O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1572

riaes; e tendo eu de fallar contra esta medida, tenho rigorosa necessidade de por esta occasião definir, em breves palavras e muito rapidamente, a minha posição politica n'esta casa, e de explicar á assembléa qual a rasão por que eu não posso deixar de combater uma medida d'esta natureza, e por que tenho de preferir aos dictames do meu coração, aos meus sentimentos mais intimos de amisade para com o ministro, auctor d'esta proposta, um dever que eu reputo sagrado, e que me leva a fazer calar esses sentimentos do meu coração para entrar na discussão d'esta lei friamente, apreciando-a apenas segundo os dictames de uma rasão mais ou menos esclarecida, mas em todo o caso sincera.

Eu tenho visto por varias vezes que alguns membros d'esta casa têem entendido dever explicar á assembléa a posição politica que adoptam, costume que me parece louvavel, porque desde que se entra na carreira publica é bom definir as posições, e é bom que as posições não sejam equivocas (apoiados). Tenho visto uns dos meus illustres collegas declararem que tomaram mais ou menos parte na manifestação do paiz que teve logar em janeiro, outros que lhe imprimiram movimento, outros que vieram d'esse movimento, e alguns que eram historicos antes da fusão, outros fusionistas, outros anti-fusionistas, etc.. etc.. muitos nomes que eu mesmo não pude fixar na memoria.

Eu sou o primeiro a respeitar, a admirar mesmo a genealogia illustre, a procedencia distincta e nobre de qualquer, e de todos os membros d'esta casa que a allegaram aqui a seu favor; mas no meio do respeito e no meio da admiração que estas genealogias e que estas procedencias me causam, eu sinto-me tambem um pouco disposto a admirar (permitta-se-me a expressão), a grandeza da minha alma que, sensivel a esse respeito e a essa admiração, tem todavia a força sufficiente para não invejar essas procedencias illustres e essas genealogias muito distinctas, resignando-se com a sua obscuridade.

Não posso allegar a meu favor nenhuma d'estas procedencias, tenho pelo contrario de fazer uma confissão simples e clara á camara. Nunca pertenci a partido algum. Vim para esta casa do meu escriptorio de advogado, aonde me conservava completamente estranho e quasi indifferente a todos os movimentos e a todas as scenas politicas do paiz. Tenho mesmo a franqueza precisa para declarar a v. ex.ª e á camara que até ao momento da minha eleição fui sempre mais egoísta do que patriota. Cuidava de mim, e precisava para isso de todo o tempo. Deixava a intelligencias superiores á minha, a illustrações e a homens praticos com quem eu não posso ter a louca vaidade de medir-me, completamente o cuidado das cousas publicas e de dirigir a administração do paiz, que por força, mais tarde ou mais cedo, eu esperava que haviam de levar a bom caminho.

Esta minha declaração não envolve uma confissão de que me fosse inteiramente indifferente a sorte da paiz. Não é preciso ser patriota, basta ser cidadão para desejar a felicidade da patria, para desejar a boa administração e todas estas vantagens de que deve gosar uma sociedade civilisada (apoiados). Porém o que isto significa é que reconhecia não ter ainda chegado para mim a hora de pôr a mão e de tomar parte de alguma fórma nas cousas publicas; e por consequencia esperava, tratando apenas dos negocios da minha casa e dos meus negocios particulares, que um acaso ou vicissitude futura me chamasse tambem para esta scena publica em que appareci pela primeira vez n'este parlamento.

Antes das eleições tiveram logar os acontecimentos de janeiro. Deixo aos illustres deputados, conforme a opinião que formam d'elles, a classificação que já lhes têem dado, e que uns exaltam até ás nuvens, e que outros deprimem até á rua, até á lama. Deixo livre essa classificação. Para mim os acontecimentos de janeiro, em que eu não tomei parte absolutamente alguma, para que não concorri de fórma alguma, a que não estava ligado por vinculo de natureza alguma, os acontecimentos de janeiro para mim são apenas uma manifestação do paiz, não os chamo outra cousa, e não lhes dou mais importancia do que aquella que elles podiam ter debaixo d'este ponto de vista. Ignoro o fim do movimento de janeiro, esse só podem com exactidão sabe-lo os que entraram n'elle. Não sei do movimento de janeiro senão aquillo que se publicava no paiz, e que se declarava ser o desejo, o intuito e o fim d'aquella manifestação, eram economias na administração, reducções nas despezas, sem prejuizo do serviço, a attenuação até á extincção do deficit, e todas as garantias de que uma vez attenuado ou extincto o deficit, o paiz tivesse a certeza de que não tornaria a apparecer, porque ao governo se fariam as restricções e as cautelas precisas para que a despeza publica nunca podesse exceder a receita que para isso tivesse sido votada, salvos os acontecimentos extraordinarios que auctorisam o excesso da despeza sobre a receita, como são os casos especialissimos de guerra, de peste, de fome, de inundações ou casos de igual natureza. Estes fins da manifestação aceitei-os eu, não me compromettendo com o movimento, nem com a manifestação, porque não tomei compromisso algum; mas aceitei-os, porque julgo que são estes os principios fundamentaes da boa administração e bom governo.

Ora, entrando n'esta casa sem ligações com o movimento de janeiro, sem ligações com partido nem com parcialidade de partido absolutamente nenhuma, sem precedentes politicos de nenhuma especie, porque eu nem pela imprensa guerreei ou auxiliei nenhum partido, entendi que devia vir para aqui absolutamente livre para apreciar isoladamente cada caso e cada questão, e para votar sobre esses casos e sobre essas questões com perfeita, com plena liberdade, sem que o meu voto me compromettesse nem para um nem para outro lado (apoiados). Eu digo a v. ex.ª a rasão por que faço isto.

Sei perfeitamente que em politica ninguem se póde collocar na posição isolada em que me colloquei, porque um homem isolado não faz nada, não póde influir em ninguem, não póde ser soldado em campo nenhum, e por consequencia fica completamente inutil n'estas lutas politicas (apoiados). Mas, sr. presidente, esta regra tem excepção e essa excepção encontra-se exactamente nas circumstancias extraordinarias do nosso paiz.

Não é possivel a nenhum homem publico, a nenhum homem que entra na carreira politica, conservar-se isolado, quando ha partidos organisados, partidos separados com idéas e principios diversos, distinctos e previamente estabelecidos; então o homem que entra na vida publica não entra para se conservar isolado (porque quem quer ficar isolado não vem para ella); então alista-se n'um ou n'outro partido, e confia como soldado leal desde a primeira até á ultima nas condições do credo politico do partido a que pertence (apoiados).

Eu, sr. presidente, sem ter a vaidade (que nunca imaginei) de poder formar partido, tenho todavia o proposito firme de concorrer com todas as minhas forças para que se organisem os partidos; e uma vez organisados escolherei aquelle a que pertenço, e mostrarei então que ninguem com mais coragem, ninguem com mais assiduidade e constancia vota desde as primeiras até ás ultimas todas as medidas do partido a que pertencer.

No systema representativo ha só dois partidos possiveis: o conservador e o progressista; tudo o mais é excrescencia anomala e prejudicial, impossivel de conciliar com a continuação do verdadeiro systema representativo (apoiados). Todavia entre nós os dois partidos não existem, ou, pelo menos, não figuram actualmente distinctos, separados e oppostos, como cumpre que estejam, nas lides politicas. Por emquanto o que se encontra é a divisão e subdivisão do partido progressista em tantas fracções, que a memoria mais feliz difficilmente alcança reter os appellidos distinctivos que muitas vezes são já os nomes proprios dos homens respeitaveis que presidem a uma ou outra situação. N'estas circumstancias, quem não entra em politica para trocar o seu nome, embora obscuro, pelo nome de outro homem, embora respeitavel e brilhante, encontra-se em serias difficuldades; e eu não vim ao parlamento para trocar o meu nome por outro nome, para ser homem de nenhum homem, echo de outra voz, sombra de outro corpo (apoiados).

Actualmente o partido conservador, disperso, ou, pelo menos, dividido em grupos, reune-se e confunde-se constantemente nas varias situações que se succedem rapidamente, ás quaes não consegue imprimir caracter puramente conservador, mas onde influe, e ás vezes prepondera na resolução de medidas isoladas e parciaes.

