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1908 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

cargos administrativos, judiciaes ou militares, tendo de viver como estrangeiros no meio dos seus compatriotas, e resignando-se sacrificios tanto mais penosos, quanto, constituindo em geral factos obscuros e quasi desconhecidos, nem ao monos servem, como os dos antigos martyres, para animarem os timidos a perseverarem na fé.

Tal é entre nós a situação de muitos adeptos das diversas igrejas protestantes; tal é a sorte de unia população numerosa, intelligente, activa, que presta adoração a Deus conforme uma crença, que foi por muitos seculos verdadeira, e de que a religião do Calvario, do amor e do perdão misericordioso é o sacrosante complemento.

Não constituirão os factos a que alludo perseguição clara e irrefragavel, perseguição que infringe os fóros individuaes, e affronta a dignidade social da geração presente? Não estarão taes factos em evidente antinomia com a disposição indubitavelmente constitucional do § 4.° do artigo 145.° da carta, onde se determina que ninguem póde ser perseguido por motivo de religião, uma vez que respeito a do estado e não offenda a moral publica? Não será extravagante e illogico dar á religião catholica na metropole o caracter de dominação exclusiva, e consentir nas possessões da Asia e da Africa o estabelecimento de varias seitas, e de differentes ritos? Respondam a estas perguntas os que antepõem a confissão da verdade ás suggestões e influencias de qualquer interesso partidario.

Ha quem esteie tambem o seu voto no receio de que a liberdade de cultos possa entibiar a fé catholica. Estranha cegueira. A religião, cujos dogmas se têem mantido inabalaveis desde os tempos apostolicos até hoje, cuja doutrina tem conquistado sempre indefectivel predominio sobre as mais altas intelligencias e sobre as mais humildes e grosseiras, não póde temer a coexistencia de diversas crenças, e em vez de enervar se rio meio d'ellas ha do permanecer pura e illesa, e augmentar em torna e explendor; porque, só a intolerancia desperta sympathias em favor das idéas perseguidas, a franca manifestação do pensamento, o sincero exercicio do culto, a discussão, a publicidade, a attracção por meio da palavra e do exemplo hão de contribuir efficazmente para que se conciliem as opiniões, para que só desvaneçam as duvidas, para que todos comprehendam o verbo de paz e de fraternidade revelado no Evangelho, para que sobre as ruinas dos systemas, ou falsos ou incompletos, se erga, emfim, o edificio da serena e immortal sabedoria.

Este parecer não é só meu, é de todos os amigos verdadeiros das instituições liberaes, é de muitos e mui piedosos escriptores catholicos, santos padres, doutores da igreja, prelados virtuosos e exemplares. O perigo, não absoluto, mas relativo, que ameaça o catholicismo, não está na voz da consciencia, que nos falla da liberdade e da dignidade do homem; não está na propaganda das divisões e subdivisões do protestantismo, as quaes, embora divirjam em symbolos e interpretações, têem todas por laço commum a doutrina do Evangelho; não está na vulgarisação das theorias scientificas, que ambicionam explicar as eternas leis da natureza; não está sequer no derramamento de sophismas subtis, que tendem temerariamente offuscar a verdade. O perigo para a catholicismo, o perigo para quaesquer communhões religiosas, o perigo para os individuos e para as sociedades está na ausencia das idéas elevadas e dos nobres e puros sentimentos, no percurso contagioso do scepticismo, na facil e quasi inconsciente indiferença em que adormecem muitos espiritos, na mesquinha philosophia o interesse corporal que, converto o porco de Epicuro em idolatrado emblema da suprema ventura, nos calculos de egoismo e de pusillanimidade que dão voga e realce a um moderno argumente teologico credo quia urbanum.

N'estas tristes, condições a liberdade, do cultos será do certo mais poderoso antidoto para o abatimento moral da geração premente do que o monopolio facultado a uma só religião. E preferivel a crença, embora erronea, ao atheismo, ao desdem ou á indifferença; mais vale conceder a cada individuo que escolha o culto que se adapta á sua consciencia do que coagir a incredulidade a confessar acto de fé sem ter fé, a pedir com os labios o que o coração rejeita.

Poderia desenvolver importantemente esta exposição. Muitas e intuitivas considerações de conveniencia publica corroboram a immutabilidade dos principios sobre que se escora o projecto de lei, que submetto á vossa esclarecida apreciação. Receio, porém, ser prolixo, e julgo sufficiente o que está dito. Circumscrever-me-hei a affirmar que o alvitre por mira proposto cabe incontestavelmente na alçada do corpo legislativo, sem necessidade ou dependencia de especial mandato constituinte.

O artigo 144.° da carta declara que só é constitucional o que diz respeito aos limites e attribuições doa poderes politicos e aos direitos politicos e individuaes, e nem a religião catholica póde ser comprehendida em algum d'estes casos, nem eu impugno a prerogativa que o pacto fundamental lhe confere.

Quantos aos direitos individuaes é obvio que se as leis organicas não os podem coarctar, quando já estiverem fixados no codigo politico, podem sempre reconhecel-os, amplial-os e garantil-os. Assim se tem feito em muitos actos legislativos, e ainda em decretos e regulamentos, cuja legitimidade ninguem disputa.

Apresentando este projecto, sei que afasto do mim as sympathias de alguns homens, cuja pureza de intenções respeito, cujas virtudes civicas aprecio, e que, comtudo, têem contribuido, de certo sem o quererem, para mais de uma victoria, alcançada n'esta terra pelos obstinados adversarios da liberdade e do progresso politico; sei que me exponho aos acres resentimentos, ás paixões odientas e implacaveis dos que, pondo a sinceridade das crenças ao serviço de interesses mundanos, hão de alcunhar de questão religiosa uma questão meramente politica.

Que importa? Cumpro um dever que a consciencia me impõe, resigno-me de bom grado ao damno que d'ahi me provenha. Assim se traduzam em lei preceitos que deveras condizem com a rasão, com a liberdade, com a justiça, com a gloria e os interesses do paiz, com a sublime, com a divina moral do christianismo.

É o que peço á camara, é o que d'ella espero.

Projecto de lei

Artigo 1.° É permittido a naturaes e estrangeiros o culto domestico ou publico de qualquer religião que não offenda a moral.

Art. 2.° A fruição dos direitos civis e politicos não depende essencialmente de actos e formulas religiosas.

Art. 3.º É auctorisado o governo a decretar os regulamentos necessarios para a execução da presente lei.

Art. 4.° Fica revogada a legislação contraria a esta.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 23 de janeiro de 1885. = Ignacio Francisco Silveira da Mota.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, pelo ministerio da marinha, seja enviada a esta camara copia da correspondencia official, que motivou a ordem expedida pelo dito ministerio, para que os navios que demandarem o porto do Faial não tomem carga nem passageiros na ilha Terceira. = J. F. Abreu, Castello Branco.

Requeiro que com urgencia sejam enviados á commissão de fazenda os documentos que, em 7 de fevereiro do corrente anno solicitei do ministerio da marinha, respectivos á pensão pedida pela viuva o filhos do contra-almirante Cardoso. = A. L. Tavares Crespo.

Requeiro que, pelo ministerio do reino, só requisitem os seguintes documentos: