SESSÃO N.° 8 DE 22 DE MAIO DE 1908 5
sempre de esperar... são em taes individuos.
Compare-se essa situação com a actual, que, apesar de não ser de todo desannuviada, é por certo bem melhor do que a que eu, encontrei; o país julgará se o Governo tem procedido mal.
Não se julgue por estas palavras que o Governo quer a si proprio attribuir qualquer parcela do exito já obtido. A obra foi de todos; todos para ella contribuiram, sem distincção de partidos ou de ideaes; todos para ella concorreram com a quota parte dos seus esforços patrioticos.
Mas não se diga, porque não é justo, que o Governo contrariou, pela sua incapacidade, esse movimento nacional, que fará na historia a rehabilitação do povo português, e para os que nella trabalharam, que foram todos, a consciencia segura de terem cumprido o dever.
É possivel que outra orientação no Governo trouxesse mais rapidos e efficazes resultados; que os processos de repressão violenta que muitos preconizavam fossem os mais adequados ou que a mais larga distribuição de amnistia, como a outros se afigurou, melhor traduzisse a vontade do país.
O Governo procedeu como julgou melhor; o Parlamento julgará se bem procedeu.
O Governo entendeu que os reus de crimes militares podem ser perdoados depois de julgados, quando assim se julgue dever fazer, como succedeu com os marinheiros insubordinados, que já em parte tinham, expiado a sua culpa; mas não julgou dever aconselhar amnistias aos militares, que ainda não tinham sido julgados, porque entendeu, e ainda entende, que seria um tal procedimento um erro disciplinar das mais lamentaveis consequencias, e uma affronta aos que, no meio da agitação que havia sacudido tão gravemente o país, tão notavel exemplo haviam dado da sua lealdade, da sua disciplina e do seu amor pela patria querida, e pelos creditos da corporação, que tão altamente confirmaram no espirito publico nacional e na apreciação que tão justa e gloriosamente no estrangeiro completaram.
É possivel que hoje se diga que em alguns pormenores, no "modus faciendi", o Governo não procedeu ajustando a sua forma de acção ao que o rigor dos formalismos exige, como por exemplo quando confiou a manutenção da ordem na capital ao general da 1.ª divisão, dando-lhe o cominando geral de toda a força publica, incluindo a dos elementos de policia tanto militares como civis, o que só é de habito fazer-se quando se declara o estado de sitio. O Governo, porem, longe de arrepender-se do que fez, só tem a louvar-se de o ter feito, porque assim conseguiu centralizar todos os esforços, demonstrar a boa harmonia existente entre todos os elementos de confiança para a manutenção da ordem, estabelecer neste empenho a solidariedade entre o exercito e a policia no ponto de vista da ordem publica, educar a policia na melhor forma de proceder para com o povo, e, finalmente, fazer acabar a incompatibilidade perigosa entre os elementos policiaes e a população da capital, com o que só houve a ganhar, e não pouco, nos resultados obtidos a favor da ordem.
No numero dos boatos que se espalharam por toda a parte, e a proposito de tudo, o que tomou maior vulto foi o de que uma porção de officiaes queria, em desforço de discussões de imprensa e conversas de cafés, reproduzir contra os jornaes mais avançados as scenas que em Barcelona tantas difficuldades trouxeram aos governos da nação vizinha.
Seguro estava o Governo de que taes boatos eram absolutamente infundados; mas tal segurança não existia na opinião publica, e tanto assim era que muitas e repetidas communicações recebi de directores de jornaes que pelo telephone me avisavam de que alguma cousa havia no sentido da realização de taes boatos, e de que se preparavam para resistir pela força a qualquer ataque.
Assegurei-lhes que nada havia e mandei guardar as redacções d'esses jornaes, não, repito, porque estivesse convencido da veracidade de taes informações, mas para demonstrar que, na obrigação de manter a ordem e a confiança publica, o Governo não tinha distincções politicas a fazer entre os cidadãos portugueses.
Ordenei mais severas prevenções porque não quis dar corpo aos boatos adrede espalhados para manter irrequietos os espiritos por alguns conflictos pessoaes que se pudessem dar isoladamente nas ruas, provocados por quaesquer ditos, conflictos que depois se generalizassem, e, dado o estado dos animos, se generalizassem sem facil forma de obstar ás perigosas consequencias de taes conflictos entre os elementos civil e militar.
Num dia em que taes boatos mais se accentuaram, ordenei uma formatura geral das forças nas das e assim demonstrei que toda a força estava disciplinada, obedecendo á voz do seu general sem a menor hesitação, e dando á povoação ordeira da capital a impressão de que eram falsos todos os boatos em contrario, absurdos, e que a força publica continuava como até ali, e como sempre, a inspirar a todos a mais completa e inteira o confiança, demonstrando por esta forma a sua nunca desmentida lealdade.
Diz-se que este procedimento alimentou o panico, mas o que posso affirmar é que, ao contrario d'isso, d'ahi por deante os boatos terroristas foram pouco a pouco desapparecendo, a serenidade veio pouco a pouco voltando aos espiritos, e as cousas melhoraram.
Poderá dizer-se que o Governo fazia obra por boatos. Tal accusação poderia colher se tivesse que lutar com uma situação normal; mas o certo é que o Governo tinha que defrontar-se com uma situação que se seguia a uma outra em que bem claro se mostrou que desprezar por completo os boatos é um erro capital e que mais vale, ou menos perigoso é para o resultado, dar-lhes demasiada importancia do que votá-los por completo ao desprezo.
Emquanto o cumprimento do meu dever me conservar á frente do Governo, qualquer que seja o juizo que se forme da minha incapacidade como estadista, sou o primeiro a confessar que prefiro que me achem demasiadamente cauteloso a ter que arrepender-me por ter sido excessivamente incredulo.
E, se o argumento dos resultados obtidos, nem sempre é provativo, por se não poder saber quaes seriam os que se obteriam do procedimento contrario, como os que se obtiveram não são desagradaveis, a minha consciencia affirma-me que, se o meu procedimento podia, na opinião de muitos, ser melhor, o que empreguei tambem não produziu inconvenientes que possam trazer-me remorsos de imprevidencia, que decerto teriam na opinião desapaixonada mais merecidas criticas.
Nesta ordem de ideias tenho usado em tudo as cautelas que no estrangeiro se usam, e se aqui estão ellas em opposição com o que estavamos habituados a ver, não excedem o que em toda a parte se pratica, e que em toda a parte se não estranha, qualquer que seja a constituição vigente.
Creio ter respondido á primeira parte do discurso do Digno Par, passando agora a responder á segunda.
Dois caminhos havia a seguir para normalizar a situação constitucional do país: ou completar a dissolução da Camara dos Senhores Deputados pela reunião do Conselho de Estado que a autorizasse com o seu voto, ou reuni-la, dando por nullo o acto da dissolução, a que havia faltado uma formalidade essencial.
Optei pela primeira solução porque, dada a intenção de acalmação que tem animado todos os actos do Governo, reunir, no momento em que as paixões mais exacerbadas estavam, uma Camara em que numerosamente se achavam representados todos os elementos