Este estado, sr. presidente, é anormal, e não póde durar muito. Os partidos hão de separar-se, e eu não espero por essa occasião para me pronunciar. Pronuncio-me desde já. Ao effectuar-se a separação serei sempre progressista (apoiados). Todavia, emquanto se não distinguem, emquanto as diversas fracções do mesmo partido progressista estão todas confundidas em questões e em principios diversos, tenho de reservar para mim a liberdade plena de apreciar isoladamente cada medida que vier á discussão, votando sobre ella segundo a minha pequena intelligencia, mas sempre segundo a idéa que eu tiver do partido a que desejo pertencer no futuro e conforme as circumstancias especiaes do paiz.

No projecto em discussão voto a generalidade e rejeito a especialidade. Voto a generalidade do projecto, porque voto o principio da desamortisação; porém o principio da desamortisação, como eu o voto, precisa ser definido, porque não é o mesmo principio que se encontra n'esta proposta, nem o que se encontra tambem nas propostas que já foram approvadas, e que hoje são lei do paiz.

O principio da desamortisação, que eu voto, é o direito pleno, absoluto que a nação ou o governo tem de desamortisar todos os bens immoveis que não pertençam aos particulares, ou a associações individuaes com os mesmos direitos que têem os individuos. Mas pela palavra desamortisação entendo eu apenas o direito de obrigar a vender, e de obrigar a vender em certo e determinado praso; mas obrigar a vender um certo e determinado praso sem que todavia o estado, a nação deixe de respeitar a propriedade que as corporações têem sobre o producto da venda d'esses bens deixando-o livremente empregar pelas corporações a quem se fez a desamortisação, ou a quem se obrigou a vender a propriedade: salva já se vê a fiscalisação, e salvos os meios que o governo póde e deve adoptar para que esses capitaes, producto da venda dos bens desamortisados, não sejam distrahidos, e sejam applicados ao fim a que previamente eram destinados.

Eu não me canso em fazer uma demonstração longa e muito menos scientifica do direito de desamortisação que tem a nação, ou que tem o governo. Nunca fui muito forte em dissertações academicas. E creio tambem que, n'uma questão tão simples e clara como esta é, não se torna necessario recorrer á historia, procurando ahi exemplos e argumentos nas leis antigas, umas das quaes já estão revogadas e outras esquecidas, para provar que em tal e tal epocha se procedeu d'este ou d'aquelle modo.

A questão da desamortisação é de tal ordem que reputo hoje perigosa a discussão não só para os que a defendem como para aquelles que a combatem. O direito de desamortisação pela fórma que eu o entendo, que é o direito de obrigar as corporações a vender juntamente com a liberdade de administração e do emprego dos capitaes, constitue um axioma por tal fórma claro e intuitivo, que se é grande risco impugna-lo, tambem é algum risco defende-lo; porque esse axioma não precisa de defeza. E dá má idéa de si quem se cansa a demonstrar que dois e mais dois são quatro segundo os rudimentos arithmeticos das addições de unidades. Ha cousas que se veem, não se demonstram.

Com effeito é axiomático, que cada geração que se succede sobre a terra tem os mesmos direitos e as mesmas obrigações que tinha a geração que ella veiu substituir. E então é necessario que nós nos convençamos por uma vez que nenhuma das gerações passadas, que nenhuma das gerações anteriores tinha direito de dispor por tal fórma do mundo e da terra em que viveu que as gerações futuras, se quizerem exercer os mesmos direitos e as mesmas obrigações, encontrem a terra a tal ponto presa por disposições velhas, antigas e de tempos muito remotos, que as impossibilitam de cumprir os seus deveres e exercer os direitos que são originaes e inherentes á natureza humana. É por isso que para mim n'este ponto não têem importancia alguma as lições da historia, nem os argumentos das leis antigas para saber que desde que uma nação possue a sua autonomia, tem plena liberdade, sem licença de ninguem, de legislar sobre todas as partes do territorio que compõem essa nação.

Não é porque Abraham levou ou mandou seu filho Isaac ao sacrificio, que se me ha de argumentar para que eu sacrifique tambem o meu. Não é porque uma geração anterior quiz dar ou quiz presentear alguem com parte das terras da sua nação, que nós, geração nova, havemos de respeitar essa lei e essa especie de inamovibilidade perpetua determinada por uma geração que já não existe.

