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SESSÃO DE 9 DE JUNHO DE 1888 1907

essa remuneração cerceada em mais de dois terços dos emolumentos por uma lei posterior, sem que se lhe desse a competente indemnisação, sendo esse cerceamento ainda aggravado pela alta dos generos de primeira necessidade e das rendas das casas, e pela indispensavel aggravação dos impostos do estado, do districto, do municipio e da parochia.

Pelos motivos expostos tenho a honra de propor o presente projecto de lei:

Artigo 1.° O ordenado do thesouroiro da universidade de Coimbra é fixado na quantia de 260$000 réis annuaes.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos deputados, aos 7 de junho de 1888. = Francisco de Castro Mattozo da Silva Côrte Real = José Maria Barbosa de Magalhães.

Lido na mesa foi admittido e enviado á commissão de instrucção superior, ouvida a de fazenda.

Renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei que teve segunda leitura na sessão de 24 de janeiro de 1885, e que é assignado pelo sr. Ignacio Francisco Silveira da Mota.

Camara dos deputados, 6 de junho de 1888. = José Elias Garcia.

Lida na mesa, foi admittida e enviada ás commissões de legislação civil e ecclesiastica.

A renovação refere-se ao seguinte:

Projecto de lei

Senhores. - No perpetuo antagonismo entre a realisação das idéas justas e a manutenção dos erros e dos abusos, lucta cujas diversas phases constituem a historia da civilisação, os interesses reagem por muito tempo contra a força progressiva da verdade, mas esta obtem a final completa e decisiva victoria.

Ouso, por isso, esperar que o pensamento, de que nasceu este projecto, embora contrarie tenazes preoccupações, ha de alcançar o assentimento, e, porventura, o energico apoio de uma parte importante da camara.

Entre os direitos que se deduzem da natureza humana, direitos universaes e absolutos, preexistentes e superiores ás leis escriptas, o mais inviolavel e sagrado é sem duvida a liberdade de consciencia. Assim a cada individuo é infallivelmente licito, no santuario do seu fôro intimo, adorar a Deus conforme as suas crenças, e elevar o pensamento em muda supplica até á fonte inexhaurivel d'onde derivam a resignação e a paz. Isso, porém, não basta. Permittir a liberdade de consciencia, com a condição de não se manifestar, é tolerancia inutil. Só os actos que assumem caracter de exterioridade são objecto do direito; e o sentimento religioso, indelevelmente gravado ao coração humano, não se restringe nem se adapta a um espiritualismo austero, a um mysticismo esteril, a uma ideologia nebulosa, accessivel a poucos entendimentos, necessita expandir-se, purificar-se, fortalecer-se com a prece em commum, com a profissão publica da fé, com as formulas solemnes do culto, com tudo o que as religiões têem de uncção, de conforto e de esperança para as tribulações e angustias da vida, para os terrores, para os mysterios de alem da morte. Embora só haja uma religião verdadeira, e n'este raciocinio se têem estribado os crimes de todas as theocracias, os homens sinceramente crentes suppõem sempre que essa religião é a sua.

Obstar de algum modo a que a confessem, quando não é possivel deter os progressos e nem sequer os extravios do pensamento, constitue um erro deploravel de que a miudo resultará, ora a indifferença, ora a hypocrisia, e constrange iniquamente um sentimento íntimo, virtuoso, energico, superior talvez a todos os affectos, a natural, a instinctiva religiosidade com que a alma aspira ao infinito.

Não póde, pois, pedir-se, em nome do catholicismo ou de qualquer doutrina religiosa, força coerciva ao estado. Onde deveras se respire a atmosphera da liberdade, ou hão de nivelar-se todos os cultos, outorgando-se-lhes igual tolerancia e igual patrocinio, ideal da justiça, cuja realisação collide por agora com as tradições, com os costumes, com as condições moraes de muitos paizes e especialmente do nosso; ou quando, em acatamento á vontade da maxima parte dos cidadãos, existir uma religião protegida e subsidiada pelo estado, deve pelo menos estatuir-se para as outras crenças plena emancipação de consciencia e de culto. Taes são os salutares principios, que boa parte das nações civilisadas têem já adoptado; tal é a legislação, que perfeitamente se coaduna com a proverbial brandura da nossa indole, com a imparcialidade de outras instituições, com as peculiares, com as impreteriveis circumstancias do vasto imperio que ainda temos na Asia e na Africa.

Asseveram os impugnadores d'estas doutrinas, que a grande maioria da sociedade portugueza acolhe inteiramente satisfeita o estado actual das relações religiosas. É este o precipuo, o formidavel argumento, que em quaesquer questões de ordem moral apresentam sempre os partidos conservadores. Se o attendessemos, a lei do incessante aperfeiçoamento, consentanea a todas as cousas humanas, não o seria á sciencia politica, porque ha de facto nas sociedades uma especie de misoneismo, que as incita a temer, não só os violentos abalos, mas ainda a evolução lenta e prudente, de que dimanam as transformações e as reformas. Felizmente para debellar esta tendencia, que se descobre tanto mais viva, quanto é mais espessa e trivial a escassez, da instrucção, ha muitas vezes nos homens, que têem voz a voto no destino das nações, a rasão clara, as lições da experiencia, as convicções reflectidas, as inspirações fecundas, o vigoroso impulso do dever. Assim entre nós é obvio que a parte mais numerosa da nação, se não segue com escrupulo em todos os actos da vida os sublimes dictames do Evangelho, acceita, comtudo, reconhece e confessa os dogmas o a disciplina do culto catholico, e até por vezes transpõe as fronteiras da credulidade; mas esta situação decisiva de opiniões, de sentimentos e de habitos não póde compellir os legisladores a coarctarem de modo algum a maxima tolerancia para as ramificações, para as dissidencias religiosas, que tambem innegavelmente se manifestam.

Dizem-nos que existe a tolerancia; que estamos n'uma epocha de paz e de accordo; que, embora as leis sejam severas o terminantes, não ha auctoridades nem tribunaes que as appliquem; que a perseguição e apenas um phantasma, que a ninguem prejudica ou intimida. São asserções cujo alcance está muito longe de corresponder á verdade; são, como diria Hamlet, palavras, palavras, não mais que palavras. Qualquer que seja a fórma mais ou menos cruel por que se execute, a perseguição subsiste, e ultrapassa os limites da equidade e da justiça. De certo no seculo actual não se desconjunctam os membros a tratos de polé ou do potro, não se espedaçam os corpos no patibulo, não se punem com o ergastulo e com a morte os erros ou os acertos do entendimento. Vão longe esses tempos de violencia e de atrocidade, como vão longe tambem os de audaz energia, os de soffrimento assombroso. Se o fanatismo, porém, impedido pela suavidade dos costumes e pela civilisação da nossa epocha, não póde já satisfazer sem estorvo os seus furores, a intolerancia, accommodando-se a qualquer grau de cultura, realisa ainda em larga escala pensamentos de iniquidade e de oppressão.

D'este modo, encorporados nas leis certos preceitos, que dão á religião catholica apostolica romana a auctoridade e o valor de instituição politica, e fixado á universalidade dos cidadãos o dever de submetterem a estes preceitos muitos actos importantes da sua vida publica, é claro que aquelles individuos, que não pertençam ao gremio orthodoxo, ou hão de mentir aos affectos mais santos e mais intimos, fingindo uma crença, que a voz da consciencia lhes não inspira, ou hão de ser inevitavelmente coagidos á privação de muitos direitos e proventos, não podendo obter ingresso no governo, no parlamento, nos conselhos, nos