação do culto e do clero, e, assim cumpriremos um dever sagrado, a que não podemos faltar sem nos degradarmos e sem faltarmos ás promessas solemnes que a nação fez. Desamortisem-se os passaes, e dote-se o clero e o culto catholico.

Poderemos desamortisar efe bens das corporações scientificas ou de instrucção? Podemos do mesmo modo e pelas mesmas rasões por que desamortisámos os bens das outras corporações. O estado pelo seu direito de tutela, de inspecção, de patrocinio, póde e deve fazer converter os fundos prediaes d'estas corporações em outras propriedades, resultando d'esta conversão vantagem para o paiz e para esses estabelecimentos, que merecem toda a solicitude, toda a consideração e toda a protecção dos poderes publicos. Podemos desamortisar os baldios e terrenos incultos dos municipios e parochias?

Podemos e devemos. A vantagem do aproveitamento dos baldios é manifesta; a questão está decidida. Na lei de desamortisação civil vinha um artigo que determinava a alienação dos baldios. Essa lei foi posta de parte; aqui não foi posta de lado, foi a força dos argumentos que n'esta casa se apresentaram para mostrar as vantagens de uma tal medida.

O baldio quer dizer o despovoado, o abandono, a charneca inculta onde podiam brotar productivas culturas, quer dizer, a miseria, onde podia haver a abundancia, o proletarismo, onde podiam trabalhar milhares de braços robustos, rasgando a terra; o baldio quer dizer o abandono do mais admiravel instrumento de producção, a terra; o baldio quer dizer a miseria, a esterilidade, a fome e a despovoação. E uma hedionda nodoa na civilisação dos povos. O aproveitamento dos baldios quer dizer augmento de população agricola, quer dizer actividade, incentivo ao trabalho, que é o grande regenerador das nações. A desamortisação do baldio é o augmento da riqueza, é a conversão do proletario em proprietario, é pela formidavel á emigração que desampara os estados, é a abundancia e a prosperidade.

O baldio esterilisa o solo, a sua desamortisação leva a abundancia, a riqueza, a prosperidade aos estados, onde se adoptar tal medida. Entregue-se á propriedade individual o baldio, o terreno inculto, o maninho, o logradouro commum; faça-se com que á indolencia se substitua a actividade, á miseria de algumas povoações succedam as maravilhas do trabalho e da fadiga. Em nome da prosperidade do nosso paiz e dos beneficios que de tal desamortisação hão de porvir ás parochias e municipios; desamortise-se a charneca safara, e deixe-se que o trabalho perseverante do homem torne campo, vinha, olival, vergeis e matas, o que é hoje despovoado medonho, baldio desolador.

As excepções da lei de 22 de julho de 1866 devem desapparecer. Os bens que por essa lei se não desamortisaram, desamortisem-se; é o que proponho, o que sustento, o que votarei. Examinarei agora o projecto pelo lado financeiro.

O projecto, como expediente financeiro, p projecto por o modo como se apresenta, é uma espoliação. É uma espoliação revoltante. Que se pretende fazer por este projecto? Vender por conta do estado os bens, que ainda não estão vendidos, e que estão desamortisados por as leis de 1861 e 1866; vender os passaes e os bens pertencentes ás corporações scientificas, receber o governo o dinheiro para pagar a divida fluctuante, e entregar ás corporações, cujos bens se vendem, inscripções a rasão de 50 por cento. Que quer dizer isto? Quer dizer que o estado, em vez de usar do seu direito de tutela, de inspecção, de patrocinio, sobre as corporações as mais sympathicas, as mais uteis, as mais admiravelmente proveitosas, em vez salvaguardar os seus interesses futuros, de segurar e garantir os presentes, em vez de entregar a essas corporações real a real o producto da venda dos seus bens, e remissão dos seus fóros e direitos dominicaes, e fiscalisar o seu religioso emprego em fundos que dêem segurança e maior rendimento, em vez do estado cumprir este sagrado dever, vae vender a essas corporações os seus bons e fóros, recebe o dinheiro para tentar remediar as suas finanças mal regularisadas, e entrega-lhes um papel, a que dá um valor arbitrario. Isto não póde ser; isto é um roubo, e o roubo elevado a principio financeiro é repugnante, é abominavel aos olhos da justiça e da rasão.

Os bens vendidos dão um capital que, empregado em fundos publicos, em obrigações prediaes, em acções de bancos e companhias, rende mais, e muito mais. E porque é isto? É porque o rendimento da terra progride, o rendimento dos papeis de credito, se não diminue, é estacionario.

Quando em França se tratou da questão de desamortisação dos bens dos estabelecimentos de beneficencia, mr. Charles Lucas, no seu notavel discurso na academia de sciencias moraes e politicas, em 27 de janeiro de 1855, dizia que no collegio instituido por o arcebispo de Tours em 1334 se sustentavam seis escolares então por 3 seus por semana; que em 1540 se gastavam com os mesmos 7 seus, que em 1563 15 seus, e annos depois 20 seus; que apesar d'este augmento progressivo de despeza, o collegio se sustentava, porque os seus fundos eram terras, e o rendimento d'estas augmentava ao passo que a vida se tornava mais cara.

«Ao contrario, dizia o illustre escriptor, o collegio de Lirieux, fundado em 1336, perdeu toda a sua importancia, porque o seu fundo era dinheiro, e não póde sustentar-se. O collegio de Chagnac, fundado em 1324, sustentava no seculo XVI metade dos escolares que era obrigado por a sua instituição.»

Sustentou o mesmo escriptor, que a moeda no seculo XVI se depreciou 75 por cento em setenta e cinco annos; que por isso Neker garantia 1/10 do capital e juros ás corporações na renda do estado, porque não queria que ellas perdessem com a depreciação da moeda e augmento do valor e rendimento das terras.