Por consequencia para mim é fóra de duvida, é axioma que dispensa toda a defeza, o direito pleno, absoluto que uma nação tem de desamortisar ou de obrigar a vender todas as terras e todas as propriedades immoveis pertencentes a corporações que não têem direito de propriedade, a fim de que entrem no commercio e uso commum, e fiquem sujeitos plena e absolutamente ás leis que regem a propriedade n'esse paiz.

O argumento que ordinariamente se apresenta da parte daquelles que defendem o direito de desamortisação, é dizer que aquelles que não querem a desamortisação, reconhecem o direito de propriedade nos possuidores.

A não ser nas associações individuaes, eu não reconheço em corporação alguma o direito de propriedade, nem direito perfeito, nem direito imperfeito.

E aqui é occasião de eu combater algumas das proposições avançadas pelo meu illustre amigo e distincto ornamento d'esta casa, o sr. Barros e Sá, que no discurso que aqui apresentou e que terminou por uma questão previa, teve a habilidade de defender por tal fórma principios que eu reputo erroneos, que a não ser a maxima illustração d'esta assembléa, estou convencido de que aquelle discurso produziria impressão profunda em todos nós. Para mim é ponto indubitavel que não só n'uma assembléa menos illustrada, mas ainda em grande parte das povoações do nosso paiz, o discurso de s. ex.ª ha de ser considerado como modelo de justiça, como modelo de verdade, como modelo de perfeito conhecimento da legislação do paiz e do dever que temos de respeitar a propriedade.

O illustre deputado distinguiu o direito de propriedade perfeito e o imperfeito, confundindo esse direito com a simples administração ou detenção que até hoje têem tido as differentes corporações do paiz sobre as terras que possuem, assim como confundiu as associações individuaes com outras corporações, e confundiu ingenuamente, porque não posso suppor que foi de proposito, e quero antes deixar de respeitar a infallibilidade do illustre deputado, do que fazer qualquer insinuação ás suas intenções. A confusão pois que s. ex.ª ingenuamente fez das corporações individuaes com as corporações permanentes, e das corporações que têem direito de acquisição, de dominio, de propriedade sobre os bens que adquirem com as corporações que são apenas simples administradoras dos bens que possuem; não é argumento, porque o principio não é verdadeiro. Não é logica, é sophisma confundir no principio questões diversas para applicar a ambas o que só a uma pertence, e foi apenas este expediente sagaz, que causou no discurso do illustre deputado uma especie de argumentação firme, ligada e presa entre as suas diversas partes, que deve produzir muito effeito lá fóra, e que o produziria aqui tambem se as pessoas illustradas que escutaram o illustre deputado não soubessem distinguir umas cousas das outras, e um sophisma de um argumento. Porém eu não só não admitto direito de propriedade, perfeito nem imperfeito, nas corporações a que se tem dirigido até hoje a desamortisação; mas mostrarei tambem ao meu illustre collega, o sr. Barros e Sá, que o direito de propriedade, ainda que o tivessem, não era por fórma nenhuma offendido pela desamortisação, como tem sido feita anteriormente, como eu entendo que o deve ser hoje, e como eu a proponho.

Em nenhuma das definições das varias ramificações em que se divide o dominio, em nenhum de todos os desmembramentos de propriedade podemos encontrar definição precisa e exacta para o acto, pelo qual as diversas corporações de mão morta retêem em si as propriedades e as desfructam.

E a rasão é muito simples, é porque essas corporações não têem nem tiveram nunca direito de propriedade perfeito ou imperfeito, exercem um facto que é a negação mais positiva do direito de propriedade.

Direito de propriedade sem a liberdade de gosar da propriedade, de dispor d'ella e de a transmittir, não é direito de propriedade, é uma excepção ao direito de propriedade, é a negação d'elle, é uma cousa inadmissivel e prejudicial no meio de uma nação; é um mal que affecta todas as leis economicas e sociaes, e que pouco a pouco vae definhando as forças vitaes de um paiz até o fazer caír em completa inanidade (apoiados).

Por consequencia o direito que têem não é direito de propriedade.

E não se canse o illustre deputado a procurar nas leis do